Credível e previsível
[A Câmara Municipal de Sintra tem anunciado o seu envolvimento e empenho nalguns projectos que, poucos meses decorridos, se vê na incómoda posição de 'esquecer', descartar ou protelar. Naturalmente, se os trago à colação, faço-o tão só com o propósito, que sempre me tem animado, ao longo de tantos anos, de denúncia cívica afim de contributo para a sua resolução.
Tais são os casos do Centro de Saúde na Desidério Cambournac, da recuperação e restauro do Hotel Netto, da ponte metálica pedonal entre a Estefânea e a Portela, da requalificação da Heliodoro Salgado, do Quarteirão das Artes, do prolongamento da linha do eléctrico à estação terminal da CP e Vila Velha, do Casal de São Domingos, do Vale da Raposa, das fontes da Estrada Velha de Colares, referidos no artigo publicado na edição do passado dia 13 de Fevereiro do 'Jornal de Sintra', que passo a transcrever.
Trata-se de situações que, óbvia e escusadamente, minam a credibilidade do executivo autárquico. Com mais cuidado, teria sido e será possível não cair na tentação de anunciar, 'de impulso', algumas obras que, por estarem pendentes há dezenas de anos, os munícipes sentem como incómodas evidências e declarados sintomas de uma incapacidade geracional com a qual convivem muito mal.
Por outro lado, transcorrido que já é um terço do mandato do actual executivo, é tempo de os pensamentos serem o mais lúcidos possível, mais adequadas as palavras e, quanto às obras, pelo menos, esperar o começo da sua concretização. Ou seja, tudo fazer no sentido de que prevaleçam factores determinantes afins de uma actuação marcada pela credibilidade e previsibilidade, factores que me determinaram o título da peça cuja partilha vos proponho.]
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Credível e previsível
Quando um executivo autárquico anuncia determinados projectos, mesmo sem se comprometer com um específico cronograma, deve usar do maior cuidado para não suscitar nos cidadãos fundadas reservas quanto à sua viabilidade e concretização, dentro de prazos mais ou menos consentâneos com as mais justas expectativas. Convém lembrar que alguns daqueles projectos surgem na sequência de infelizes pendentes à pele dos quais se colou o estigma da perpetuidade mais indesejada…
Ora bem, remontando a Outubro de 2013 a tomada de posse do actual executivo autárquico, a verdade é que, cerca de ano e meio depois, persistem situações em relação às quais alguns Senhores Vereadores e também o próprio Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra, anunciaram iniciativas que não tiveram desenvolvimento notório, algumas das quais até acabaram por obrigar os seus autores à sempre desagradável emenda da mão.
Centro de Saúde inviável
Sem preocupação do escrupuloso respeito pela ordem cronológica das ocorrências, primeiramente, lembraria o caso do Centro de Saúde de Sintra. Foi anunciado que sairia das precárias instalações actuais, na Rua Dr. Alfredo da Costa, para ocupar o edifício sito na Av. Dr. Desidério Camburnac, cujo destinatário inicial seria a Junta de Freguesia.
Como é do conhecimento geral, há bastantes anos, a construção foi interrompida na sequência da falência do empreiteiro. Enfim, ali permanece, chaga inestética e pouco recomendável às sensibilidades mais fragilizadas, qual caixote e cinzentão paralelepípedo de betão, quotidiana agressão e, seja ela de quem for, a incompetência gritada de quem não resolve ou não deixa resolver o problema.
Como não podia deixar de ser, saudei a notícia da mudança de instalações e, através dos meios de comunicação em que habitualmente me manifesto, dei largas à natural satisfação. Pois, cerca de um ano mais tarde, por altura da Presidência Aberta de 7 de Novembro de 2014, soube-se que o Ministério da Saúde inviabilizara a intenção, por manifesta falta de condições do edifício em questão.
Cabe perguntar porque razão, antes de fazer o anúncio, não houve a prudência de colher a informação absolutamente indispensável que pudesse sustentar a viabilização ou demonstrar a incompatibilidade do propósito em apreço.
Netto, oportunidade desperdiçada
No badaladíssimo caso do Netto também algo de semelhante se passou. Tendo decidido exercer o direito de preferência, a Câmara Municipal de Sintra decidiu-se pela compra do hotel, assim impedindo que a Parques de Sintra Monte da Lua concretizasse o projecto de recuperação do edifício, praticamente adjacente ao Palácio Nacional da Vila de Sintra, monumento este cuja gestão e administração lhe estão afectas.
Tudo estava programado em relação à intervenção naquela unidade hoteleira abandonada e, há dezenas de anos, em processo de permanente degradação. Factor determinante para a concretização do projecto, o seu financiamento estava totalmente garantido por instituições de crédito, ao corrente do alto nível de capacidade da PSML em obras que tais.
Naturalmente, a Câmara Municipal de Sintra estava no seu pleno direito. Contudo, muito mal se entende que, passado cerca de um ano sobre a data de tal anúncio, o Senhor Presidente tivesse vindo a público, perplexo, em sede de Assembleia Municipal, afirmar que ‘o Património’ o obrigava a manter a fachada do Netto e que, só tal operação, implicava no dispêndio de montante incomportável para os cofres da Câmara…
Então, compreende-se que, em nome dos munícipes, habituados à eficiência e impecabilidade de actuação da PSML, a CMS tivesse decidido nos termos anunciados sem cuidar de se munir da informação bastante – e, neste aspecto reside a analogia com a situação do Centro de Saúde – que a habilitasse para o efeito?
Ou seja, em 6 de Novembro de 2013, quando anunciou o imediato envolvimento da empresa no projecto, o Prof. António Ressano Garcia Lamas, então Presidente da PSML sabia tudo e, inclusive, que a fachada do Netto era para manter, que tal determinação ‘do Património’ era condição sine qua non para a sua efectivação e, pois claro, em quanto é que isso montava…
Respondendo à questão formulada no penúltimo parágrafo, de modo algum se compreende, até porque, pelo menos um ano de atraso já lá vai. Foi uma oportunidade desperdiçada. Seria suposto, isso sim, o Senhor Presidente da Câmara estivesse tecnicamente bem aconselhado, já que não pode, não tem de saber tudo. E implícita e explicitamente, para que, a posteriori, não se visse obrigado a assumir uma falta que não deveria ter ocorrido, é que adjuntos e assessores deveriam ajudá-lo a defender-se.
Ponte pedonal
Devido à insistência com que o tenho feito, até corro o risco de ser mal entendido. De qualquer modo, prefiro que assim aconteça, portanto, por excesso, do que não manter em permanente ordem do dia, o caso da reposição da ponte metálica pedonal que permite a circulação expedita de transeuntes entre os bairros da Estefânea e da Portela.
Repetidas vezes anunciada pelo Senhor Vereador com o pelouro da Mobilidade Urbana – que, perante testemunhas insuspeitas, chegou ao ponto de usar a expressão doa a quem doer!, porque está em causa o interesse geral dos cidadãos contra o de partculares – tal operação, afinal, continua por concretizar apesar da incontestável urgência.
De acordo com os termos em que me tenho referido à falta deste equipamento, volto a lembrar que, uma vez reposto, permitirá que o parque de estacionamento adjacente ao edifício do Departamento do Urbanismo seja indicado, tanto pela CMS como pelas autoridades policiais, como inequívoco preferencial para os condutores das viaturas que demandam o Centro Cultural Olga Cadaval aquando da realização de eventos nocturnos, altura em que aquele espaço está totalmente deserto e disponível…
Porque assim não acontece, vem a propósito contar que, na noite da passada sexta-feira, 6 de Fevereiro, nova cena de terceiro mundo esteve armada nas imediações do CCOC. Cerca da meia noite e um quarto, não conseguindo circular, os condutores buzinavam insistentemente e insultavam-se com todos os efes e erres. Polícia? Nem vê-la! O que será preciso mais fazer para que, contra o escândalo actual, em nome do sossego e da civilidade a que os munícipes têm direito, a CMS se disponha a fazer intervir a autoridade policial?
Outros casos
Faz um ano, no próximo dia 28 deste mês, que, na sequência da publicação de um artigo no Jornal de Sintra, subordinado ao título “Defesa do Património, coerência de propósitos”, o Senhor Presidente da Câmara teve a gentileza de me contactar pessoalmente para garantir que, imediatamente, iria dar instruções no sentido de remediar as situações que eu tinha denunciado, certo é que nada estruturantes mas sintomáticas de um statu quo.
Referira-me ao estado lastimoso em que se encontrava algum do património edificado e classificado da Estrada Velha de Colares, casos Chafariz d’El Rei e a Fonte dos Ladrões, bem como o Casal de São Domingos, na Rua Dr. Alfredo da Costa e o vizinho Vale da Raposa. Se não tive a menor dúvida em confiar na sinceridade dos propósitos do Senhor Presidente, na verdade, um ano passado sobre a publicação do artigo e conversa pessoal subsequente, que tão positivamente me tinha impressionado, tudo permanece inalterado…
Ou, melhor, foi beneficiado o aspecto geral da Fonte dos Ladrões, porque, aproveitando o facto de ter feito uma obra do outro lado da via, o Conde Filipe Schönborn deu instruções ao empreiteiro para rebocar os muros e limpar o pavimento à volta… Portanto, o bónus de uma intervenção particular. Mais nada!
Também no dia dia 13 do próximo mês de Março, terá passado um ano sobre a data em que foi anunciado o Quarteirão das Artes, uma proposta para a Estefânea. Entretanto, como mais nada se soube acerca de tal projecto, não é possível perceber em que medida ele se insere na requalificação da Heliodoro Salgado, em ambas as partes, viária e pedonal, e se esta requalificação vai mesmo acontecer e quando.
Aliás, em articulação com esta incógnita, uma outra faz o dilema. Foi anunciada a intenção – e não há quem não aplauda! – de prolongar a linha do eléctrico, em primeira fase, desde a Vila Alda até à estação terminal da CP e, depois, como antigamente, chegando à Vila Velha. Assim sendo, importa perceber se, efectiva e necessariamente, as obras indispensáveis à sua passagem pela Heliodoro Salgado, já serão contempladas durante a próxima intervenção para requalificação da via. Como facilmente se compreende, não faria qualquer sentido intervir agora, sem contemplar esta vertente tão importante da questão para que, mais tarde, se destruísse o benefício em apreço…
As dúvidas são mais que muitas. E o tempo passa, corre inexoravelmente. Ainda noutro dia foram as eleições e, já passado um terço do mandato, estamos com uma série de promessas de problemático cumprimento. Também por isto, prevejo muito complicada a actuação das associações cívicas e culturais que, na autarquia, seria suposto encontrarem uma entidade credível e previsível. Por vezes, tenho de lamentar que tal não aconteça. De qualquer modo, apesar de muita dúvida, ainda o benefício da dúvida porque permanece o conforto da esperança.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]