[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Monserrate,
um caso muito sério



Faz hoje um mês que estive em Monserrate, correspondendo ao amável convite do Prof. António Lamas para uma visita em que pretendia mostrar-me o estado do Palácio, na sequência das obras de recuperação ali concretizadas no âmbito do subsídio do fundo europeu EEA-Grants.

Como, naquela semana de Maio, ambos tínhamos compromissos que não permitiam compatibilizar agendas, acabou por ser a Arq. Luísa Cortesão quem me recebeu e acompanhou durante uma tarde de verdadeiro privilégio. Vem a propósito lembrar que, de facto, há anos, me tem sido possível acompanhar de perto as campanhas de trabalhos ali em curso, pelo que, nesta oportunidade, me inteirei de pormenores da etapa agora finda, parte de um processo que será sempre inevitavelmente longo.

Em primeiro lugar, gostaria que compreendessem o privilégio a qu aludi. Para um militante da defesa do património que, durante tantos anos, também foi professor de jovens formandos nas áreas afins da recuperação do património edificado, devo confessar e confirmar a excepcional vantagem de poder contar, em exclusivo, com o esclarecimento de alguém que, para além de perita no assunto, é de uma amabilidade e simpatia inexcedíveis.

Vi tudo, inteirei-me de tudo e concluí o que não é difícil concluir quando, trabalhos que tais, estão sob a coordenação de alguém como Luísa Cortesão. Absolutamente impecável, um repositório de boas práticas, na estrita observação do espírito e da letra das Cartas Internacionais às quais obedecem as intervenções de recuperação de edifícios classificados.

Para além de uma série de pormenores do maior interesse, como o aproveitamento e entrada ao serviço de peças preciosas, caso de alguns sanitários originais, ou a recuperação de um fogão lindíssimo de ciclópicas proporções, reveladores da minúcia das preocupações, à belíssima iluminação que passa a evidenciar a excepcional riqueza decorativa de tantos e maravilhosos estuques, infindáveis, enfim, são os motivos que me levam ao apelo de ali se deslocarem quanto antes.

Mas, deixem-me que vos diga ter ficado emocionalmente comovido com a operacionalidade da galeria técnica. Que espanto, a eficácia que por ali se respira na rede de abastecimento de água, na rede de drenagem de águas residuais e pluviais, nas instalações eléctricas e de telecomunicações, nas instalações mecânicas, nas instalações de segurança contra incêndios! Imaginam a dificuldade de estudar e concretizar a instalação dos dispositivos mais modernos e sofisticados sob – sim, sob – a estrutura pesada, arcaica e romântica de Monserrate? Que desafio, meu Deus! Mas conseguido!

Nada do que ali foi e continuará a ser recuperado, poderia acontecer sem um profundo conhecimento do edifício por parte da coordenadora do projecto de intervenção. E, permitam-me evidenciar, também a dedicação, o carinho por aquela casa que Luísa Cortesão tem vindo a desvendar nos seus mais íntimos segredos, para nosso benefício, num impagável serviço à causa da recuperação do património de Sintra.

Posso garantir-vos que os propósitos mais ambiciosos daquelas aludidas Cartas, tão dificilmente atingíveis no duro trabalho quotidiano – em terreno tão crítico, em que tudo tem de ser pensado, repensado e corajosamente decidido no sentido das mais correctas atitudes e actividades de restauro, sempre com pinças – têm sido escrupulosamente respeitados. É um orgulho enorme poder confirmar que, em Monserrate, a Carta de Cracóvia não podia ter maior correspondência:

“(…)
O objectivo da conservação dos monumentos e dos edifícios com valor histórico, que se localizem em meio urbano ou rural, é o de manter a sua autenticidade e integridade, incluindo os espaços interiores, o mobiliário e a decoração, de acordo com o seu aspecto original. Tal conservação requer um “projecto de restauro” apropriado, que defina os métodos e os objectivos.

Em muitos casos, requer-se ainda um uso apropriado para os monumentos e edifícios com valor histórico, compatível com os seus espaços e o seu significado patrimonial. As obras em edifícios com valor histórico devem analisar e respeitar todas as fases construtivas pertencentes a períodos históricos distintos
.(…)”

Carta de Cracóvia (2000).

Sintomaticamente, esta citação consta de um trabalho da própria Arq. Luísa Cortesão acerca do caso Monserrate. Sei, posso testemunhar que, para ela, é um mandato, um verdadeiro credo. O que está a acontecer em Monserrate é perfeitamente paradigmático e, como sei que todos os passos têm sido registados em todos os suportes disponíveis, desde escritos, visuais, audiovisuais, aos mais sofisticados informáticos, adivinho o sucesso que tal acervo documental poderá constituir, possibilitando todo o tipo de comunicações e, inclusive, as de índole académica, a nível nacional e internacional.

A finalizar, o geral reconhecimento que se impõe. Uma coisa é certa, o Prof. António Lamas tem a seu lado colaboradores absolutamente excepcionais. O sucesso da Parques de Sintra Monte da Lua deve-se a tais pessoas. Trata-se de uma gente a quem o meu testemunho de gratidão não tem medida.

Para mim, são eles, apesar de tantas dificuldades, na tentativa de resposta a constantes desafios, quem consegue dar-me o alento para suportar o que não deveria acontecer. Por exemplo, o visível resultado de tanto desleixo da Câmara Municipal de Sintra em áreas de actuação também afins de salvaguarda do património. Embora tão perto, nem sempre, os bons exemplos são seguidos, como era suposto…


PS:

17 de Junho é dia grande em Monserrate. Aquilo que eu vi há um mês, será oficialmente mostrado, em cerimónia formal, onde membros do governo e outros convidados poderão verificar o bom trabalho que ali se faz. Infelizmente, não poderei lá estar mas espero bem que os sintrenses amigos destas lides lá estejam e confirmem como não são excessivas as minhas palavras.




8 comentários:

Manuela Afonso disse...

Amigo João,
Também tenho acompanhado as obras.
Mais uma vez, com tantos elogios à PSML o que o Cachado está a arranjar é o ranger dos dentes dos invejosos do costume. Mas a realidade é esta: - ainda temos o Prof. Lamas e a equipe a darem-nos estas alegrias. Parabéns pelo seu texto, como sempre um primor de escrita.

Manuela Afonso

Anónimo disse...

Quem devia pôr os olhos em Monserrate era o próprio Seara que noutro dia chegou a afirmar
que a Câmara fez as obras
no palácio quando afinal foi
um fundo norueguês.

Pedro Soares disse...

Escreve o João Cachado que Monserrate é um caso sério e é verdade. O Chalé da Condessa
também vai ser. Juntamente com as limpezas das tapadas,
os caminhos recuperados na
Pena resulta numa grande obra
do Lamas. É o que nos vale
em Sintra porque a Câmara
é uma vergonha.

Pedro Soares

Victor Cortês disse...

Estou na mesma onda que o Cachado e anteriores comentários. Ir a Monserrate, à Pena, ao Castelo dos Mouros e aos Capuchos ainda é o que nos salva em Sintra. O resto é falta de cuidado, promessas por cumprir e aldrabice.
Vitor Cortês

Carlos Santos disse...

É preciso informar todos os interessados que embora continuem as obras as visitas são possíveis. Aproveito para agradecer pelas informações sobre Sintra e a situação real do seu património que este blogue transmite.
Sou um velho arquitecto e sei do que falo. O senhor tem toda a razão. Bem Haja.
Carlos Santos

José Cardigos disse...

Caro Cachado,
A diferença entre a gestão de António Lamas e do Paulo Serra Lopes é o dia da noite. Parece que se tem de voltar à carga a ver se sabe alguma coisa das vergonhas que esse senhor fez cá por Sintra. Não me esqueço que o João cachado escreveu que não descansava enquanto não se souber
o resultado das investigações
da PJ.
Cumprimentos,
José Cardigos

Celeste Ribeiro disse...

Em Portugal há sempre uns protegidos que cometem uns erros prejudicando as comunidades mas a Justiça nunca os apanha. O Serra Lopes, com advogados tão habilidosos na família é um deles. Ninguém tenha ilusões.
Celeste Ribeiro

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Como sabe, estive ausente e tenho de recomeçar a apreciar os enredos da vida sintrense, tristemente cada vez mais rica deles.

Deve recordar-se - há quem jogue com o esqucimento - que o último mandato do Dr. Serra Lopes resultou de uma decisão camarária, por proposta do respectivo Presidente. E já nessa altura era conhecida a gestão praticada por Serra Lopes desde o início da PSML, que se verificou quando José Socrates era Ministro e Pedro Silva Pereira seu Secretário de Estado.

Também por proposta do Presidente da Câmara de Sintra, entrou para a PSML um Homem (H grande por mérito) de seu nome António Abreu, que muito se esforçou para inverter tudo o que existia de mau e tomar medidas adequadas. Receio que tenha saído com alguma desilusão.

Não me alongarei porque uma entrevista ao Eng. António Abreu, se ele quiser falar abertamente do que foi a vida dele por lá, enriqueceria - sobremaneira - a avaliação daquela fase de vida da empresa. Talvez ajudasse a deslindar onde surgiram os benefícios pela realização da "1ª. Companhia" da TVI, na Tapada do Mouco.

Nesse período fazia-se que a CMSintra era a maioritária accionista pois iria assumir a parte do ICN (ou PNSC, mas julgo que ICN) e assim foram tomadas decisões...mas um dos Ministérios envolvidos não viria a sancionar a transferência das comparticipações.

Quanto a processos judiciais, de que na época se falavam, ninguém agora insiste por eles. Porque será?

Um abraço,