[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012




Mozart,
Sinfonia No. 41
 
[também no facebook]




Desde o seu primeiro andamento, esta sinfonia é a continuação da precedente e, tal como já dei a entender, «resolve» as preocupações que a outra tinha expressado. O pathos e a ansiedade são agora ultrapassados. Trata-se de uma sinfonia de equilíbrio e ordem, de uma autêntica arquitectura que Mozart cria baseado nas suas convicções e em si próprio, uma obra cuja grandeza apenas reflecte um ideal, uma sinfonia «de realização», não de especulação.
 
O tranquilo diálogo do segundo andamento, um ‘Andante cantabile’ é deliberadamente diferente do segundo andamento da Sinfonia No. 40. Nenhuma ansiedade nem sombra de qualquer espécie. Sem pausas mas sem tensão, a partitura empurra o ouvinte em direcção à plena luz, como Tamino fará em relação à luz da sua iniciação.

Insisto na necessidade de sempre ter presente que Mozart compõe as três sinfonias num curtíssimo período, em pleno Verão de 1788, um tempo durante o qual mal sai de casa que importa relacionar com o texto da carta ao seu Irmão Maçon Puchberg . Neste contexto, para tentar entender a unidade de pensamento da trilogia, preciso é que relacionemos o último movimento desta ‘Jupiter’ com o primeiro andamento da Sinfonia No. 39 já que, assim procedendo conseguimos imaginar como, na sua oposição, mutuamente se complementam.

Para rematar a obra, Mozart regressa ao símbolo da dualidade e da oposição. Começando no caos inicial dos ritmos quebrados, na violência dos batimentos – numa palavra, em tudo o que o princípio deste tríptico tem a ver com escuridão, ansiedade e desordem – Mozart vai guiar-nos para a luz, força e beleza. 

 Em conclusão, não é difícil que, neste compósito e complexo dispositivo sinfónico, possamos ler um percurso maçónico em que, entre outros, tivemos um vislumbre da claridade da esperança através da transparência do primeiro tema da Sinfonia No. 39, seguindo-se a escuridão da No. 40, num combate sem tréguas, escorregando pelo desânimo, até à estonteante luz da última sinfonia.

Finalmente!

Cheguei ao fim do trabalho que me propus. É o fim de uma caminhada fascinante. Em determinados momentos, a circunstância de sermos tão gratificados por verdadeiras epifanias musicais, quase fazemos um esforço para não esquecer a evidência de todo um percurso composicional que só pode ser plenamente entendido se, constantemente, o formos relacionando com as obras, de todos os géneros que, entretanto, Mozart ia compondo.

Humilíssimo, curvo-me perante o génio. Ousei ler algumas entrelinhas do divino Mozart. Lá do Oriente Eterno onde repousa, perdoará ele o atrevimento, mesmo tendo em conta o propósito da divulgação que me pareceu pertinente nestas ligeiras páginas do facebook?

Enfim, eis a última gravação proposta que, como já estava anunciado, continua com a Filarmónica de Viena sob a condução de Nikolaus Harnoncourt.

Boa audição!

 



Mozart,
Sinfonia No. 40
 

[também no facebook]


Sem dúvida que foi com duas orquestras em perspectiva que Mozart compôs as duas versões da sua Sinfonia em Sol menor KV. 550, obra cheia de neurose, intelectual e tematicamente a mais erudita de todas as suas grandes sinfonias. Não há uma única nota a mais, ou seja, a contenção é máxima, absolutamente nenhuma concessão à facilidade ou ao ânimo leve.
Muito frequentemente, é nítida a sensação de um violento e notório desespero que nos remete 
para o Romantismo. A primeira versão da peça, além dos habituais naipes de cordas, foi escrita para 1 flauta, 2 oboés, 2 fagotes, 2 trompas, uma versão em que – façam o favor de reparar bem – são precisamente as trompas que contribuem para um tom particularmente agressivo da música.

Em relação à versão inicial, na revisão da orquestração a que procede em Abril de 1791, Mozart introduz clarinetes na textura e reformula as partes de oboé, conferindo à obra um cariz mais nostálgico. De qualquer modo, quer numa quer noutra, o que ressalta é a economia do material.

Esta é uma obra em que todos os cânones vigentes são postos em causa. É uma obra em que é enorme o salto para o futuro. Ela é um marco na História da Música em geral e na História da Sinfonia em particular. Com a KV. 550, o compositor perturba as consciências formatadas para uma ordem que ele vem abanar como um terramoto. Perante este quadro de tantas evidências que apenas pedem atenção na escuta, parece impossível como a obra continua a ser lida e ouvida com a ligeireza com que, não raro, ainda reparamos e contra a qual Harnoncourt se rebelou.*

A partir de então, nunca mais o género sinfónico terá qualquer espartilho. Nesta sinfonia, Mozart protagonizou um salto para a Liberdade, abrindo a porta aos grandes sinfonistas do futuro, em especial, a Beethoven que ainda conheceu e acerca de quem tinha a melhor das impressões. Ouvir a KV. 550 continua a constituir um desafio à inteligência, um convite ao enriquecimento do espírito. E, se quiserem, no contexto da tríade em que figura como segundo momento – depois da Sinfonia No. 39 e a caminho da ‘Júpiter’ – representa um território sombrio, um momento em que tudo é posto em causa, até à resolução que a Sinfonia No. 41 vem anunciar.

Vou deixá-los, tal como já tinha anunciado no artigo precedente, com a leitura de Harnoncourt à frente da Filarmónica de Viena. É, de facto, uma abordagem impecável. Assim saibam entender-lhe a diferença relativamente a outras propostas.

Boa audição!

*Depois da publicação do próximo texto, com o qual terminarei este trabalho de divulgação das quarenta (quem esteve atento, sabe que não são quarenta e uma…) sinfonias de Mozart, acrescentarei umas nota sobre o que o Maestro afirmou acerca da KV. 550, considerando-a a sinfonia que mudou a sua vida.


http://youtu.be/AP3lJy9rVOc
 


Mozart,
o milagroso tríptico sinfónico


[também no facebook]

O cúmulo canónico absoluto da sua obra sinfónica, KV. 543, 550 e 551 – obras que, inequivocamente, figuram entre as mais importantes e influentes compostas em todo o século dezoito – foram escritas num curtíssimo período de seis semanas ou pouco mais, durante o Varão de 1788, circunstância concludente a partir das entradas no catálogo pessoal de Mozart, respectivamente, datadas de 26 de Junho, 25 de Julho e 10 de Agosto.

Tradicionalmente, tem-se partido do princípio de que Mozart nunca tocou estas sinfonias. No entanto, tal não parece sustentável já que não só essa convicção é totalmente contrária à prática habitual do compositor, como também a rápida divulgação das obras, em especial das KV. 550 e 551, e o facto de ele ter revisto a KV. 550, juntando clarinetes à orquestração, sugerem que, de facto, foram apresentadas publicamente.

E não terão faltado oportunidades para o efeito. Lembremos a nota numa carta datada de Junho de 1788, por altura da composição da KV. 543, dando a entender que Mozart estava a planear uma série de concertos no futuro imediato, para além do facto de que concertos, em Leipzig em 1789, Frankfurt em 1790 e Viena em 1791, todos incluíam sinfonias.

Ainda que não deixe de ser tentador descartar a ideia romântica de que as derradeiras sinfonias representam uma súmula e o culminar da arte sinfónica de Mozart – é perfeitamente absurdo pensar que ele teria consciência de que estas seriam as suas últimas peças do género – no entanto, tipificam algumas características essenciais do seu estilo sinfónico que, sem dúvida, constituem o grande contributo para a sinfonia.

Naquele contexto, gostaria de salientar a perfeita noção da proporção e do equilíbrio estrutural, um vocabulário harmónico riquíssimo, o delinear da função através de material temático distintivo e característico e uma especial preocupação com as texturas orquestrais que, muito particularmente, manifestou na escrita extensa e idiomática para os instrumentos de sopro.





Mozart,
Sinfonia No. 39

 

[também no facebook]
 

Sinfonia em Mi bemol Maior obedece a uma orquestração em que os oboés estão ausentes, circunstância que condiz com solução idêntica do anterior Concerto para Piano KV. 482. A tonalidade é uma das favoritas do compositor a qual tem sido interpretada como assumindo, a um tempo, a dupla perspectiva de suficiência e terna nostalgia, para além de ser a mais presente na música maçónica de Mozart.

Esta é uma daquelas sinfonias que remonta ao padrão mais habitual dos quatro andamentos com o restabelecimento da solução Menuetto/Trio na terceira secção. O ‘Allegro’ inicial é um ‘Adagio-allegro’, portanto, novamente precedido por uma lenta introdução, especialmente notável pelo seu tema cantante legato. O andamento lento é o ‘Andante com moto’, em Lá bemol, um movimento lírico perturbado por grandes e súbitas manifestações em tonalidades afins.

Quanto ao ‘Menuetto/Trio’, parece-me evidente afirmar uma «tendência» para soar a Schubert, com a evidente proeminência das partes de clarinete na secção do Trio. Termina com um ‘Allegro’ que não podia ser mais complexo e complicado, especialmente original e inoivador na escrita para a secção das trompas.

A interpretação que vos proponho – não só desta mas também das outras duas sinfonias do tríptico – é a do Maestro Harnoncourt com a Filarmónica de Viena. Por razões muito pessoais, fiquei particularmente ligado a estas leituras cuja pertinência tive oportunidade de confirmar por ocasião do ano jubilar mozartiano de 2006, em que Nikolaus Harnoncourt foi o convidado de honra do Mozarteum para as comemorações dos 250 anos do nascimento de Mozart.

Tive o raríssimo privilégio de assistir à gala matinal – abertura oficial muito restrita, no Mozarteum, apenas por convite, que é preciso não confundir com a gala da noite no Grosses Festspielhaus – em que Harnoncourt, num discurso absolutamente espantoso e memorável, explicou porque estas e, em especial, a KV. 550, era a sinfonia da sua vida. Já publiquei esse testemunho interessantíssimo pelo que basta procura-lo no arquivo.

Boa audição!


http://youtu.be/9CpA7tlVqN4


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012


 

Tribunal Constitucional:
- Acuda!


Oportunamente, parte significativa da opinião pública se expressou no sentido de que, afinal, o governo tinha encontrado uma solução muito talentosa para que o Estado se financiasse em cerca de dois mil milhões de euros, com o patriótico objectivo de cumprir o estabelecido com a Troika, até que o Tribunal Constitucional veio estragar tudo. Enfim, uma chatice. Já toda a gente estava descansadíssima, com os chupistas dos funcionários públicos e pensionistas a resolverem um assunto tão incómodo, e zás, aconteceu o que não devia…

Comparado com o slôgane os ricos que paguem a crise, isto é muito mais sofisticado. Durante anos e anos, incomparavelmente mais do que os grandes detentores do capital, os trabalhadores da Administração Pública têm sido perfeitamente diabolizados, como se, na sua actividade, estivesse sediado todo o mal que consome as entranhas do Estado, tanto a nível nacional como local.

O que será preciso fazer para demonstrar que, tanto no sector público como no privado, aliás, como em todas as latitudes, há excelentes, bons, regulares, maus e péssimos trabalhadores?

A menos que, através da referida diabolização, se pretenda justificar a atribuição das culpas pelo estado a que as coisas chegaram aos cidadãos, cuja exposição e características de enquadramento laboral, se revelam mais a jeito para a imposição das mais gravosas medidas, de tal modo que os benefícios decorrentes possam abranger toda uma sociedade tranquilizada por procedimento tão judicioso...

Basta! É altura de dizer não ser possível continuar com esta atitude, verbalizando um discurso tão contundente quanto melindroso. Será que, em relação a pretensos privilégios dos trabalhadores do sector público, já nos esquecemos de que, durante décadas, ganharam significativamente menos do que os do privado? E quanto à estabilidade do posto de trabalho? Se alguma vez aconteceu, meus senhores, já foi… Veja-se o que aconteceu com professores – atenção, não os contratados, que não tinham vínculo com a Administração, mas aos profissionais dos quadros! – que iniciaram o ano lectivo em curso sem funções atribuídas e com o lugar em risco?

Já nos esquecemos de que, na sequência do processo de descolonização, este país acolheu dezenas de milhar de funcionários públicos provenientes das ex-colónias que inflaccionaram os quadros da «metrópole» e que, a médio e longo prazos, tiveram a consequência perversa do retardamento da progressão nas carreiras, durante dezenas de anos, dos funcionários que cá estavam e que tão prejudicados foram? Portanto, já nos teremos esquecido de que, no seu seio, discreta mas eficientemente, os funcionários público resolveram problemas sociais gravíssimos, que teriam atingido proporções inusitadas não tivesse sido um tão exemplar e profundo sentido patriótico e de sacrifício?

Já nos esquecemos de que uma grande maioria dos trabalhadores do sector público é bastante mais qualificada do que a restante, uma vez que é o Estado que tem de suprir os vencimentos de centenas de milhar de licenciados indispensáveis ao funcionamento da sua máquina administrativa? Médicos, professores, milhares e milhares de engenheiros, veterinários, arquitectos, investigadores, juristas, magistrados, diplomatas, militares, etc, etc, todos  licenciados?

Num país marcado por uma incomensurável cultura de desleixo – em que o sector público, muito mais do que o privado, está sujeito a um escrutínio de inequívoca visibilidade – dá um jeito incrível generalizar e potenciar exponencialmente os sinais e sintomas menos positivos para que, bem explorados por opinion makers mal informados, mal intencionados e, nalguns casos, mesmo desonestos, sejam apresentados à comunidade como os bodes expiatórios ideais.

Pois claro! Eis os funcionários da Administração Pública. Pois claro! Eis os pensionistas, credores de verbas que lhes foram sonegadas, lesados por quebra de contrato, já que tais dinheiros tinham sido confiadas ao Estado, nos termos de contrato celebrado de bona fide, para que, ao longo de dezenas de anos, o mesmo Estado pudesse ter beneficiado com a sua capitalização, na presunção de que a sua pensão estava coberta e segura, jamais prevendo que a pessoa de bem que, em princípio o Estado é, tão descarada e inopinadamente, deixasse de honrar o seu compromisso…

Eis, uns e outros, transformados em indefesa mas perfeita vítima, imolada no altar de uma comunicação social, lamentavelmente, tão deficiente, tão falha de profissionalismo que, entre nós, de maneira alguma, cumpre o papel de quarto poder que lhe está reservado nas sociedades democráticas. Ao fim e ao cabo, é a mesma comunicação social que muito pouco ou nada faz no sentido da sistemática e objectiva denúncia da economia paralela vigente, estimada em cerca de um quarto da riqueza gerada a nível nacional! 

Ora bem, aquele tenebroso mundo, que tanto  abrange as actividades biscateiras como as mais sofisticadas,  que tem artes de se subtrair ao fisco através dos mais requintados  canais fraudulentos,  é, precisamente, o  do mesmo sector privado – animado pelos escandalosos, maldosos e confusos discursos dos membros do executivo governamental, avultando os do próprio Primeiro Ministro – que mais se acicata em apontar o dedo aos pensionistas e aos funcionários da administração pública a nível nacional e local, indefesos perante a  promoção das mentiras mais vis.

Claro que «programa» tão sinistro não é de agora. Alguns políticos, que bem conhecemos de anteriores executivos, nos trouxeram até tão baixo nível, em que bancarrota se confunde e coincide com a mais escandalosa ausência de princípios e de valores. Mas o actual governo bem pode orgulhar-se de tudo estar fazendo no sentido de promover as atitudes mais negativas e menos correctas, minando os mais nobres valores comunitários e inviabilizando o futuro. Que, para o efeito, também esteja a sobrecarregar os pensionistas e trabalhadores da função pública, a um ponto absolutamente vergonhoso e aviltante, eis o que jamais deveria acontecer.

Acuda o Tribunal Constitucional! Mais uma vez!...
 
 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

 
Mozart,
Sinfonia No. 38


Esta Sinfonia em Ré Maior, Praga, KV. 504 está datada de 6 de Dezembro de 1786, ou seja, mais de três anos depois de ter composto a precedente, a No. 36, em Dó Maior Linz, KV 425. Como se verifica, saltou a numeração porque se veio a concluir que a No. 37, em Sol Maior KV. 444/425ª era obra de Michael Haydn (irmão de Joseph Haydn) à qual Mozart apenas fizera uma introdução.

Foi estreada em Praga, em 19 de Janeiro de 1787, na mesma altura em que a ópera As Bodas de Fígaro gozava de sucesso estrondoso. Orquestrada para 2 flautas, 2 oboés, 2 fagotes, 2 trompas, timbales e cordas, a sinfonia está estruturada em três andamentos, o primeiro dos quais Adagio.Allegro, com uma introdução grandiosa, de ambiente grave e trágico, a lembrar a Abertura de “Don Giovanni”, numa tensão dramática que o ‘Allegro’ vem resolver em clima luminoso.

Seguidamente, o Andante, em Sol Maior. Mais uma vez, aquela gama de cores que nos permite viajar entre o sorriso e a lágrima, a sofisticada ironia, sempre a polaridade mozartiana. E, terminando, Finale: Presto. O espírito reinante é o de As Bodas de Fígaro, bem evidente no motivo dos violinos, no dueto Susana-Cherubino quando este salta pela janela no II Acto. Contudo, novamente, um grande contraste, com o trágico mozartiano irrompendo no desenvolvimento, alternando entre tensão e calma para finalizar exuberantemente.

Mozart está na plenitude da sua mestria como sinfonista. Trata-se de uma obra extremamente equilibrada, numa ideal harmonia de proporções. Passados dois anos, seguir-se-ia a grande tríade das últimas sinfonias junto das quais esta No. 38 bem pode figurar ao mesmo nível de inspiração genial.

Desta vez, outra gravação de referência absoluta, num dos melhores serviços prestados a esta peça de Mozart. A orquestra é a Filarmónica Checa, sob a direcção de Sawallisch, nos bons tempos da etiqueta 'Supraphon'.

Boa audição
!

http://youtu.be/iHkc-tqKz3M

 

sábado, 15 de dezembro de 2012

 
 
Mozart,
Sinfonia, No. 36
 

Entre 31 de Outubro e 3 de Novembro de 1783, Mozart e sua mulher Constanze, dirigindo-se a Viena provenientes de Salzburg, ficaram hospedados em Linz no palácio do Conde Thun, um grande amigo e admirador do compositor. Desafiado pelo anfitrião a dirigir um concerto no dia 4, Mozart compõe, em tão pouco tempo, esta peça para a ocasião em que, naturalmente foi estreada sob a sua direcção.

Vale a pena determo-nos um pouco na análise de cada andamento. A abrir, com um ‘Adagio. Allegro spiritoso’, Mozart escreve, pela primeira vez, uma introdução lenta numa sinfonia. Alfred Einstein, um conhecidíssimo estudioso da obra mozartiana, referia ser heróica no início e que, depois de um clima claro-escuro, nos faz passar da mais doce nostalgia à mais profunda angústia.

É verdade e, não deixemos jamais de ter em consideração, tão verdade que, de facto, esta é uma das fundamentais características de Mozart, ou seja, uma permanente polaridade que, não raro, como acontece no desenvolvimento do longo tema do ‘Allegro’, nos transporta através de enorme diversidade de climas espirituais.

O ‘Andante’, em Fá Maior, é um verdadeiro assombro no qual, da repetição do tema de siciliana – bastante longo, terno e nostálgico – se eleva do registo grave uma escala inusitada, quase um mistério, ‘piano’ e ‘staccato’. O terceiro andamento, ‘Menuetto’, é visivelmente dançante, marcado, no trio, por um diálogo estupendo entre o oboé e o fagote.

Finalmente, o ‘Presto’, vibra de alegria, de entusiasmo e de subtileza. Hão-de reparar que o terceiro tema será retomado por Mozart no segundo andamento do seu “Concerto para piano no. 27, em Si bemol Maior”, KV 595. Não é coisa rara, não só em Mozart mas também noutros compositores, revelando uma sábia gestão de ‘conteúdos’…

Não há quem não reconheça nesta sinfonia ainda a influência de Haydn mas o espírito é declaradamente mozartiano e, em geral, no território da sinfonia, a escrita contrapontística de Mozart revela requintes de originalidade sem precedentes.

Deixo-vos com uma interpretação absolutamente recomendável e de referência máxima, pela Columbia Symphony Orchestra, sob a direcção do mítico Bruno Walter.

Boa audição!
 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012




[Transcrição do artigo publicado na edição de hoje do Jornal de Sintra]

Festival de Sintra 2013

Ao contrário do que possa parecer, as considerações que pretendo propor aos leitores aparecem na altura mais certa. Olhem que não é cedo para as partilhar. Na realidade, antes do fim do ano, e, praticamente a seis meses do início da próxima edição, afigura-se-me correcto conjecturar acerca de algumas das linhas de força de um importante acontecimento que, há mais de cinquenta anos, marca o calendário cultural da nossa comunidade.

No contexto da história mais recente do Festival de Sintra, a programação para 2013 continuará a concretizar-se num quadro de sério constrangimento de ordem financeira. Naturalmente, tal circunstância não poderá deixar de afectar importantes aspectos da concepção desta iniciativa que, cumpre não esquecer, além de sofisticado produto cultural de Sintra, também ocupa destacada posição na oferta cultural nacional.

A generalizada crise que o país enfrenta tem suscitado indesejáveis consequências, tanto em relação à disponibilidade dos meios a envolver pela entidade organizadora como à dos mecenas institucionais e das grandes empresas dos sectores público e privado que, há mais ou menos tempo, patrocinam o Festival. De qualquer modo, continua a impor-se que, independentemente do aludido e tão negativo quadro restritivo, não seja posta em causa a qualidade e a dignidade das propostas constantes da programação.

Portanto, à partida, em vez de suscitar a ideia de que se pretende resolver o velho problema da quadratura do círculo, o limitativo painel de referências antes deverá desencadear respostas que articulem e conjuguem a necessidade de assegurar a permanência de uma inquestionável dignidade das iniciativas, acicatada e impulsionada por uma austeridade que só pode assumir-se como alavanca para a manutenção da sua qualidade.

Estão à prova a proverbial capacidade de adaptação, não só da Direcção Artística do Festival mas também de todos os restantes responsáveis, no sentido de que, cada vez mais e com maior acuidade, sejam apresentadas e concretizadas as propostas mais adequadas aos condicionalismos do tempo difícil que vivemos. À prova, afinal, estamos todos. Todos, de facto, nós incluídos, como público que não pode deixar de ser solicitado para atitudes de frequência e de avaliação dos eventos, também elas adequadas à natureza das propostas.

Linhas de força

Tudo leva a crer que, a exemplo de anos anteriores, ao longo de uma quinzena, incluindo dois fins de semana da estação estival mais propícia à concretização de algumas iniciativas também ao ar livre, o Festival de Sintra 2013 jamais se poderá alhear das grandes efemérides musicais do ano, o bicentenário dos nascimentos de Richard Wagner (22.05.1813-13.02.1883) e de Giuseppe Verdi (10.10.1813-27.01.1901) bem como o centenário do nascimento de Benjamin Britten (22.11.1913-4.12.1976). No entanto, é perfeitamente natural que, além de obras destes compositores, acolha outras que a programação detalhada vier a considerar pertinentes, ainda que não implícita ou explicitamente relacionáveis.

Não será necessário recorrer a capacidades divinatórias para prever que a selecção das peças daqueles três grandes mestres dos séculos dezanove e vinte há-de contemplar, necessariamente, as contingências gerais determinadas, quer pelas tradicionais características que vinculam o Festival de Sintra a um determinado figurino em que a pianística, a música de câmara instrumental e vocal são marcas indeléveis, quer pelas mencionadas restrições de ordem material.

Consequentemente, inevitável se revela que, para incluir obras de Verdi, de Wagner e de Britten, o programa deva privilegiar a componente da música de câmara e integre um considerável número de peças cuja apresentação seja possível através de reduções a piano ou a agrupamentos de câmara, já que a sua orquestração original exige meios absolutamente incomportáveis. Por outro lado, a vertente vocal, nomeadamente, árias e duetos, poderá ser confiada a vozes solistas com acompanhamento instrumental ao piano.

Ainda neste capítulo das linhas gerais, permito-me avançar com a sugestão de reintroduzir uma iniciativa que tanto sucesso alcançou no âmbito da 40ª edição, em 2005, quando a organização do Festival conseguiu a prestigiosa presença do Prof. António Damásio, que tanto público galvanizou para uma inesquecível tarde de vivência cultural em Sintra. Oxalá, mais uma vez, também no próximo ano, o Festival possa voltar a convidar alguém com perfil idêntico, a cargo de quem pudesse ser confiada uma Conferência de Abertura.

Vertente não formal e informal

A exemplo do que vem acontecendo de há uns anos a esta parte, veria como muito positiva a cada vez maior afirmação de uma vertente mais informal do festival, de acordo com a qual as propostas musicais não deixem de incluir, não só um importante pendor popular, concretizável através da presença de grupos corais e bandas filarmónicas de conhecidas associações do concelho, mas também, noutros contextos, uma preferencial articulação com a Literatura, Teatro, Cinema, Banda Desenhada e o audiovisual em geral, em atitudes de ateliê, de tertúlia, lugares para a partilha da informação, lugares de formação.

É extremamente pertinente que tudo possa ser equacionado e concretizado numa evidente perspectiva de animação cultural da comunidade, com o manifesto propósito de envolver as associações culturais do concelho cujo interesse e motivação forem detectáveis. De qualquer modo e, na estrita observância de conhecidos modelos internacionais que, infelizmente, ainda não foi possível replicar em Sintra, desta vez, com o tempo que ainda há para a respectiva preparação, talvez se consiga melhorar significativamente a vertente informal.

Aliás, no sentido de que, neste enquadramento de informalidade, tudo possa correr melhor do que em anteriores edições, basta que todas as iniciativas informais – para que, efectivamente, possam ser consideradas como «contraponto» à componente formal – se apresentem no estrito respeito das linhas de força programáticas do Festival, portanto, apenas afins e coincidentes com a comemoração das efemérides em apreço.

Considerações finais

Uma das mais-valias mais significativas e importantíssima marca identitária do Festival reside na possibilidade de realizar o maior número possível de eventos nas quintas e palácios de Sintra. Não tenho a menor dúvida de que o encanto vai manter-se com o correspondente deslumbramento. Ah, como certos espaços disponíveis são tão adequados ao acolhimento, entre outros, dos ambientes wagnerianos!...

Permita-se-me ainda mais duas notas. Primeiramente, uma particular chamada de atenção para a divulgação do Festival. A grande palavra de ordem é antecedência, a máxima antecedência possível, tentando atingir o público potencialmente interessado, em todas as oportunidades, através dos canais mais vocacionados para o efeito, não dispensando uma newsletter mensal, já a partir de Fevereiro de 2013, através da qual se vá criando a necessária expectativa em relação às propostas definitivas.

Em segundo lugar, a finalizar, uma saudação muito especial ao Dr. Luís Pereira Leal. Sem qualquer margem para dúvida, é um grande senhor das lides musicais em Portugal, que me habituei a considerar ao mais alto nível. Vão permanecer, por muitos anos, os ecos da sua actividade de direcção artística da Fundação Gulbenkian, casa de música que, a nível mundial, apresenta uma das melhores programações. A ele também deve o Festival de Sintra muitos dos sucessos de que pode orgulhar-se no seu palmarés. Para ele o maior reconhecimento, na certeza de continuarmos a beneficiar do seu saber, nestes tempos em que, não podendo convidar os galácticos que gostaria, sempre vai respeitando os pergaminhos do nosso Festival.

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 
 

 
Efeméride europeia,
valha-nos Deus!
 
[publicado no facebook em 13.12.2012]


Faz hoje cinco anos o designado TRATADO DE LISBOA. Não se lembram? “Porreiro pá!”… Ah, assim, de certeza,não vos escapa a memória daquele alvar sorriso trocado entre os dois portugueses protagonistas de tão importante (??) evento… O Tratado, que levou cinco anos a ser negociado, jamais passará de documento ilustrativo de uma das mais significativas perdas de tempo da História da Construção Europeia. Tratado caduco, morto, morto. Um horror!

Julgo tratar-se de mais uma prova provada da falta de sentido de Estado dos líderes europeus. Ao longo de tanto tempo a queimarem as pestanas nas chancelarias, acabaram por parir um nado morto mas convencidos de que tinham gerado um produto diplomático do mais alto gabarito. Não se enxergam, de facto, a falta de discernimento é máxima.

Nunca os cidadãos europeus, por sua própria vontade, estiveram tão mal servidos de decisores políticos que, real e perversamente, desempenham os seus cargos na sequência de processos eleitorais regulares, em Estados Democráticos de Pedro Direitoois, então, comemora-se hoje a efeméride de um Tratado que, ingloriamente, está afectado por este triste determinativo conotado com a nossa capital que, assim, mais triste fica.

E, a propósito de factos tão importantes (??) quanto este de triste memória, não sei até que ponto é que, mais auspiciosa será a decisão que ontem resultou de uma reunião das instâncias europeias, no sentido de se instaurar – quando convier aos alemães, lá para 2014 – um mecanismo europeu de supervisão bancária.

Ou muito me engano ou, mais uma vez, outro português, para além de Durão Barroso, vai ficar intimamente relacionado com tão douta decisão. Claro, Victor Constâncio, pois quem havia de ser senão o actual Vice-Presidente do Banco Central Europeu que, depois de tirocínio tão demonstrativo das suas capacidades de supervisor nacional, nos casos do BPN e do BPP, está mais do que credenciado para a nobre missão europeia que dele se espera… Valha-nos Deus!

Um mundo de farsantes, este, o nosso. Permitam que o lembre da melhor maneira, com música, recorrendo à cena final do "Falstaff" de Verdi. Deixo-vos com uma excelente versão. Não vão precisar de tradução.Bom visionamento! Boa audição!

http://youtu.be/49oAEKQsdgc


Facciamo il parentado
E che il ciel vi dia gioia.

Evviva!

Un coro e terminiam la scena.
Poi con Sir Falstaff, tutti,
andiamo a cena.

Tutto nel mondo é burla.
L'uom é nato burlone,
La fede in cor gli ciurla,
Gli ciurla la ragione.
Tutti gabbati! Irride
L'un l'altro ogni mortal.
Ma ride ben chi ride
La risata final.
 
 

sábado, 8 de dezembro de 2012

 
 
Mozart,
Sinfonia No. 35


Esta é a primeira das seis sinfonias que Mozart escreveria em Viena. Mas nem todas seriam escritas «para» Viena. De facto, aquela que é conhecida como a “Haffner”, Sinfonia em Ré Maior, KV. 385, foi composta a pedido do pai, para comemoração da nobilitação de Siegmund Haffner, amigo de Salzburg.

Entretanto, é indispensável ter em consideração que vários factos da maior importância tinham acontecido entre as sinfonias de Salzburg e esta que hoje nos ocupa. O compositor não só se tinha mudado para Viena na sequência do seu desaguisado com o Príncipe-Arcebispo, Conde de Collordo, mas também ocorrera a estreia de duas notáveis óperas.

“Idomeneo”, em Munique, fora tão importante que, de algum modo, redefiniria o velho figurino da designada ‘opera seria’. Por outro lado “O Rapto do Serralho” que subiria ao palco, precisamente, no mesmo mês do qual data a sinfonia em questão, Julho de 1782, estabeleceria um marco fundamental para o sucesso do ‘singspiel’ alemão.

Portanto, Mozart acabava de criar as suas duas primeiras obras-primas do canto lírico e a sua confiança com a orquestra, conquistada com estas experiências, tornar-se-ia cada vez mais patente nas obras subsequentes.

A Sinfonia “Haffner”, em Ré Maior, é uma das suas peças mais calorosas, quatro andamentos cheios de génio com um final ‘Presto’ do maior virtuosismo que o compositor indicaria dever ser tocado o mais depressa possível.

Hoje proponho que ouçam e visionem a interpretação da Orquestra do Festival de Luzern, sob a direcção de Claudio Abbado, numa gravação do Verão passado. Certamente, passa a ser uma leitura de absoluta referência.

Boa audição!

 http://youtu.be/4yCYN7WZ_0I
 



[Transcrição do artigo publicado na última edição de 30 de Novembro do 'Jornal de Sintra']

Salzburg,
Getreidegasse*, a incomparável


Na verdade, só muito dificilmente, o assunto não deixaria de surgir à boleia da matér...
ia que vos tenho trazido à consideração nas últimas edições do JS, até porque o seu exemplo foi mesmo suscitado a propósito da Heliodoro Salgado. No entanto, uma advertência inicial se me impõe ao trazer a estas páginas algumas sumárias notas sobre uma das mais conhecidas e movimentadas ruas pedonais de todo o mundo.

Pois bem, tal aviso prende-se com o facto de, pura, simples e infelizmente, não haver a mais remota possibilidade de comparação entre as pedonais de Salzburg e de Sintra. Aliás, é tão escandalosa a diferença que, acreditem, me custa imenso fazer este exercício, que poderia designar, enfim, como de aproximação, se quiserem, entre duas situações cujo semelhança é tão antitética como o ovo e o espeto... Portanto, por favor, não queiram – até porque não podem – a partir destas brevíssimas impressões, encontrar quaisquer elementos afins de hipotética analogia.

Primeiramente, é preciso ter em consideração estar a referir uma rua que faz parte de uma zona imensa, totalmente pedonal, com salvaguarda para viaturas de residentes e prioritárias. Depois de atravessar o rio Salzach, através das Makartsteg, Stadtbrücke ou Mozartweg, as mais movimentadas pontes da cidade, forçoso é atravessar a Getreidegasse para aceder à Altstadt e a todas as mais famosas jóias da cidade baixa e alta, património da humanidade.

Significa isto que os seis milhões de visitantes anuais de Salzburg passam todos pela Getreidegasse e são obrigados a fazê-lo várias vezes por dia… Em qualquer altura do ano esta rua tem um movimento de peões perfeitamente inusitado. Compram, observam as montras, entram e saem de todo o género de lojas, passeiam, escapam-se à direita e à esquerda, pelos mais curiosos acessos, em direcção às ruas paralelas, através de túneis, cheios de lojas, também parte integrante de uma vasta área comercial, altamente requintada que, na maior das informalidades, convive com todo o género de animação urbana.

Vamos lá ver se consigo transmitir-vos uma ideia aproximada do que ali acontece diariamente. Têm presente os nomes das boutiques mais caras e sofisticadas? Em Salzburg não falta nenhuma e, na Getreidegasse, está instalada a maioria. Roupas, perfumes, sapatos, malas, chapéus, peles, chocolates, bebidas, canetas, relógios, de todas as grandes marcas austríacas e internacionais, ali estão sediadas.

Além do comércio multifacetado, também é a rua onde fica a casa-museu onde Mozart nasceu – na Hagenauerhaus – e outros edifícios, carregados de centenas de anos de uma História milenar, que tanto podem ser a antiga Rathaus, uma farmácia estupenda, a casa onde nasceu ou viveu outro grande compositor, a quem a cidade também imenso deve, como Heinrich Ignaz Franz von Biber, ou ainda uma Loja Maçónica bem identificada nos símbolos em alto relevo sobre o portão. E, pasmem, continua a haver gente ali residente.

Tratando-se de uma via com tal cúmulo de características, não surpreende que seja apontada como um dos casos mais importantes, também a nível mundial, como inequívoca reserva de espaço urbano preocupadíssimo com a defesa do património e paradigma de boas práticas neste domínio. Por exemplo, sendo o ferro forjado uma das mais presentes vertentes das artes decorativas da cidade – em especial no cromatismo amplo de gamas de verde, vermelho, amarelo foncé, bordeaux, dourado e prateado – as tais grandes marcas foram obrigadas a adaptar os seus letreiros exteriores à morfologia tradicional, com o mais famoso de todos, o da cadeia MacDonald’s de restaurantes, a destacar-se mesmo ao nível de caso de estudo internacional.

Porém, como em tudo na vida, não há bela sem senão. No Verão, o movimento das pessoas é demais, é incómodo e chega a ser insuportável. Há muitos anos, considerado como um amigo da cidade onde ninguém me encara como turista, também eu aprendi com os meus amigos como evitar a travessia da Getreidegasse, sem perdas de tempo, com voltas escusadas. É paradoxal, mas acontece, haver truques, expedientes, para não sofrer a agressões. Agressões de quê? Pois, de tantos… peões!

Num dos meus anteriores artigos, é verdade, chamei o exemplo da Getreidegasse à colação. Fi-lo, de facto, apenas com a intenção de sublinhar que, há muitos anos, o seu encerramento ao trânsito foi a coisa mais natural, pacífica e barata, nada tendo custado aos cidadãos uma vez que não sofreu a mínima mudança. Repito que, de modo algum, era meu propósito propiciar, insinuar ou, muito menos, promover qualquer comparação. Será que, perante a evidência do meu testemunho, poderei rematar com o clássico QED? Oxalá!

*Getreidegasse é um topónimo que nos remete para ‘Getreide’ = cereal e ‘Gasse’ = travessa, viela.



 
 
Mozart,
Sinfonia No. 34


Nesta sua KV 338, datada de 29 de Agosto de 1780, Mozart adequa-se ao modelo característico das festivas sinfonias austríacas em Dó Maior, recorrendo a uma orquestra de maiores dimensões do que a das obras imediatamente anteriores já abordadas – ao fim e ao cabo, por analogia com a designada ‘Sinfonia Paris’ de 1778 – com 2 oboes, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, timbales e cordas.

O ‘Allegro vivace’ inicial coincide com a forma da sinfonia precedente, KV. 319, em Si bemol Maior, ainda que se tenha desvanecido a tentativa de colagem ao estilo francês. De facto, em vez disso, deparamos com um ambiente enérgico com mudanças constantes de Dó Maior para Mi menor ou Lá bemol Maior.

O andamento seguinte ‘Andante di molto più tosto allegretto’ apenas se sustenta nos fagotes como solução para os sopros solistas, terminando, já em ‘Presto’, numa expressão de grande espírito.

No derradeiro ‘Allegro vivace’ evidenciam-se as secções que adivinhamos terem sido particularmente destinadas aos virtuosísticos sopros vienenses.

Jaap Ter Linden dirige a Mozart Akademie Amsterdam.

Boa audição!
 
 
 
Mozart,
Sinfonia No. 33


Continuando a aceder à obra sinfónica de Mozart, aí temos já a sua trigésima terceira, a Sinfonia em Si bemol Maior KV. 319, datada de 9 de Julho de 1779, escrita ao passar por Salzburg, durante a sua viagem de regresso de Paris para Viena.

O plano inicial apontava para um peça em três andamentos mas, mais tarde, quando já estava em trabalho de revisão (juntamente com a sinfonia subsequente, em Dó Maior, KV 338) Mozart decidiu acrescentar um Minuetto/Trio. Deste modo, obras sinfónicas de características italianizantes, inscreviam-se no novo figurino, ao estilo vienense.

Com uma orquestração muito simples, compreendendo oboés, trompas, fagotes e cordas, o primeiro andamento, ‘Allegro assai’ evidencia traços de um futuro Beethoven, não deixando de ser interessante considerar que este compositor aproveitaria esta atmosfera de abertura da KV 319 como ponto de partida para a sua Sinfonia No. 8.

A continuação da análise muito sumária, remete-nos para o ‘Andante moderato’ seguinte, em Mi bemol, representando um momento de pacífica contenção, com uma recapitulação que evidencia os seus temas principais numa ordem inversa. O ‘Minuetto’ mais tarde acrescentado, lembra-nos influências de Haydn, enquanto que o ‘Allegro assai’ final é muito espirituoso e de refinado humor.

Continuo confiado à interpretação da Mozart AKademie Amsterdam e à direcção de Jaap Ter Linden.

Boa audição!