Café Saudade
Trapos com Vida
- alquimia de uma Arte
Em pleno coração de Sintra, a poucos metros da estação da CP e dos Paços do Concelho, o Café Saudade – que, em tão pouco tempo, adquiriu justo e merecido estatuto de interessante pólo cultural – vai acolher e inaugurar, no próximo dia 2 de Março, uma exposição de Ana D’ Oliveira à qual a própria artista atribuiu a designação Trapos com Vida.
- alquimia de uma Arte
Em pleno coração de Sintra, a poucos metros da estação da CP e dos Paços do Concelho, o Café Saudade – que, em tão pouco tempo, adquiriu justo e merecido estatuto de interessante pólo cultural – vai acolher e inaugurar, no próximo dia 2 de Março, uma exposição de Ana D’ Oliveira à qual a própria artista atribuiu a designação Trapos com Vida.
Os meus leitores mais fiéis hão-de lembrar-se que, estava e estaria eu ainda em Salzburg, quando fui desassossegado pelo anúncio desta iniciativa cultural. Quase a três mil quilómetros de distância, não tive qualquer hesitação em divulgar aquela que, mesmo a nível nacional, me parece poder constituir um dos primeiros manifestos públicos de Textile Art & Mixed Media.
É um conceito que vem ganhando um lugar cada vez mais cativante e destacado nas propostas das galerias mais atentas aos avanços de certas vertentes das Artes Plásticas. No caso da Textile Art, ela vai-se servindo de suportes de aplicação tão habituais ou mais inusitados quanto o ditar o engenho e a arte de quem se propõe desafiar-nos com peças que, no caso de Ana D’Oliveira, adivinho sejam tão interessantes como as que me surpreenderam numa sua exposição, em St Helier, na ilha de Jersey.
É daquela ilha do Canal da Mancha que conheço a sua originalidade. Depois de ter passado muitos anos no Reino Unido, não perderam os seus trabalhos os acentuados laivos da nossa meridional e proverbial nostalgia, contudo, ganhando os seus rostos uma altivez sofisticada e muito british. Preparem-se para as sedas, de Veneza e da Córsega, para os acetinados, brocados e arrendados e outras texturas metamorfoseadas que preguearam, mirraram ou expandiram, depois de passarem por tormentos de muitos graus de temperatura aplicada por mão de iniciada alquimista.
Se me dou a esta tentativa de descrição que, em boa verdade, ninguém me encomendou, claro que não é na mira de ser contemplado com descontos no valor de alguma peça que me venha a interessar… Faço-o, isso sim, por respeito à específica linguagem de uma Arte que, em Portugal, ainda não foi objecto da devida e merecida destrinça.
Estou em crer que, à minha modesta medida, poderei alertar no sentido de que nada disto se confunda com qualquer linguagem de artesanato urbano – e, atenção, muito menos, com qualquer relação com trapos desqualificados ou menos dignos e nobres, interpretação para a qual uma leitura menos conveniente do título da exposição poderia remeter – que, cumpre esclarecer, tem o seu lugar noutra plataforma.
Ocorre-me cruzar estas palavras com o «produto têxtil» de episódios de outras Artes. Lembram-se de Penélope, que tecia de dia e desmanchava durante a noite? E de Alberich, na terceira cena de O Ouro do Reno, explicando como o Tarnhelm, o elmo dourado, carregado de feitiço, era capaz de transformar alguém num sapo irremediavelmente capturável na mais propícia armadilha? Ou no tecido diáfano, etéreo, sensual dos véus de uma perturbada Salomé… Enfim, talvez Ana D’Oliveira queira aproveitar alguma destas sugestões musicais para enquadramento áudio…
Trapos com Vida é inaugurada, repito, no dia 2 de Março. Espero que, além do sucesso que Ana D’ Oliveira merece seja reconhecido, lá nos possamos encontrar. Provavelmente, será de queijada na mão e, oxalá, também com algum precioso líquido regional condicente… Ah, é verdade, a propósito de água – o quê, julgavam que estava a candidatar-me a um copo de Collares? – ah como eu também espero, e tanto peço a São Pedro, que chova, que chova muito, sem parar! Tão bom seria ter a festa regada!