Seteais,
espaço nosso de cada dia
(conclusão)
Estou em crer que, se a PSML encarasse esta mesma ou congénere hipótese de trabalho, daria um sinal evidente de que o terreiro de Seteais é um espaço da comunidade, de pleno acesso à beleza, à informação e à cultura, local onde cumpre garantir a possibilidade de uma leitura clara, abrangente, global e dinâmica, em articulação com a sua envolvente paisagística, ou seja, do património que tanto nos move e nos comove.
Finalmente, importa ter presente que a concessão de Seteais nem tudo concede… Aliás, não podia fazê-lo. Seteais, herança nossa, propriedade virtual, joga com a própria dignidade de cada um, enquanto herdeiro de tal bem, e com um conjunto de valores perenes, imateriais, não transaccionáveis. Claro que, ao contrário do que recentemente tem acontecido, com estas coisas, convém não brincar…
PS:
No local onde existiu um ingénuo tanque, continua e deve estar a acabar a inqualificável obra de construção, em betão, de um depósito de água que, há uns meses, tanto preocupou o Conselho de Administração da PSML, ao prever o incómodo que enfrentaria quando a concessão de Seteais fosse protocolada.
Agora, uma vez que tal já aconteceu, estamos todos na expectativa de saber o que temos direito. Para já, tanto quanto é possível prever, a partir dos actuais indícios, está em curso uma operação de cosmética, coroando o despautério com um espelho de água. Até já vos tinha dado conta disto que, diariamente, confirmo quando por ali passo.
[sempre de acordo com a antiga ortografia]
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Seteais,
espaço nosso de cada dia
No fim da semana passada, remeti um conjunto de considerações ao Professor Engº António Ressano Garcia Lamas, Presidente do Conselho de Administração da Parques de Sintra Monte da Lua que, desta feita, me permito vir partilhar com os leitores preocupados com as notícias referentes a um espaço que nos é tão caro como o de Seteais.
Acontece que, nos termos do protocolo celebrado no passado dia 21 de Agosto, a concessão de Seteais passou para o pleno domínio da PSML, empresa cuja actuação, a favor dos gerais interesses de Sintra e, em particular, dos monumentos e parques que lhe estão afectos, tem merecido os maiores encómios por parte dos mais diferentes agentes, enquadrados nos mais diversos sectores de actividade pública e privada.
Pois, precisamente, com base no crédito que a empresa tem vindo a conquistar, creio que o protocolo poderá ser encarado como notícia de sinal muito positivo, a partir do qual poderemos colocar uma saudável esperança, relativamente à possibilidade de que seja introduzida alguma mudança num statu quo algo lesivo do usufruto da parte da propriedade cujo acesso público, para todos os efeitos, tem prevalecido há mais de duzentos anos.
O último episódio de encerramento intempestivo do terreiro, por parte do actual concessionário, ainda mais argumento acrescenta à causa que considero defensável nos termos que me permito adiantar. Para tal, indispensável se revela ter em consideração que, na realidade, o Património Nacional jamais promoveu qualquer tipo de atitude afim da inequívoca afirmação do acesso público daquela propriedade. De facto, e não de jure, o regime de entrada franca no local tem vigorado consuetudinariamente. Não sendo jurista nem dispondo de informação jurídica pertinente, desconheço se haverá vantagem na alteração do actual enquadramento. Provavelmente não.
Nosso, como?
Então, que tipo de alteração será de encarar? A única que se me afigura plausível e atinente com a própria vocação do local, relaciona-se com a celebração das Artes e das Ciências que mais lhe estão afectas. Com um pouco mais de detalhe, poderia avançar para a ideia de seleccionar um conjunto de documentos cuja temática geral se articule com o perfil do local, por exemplo, nos domínios da Literatura, das Artes Plásticas, da Música, da História e que, obedecendo a uma interdependência, coerência e lógica irrefutáveis, pudessem ser apresentados, nos termos do que é comum fazer-se em lugares congéneres.
Ocorre-me a possibilidade de solicitar o concurso de personalidades que, há tantos anos, têm estado tão presentes e ligadas ao próprio imaginário de Sintra, como Maria Germana Tânger, Maria Almira Medina ou Maria de Jesus Barroso Soares, cuja proverbial disponibilidade, bem conhecido e entranhado amor a esta terra possa constituir uma evidente mais-valia para a proposta de animação e de interpretação do património que Seteais constitui.
A título de mero exemplo, seria de pensar na leitura gravada de textos criteriosamente seleccionados – entre outros, o da maravilhosa descrição de Eça de Queirós, em Os Maias, do avistamento da Pena, por quem desce do belveder e se aproxima do arco, espraiando-se o terreiro, dramaticamente, até que o olhar se perde no cimo da serra e nas cúpulas douradas do palácio – recorrendo a fundos musicais esteticamente afins.
Seteais faz parte da História de Portugal e de Sintra. Sabem-no os professores que, todos os anos demandam o local acompanhando milhares de crianças e de jovens que, infelizmente, por falta de condições, nem sempre colhem o benefício que todos gostaríamos pudesse acontecer. Sabem-no, igualmente, os muitos visitantes nacionais e estrangeiros que se detêm um pouco mais de tempo nesta terra, não dispensando a passagem pelo lugar de privilégio.
Afirmar a propriedade
Ora bem, com o intuito de colmatar esta falha e, em simultâneo, suprir a informação que se revela necessário partilhar, provavelmente, seria possível montar uma expedita e leve estrutura, num estratégico recanto do terreiro, que não colidisse com o espírito do lugar, onde os visitantes recolhessem os dispositivos de guia individual, com gravação de textos nas línguas mais conhecidas, para se poderem dirigir aos pontos de interesse devidamente numerados e identificados.
(continua)
terça-feira, 23 de setembro de 2008
O Imperador da Atlântida
(conclusão)
Sintra, a propósito
Então e Sintra? O que tem Sintra a dizer acerca disto? Sintra até nem teria de ficar envergonhada perante este autêntico florilégio de sucesso cultural de Almada. Quem não tiver memória curta recordará que, no Verão de 2005, por ocasião da inauguração da exposição do espólio do pintor judeu alemão Erich Kahn, a Dra Maria Nobre Franco, então directora do Museu de Arte Moderna de Sintra-Colecção Berardo, promoveu um recital de peças musicais da autoria de compositores perseguidos pelo nazismo alemão, por exemplo, Gideon Klein, Ullmann, Schulhoff, cuja obra foi considerada degenerada.
Pois é. A Dra Maria Nobre Franco, como sabem, é uma grande senhora a quem a Cultura em Portugal muito deve, sabe do seu métier, enfim, não é uma qualquer anónima pendurada no cartãozinho, como esses que, aí pelo burgo, vão ocupando os lugares de direcção das casas de Cultura, que deviam dar competentes sinais mas não cumprem capazmente as suas obrigações de produtoras de artefactos. Todavia, tendo feito o que considerou estar ao seu alcance, não conseguiu que, na altura, a Câmara Municipal de Sintra, institucional parceira no referido museu, promovesse o recital através dos meios habituais. E, assim sendo, estavam aí umas trinta pessoas ocupando o grande auditório do Centro Cultural Olga Cadaval. Cuja lotação é de cerca de mil lugares…
Ao contrário da Câmara Municipal de Almada, empenhada na coisa cultural – não perdendo oportunidade, como esta com o Ginásio Ópera, transformando um acontecimento cultural concelhio num caso que teve ecos nacionais – Sintra está bastante doente e não revela melhoras. Querem outro exemplo? Disseram-me que, na tarde do passado domingo, lamentavelmente, a récita da ópera Bastien e Bastienne, de W.A. Mozart, esteve longe de esgotar os pouco mais de duzentos e cinquenta lugares do pequeno auditório. Elucidativo? Bem, para além de lamentável, consegue ser deprimente…
Tenho a impressão que seria caso para propor aos responsáveis, a promoção de um protocolo envolvendo a possibilidade de estágios do pessoal sintrense nos serviços culturais da Câmara Municipal de Almada…
(conclusão)
Sintra, a propósito
Então e Sintra? O que tem Sintra a dizer acerca disto? Sintra até nem teria de ficar envergonhada perante este autêntico florilégio de sucesso cultural de Almada. Quem não tiver memória curta recordará que, no Verão de 2005, por ocasião da inauguração da exposição do espólio do pintor judeu alemão Erich Kahn, a Dra Maria Nobre Franco, então directora do Museu de Arte Moderna de Sintra-Colecção Berardo, promoveu um recital de peças musicais da autoria de compositores perseguidos pelo nazismo alemão, por exemplo, Gideon Klein, Ullmann, Schulhoff, cuja obra foi considerada degenerada.
Pois é. A Dra Maria Nobre Franco, como sabem, é uma grande senhora a quem a Cultura em Portugal muito deve, sabe do seu métier, enfim, não é uma qualquer anónima pendurada no cartãozinho, como esses que, aí pelo burgo, vão ocupando os lugares de direcção das casas de Cultura, que deviam dar competentes sinais mas não cumprem capazmente as suas obrigações de produtoras de artefactos. Todavia, tendo feito o que considerou estar ao seu alcance, não conseguiu que, na altura, a Câmara Municipal de Sintra, institucional parceira no referido museu, promovesse o recital através dos meios habituais. E, assim sendo, estavam aí umas trinta pessoas ocupando o grande auditório do Centro Cultural Olga Cadaval. Cuja lotação é de cerca de mil lugares…
Ao contrário da Câmara Municipal de Almada, empenhada na coisa cultural – não perdendo oportunidade, como esta com o Ginásio Ópera, transformando um acontecimento cultural concelhio num caso que teve ecos nacionais – Sintra está bastante doente e não revela melhoras. Querem outro exemplo? Disseram-me que, na tarde do passado domingo, lamentavelmente, a récita da ópera Bastien e Bastienne, de W.A. Mozart, esteve longe de esgotar os pouco mais de duzentos e cinquenta lugares do pequeno auditório. Elucidativo? Bem, para além de lamentável, consegue ser deprimente…
Tenho a impressão que seria caso para propor aos responsáveis, a promoção de um protocolo envolvendo a possibilidade de estágios do pessoal sintrense nos serviços culturais da Câmara Municipal de Almada…
sábado, 20 de setembro de 2008
O Imperador da Atlântida
(cont.)
Os fios da teia
Desde as primeiras notas – sol, ré bemol, mi bemol, la – que há história para contar. Tocadas em solo de trompete, são sons arrancados à célebre sinfonia Asrael, que Josef Suk compôs imediatamente após a morte de sua mulher, filha de Anton Dvorák. A partir de então passou a ser frequentemente interpretada, por altura da morte de alguma importante personalidade checa. Nesta ópera, aquelas quatro notas constituem o tema da Morte.
Temos o Arauto-Altifalante, que anuncia o título da ópera, as personagens e o tema: desgostosa, a Morte inicia uma greve não autorizando que alguém morra. Entretanto, o Arlequim, profundamente desiludido, não pode continuar a fazer rir seja quem for e deseja morrer. A Morte recorda os bons velhos tempos em que a guerra era espectacular, coisa bem diferente das legiões auto transportadas da actualidade. Em nome do Imperador da Atlântida, o Tambor proclama a guerra universal, numa ária cuja introdução é uma paródia ao Deutschland über alles, em tom menor.
E, muito rapidamente, tudo se desenvolve com uma enorme economia de meios e em ambiente de grande contenção. Assiste-se ao desespero do Imperador perante a impossibilidade da morte de quem quer que fosse, mas continuando a conduzir as operações a partir do palácio, sempre ao telefone, cena esta antecedida pelo intermezzo em ritmo de ländler, lembrando o passado vienense do compositor.
Durante a batalha, face a face, estão um Soldado e uma Rapariga que, apesar de inimigos, não conseguindo matar-se um ao outro, acabam por se apaixona. Embora muito se esforce, o Tambor não motiva o Soldado para a guerra. Outro intermezzo, agora lento e fúnebre, conduz-nos ao encontro do Imperador que, ao verificar não lhe devolver o espelho a sua mas, isso sim, a imagem da própria Morte, cede à proposta desta, que estaria disposta e pronta a cumprir o que dela se esperava na condição de ser ele a primeira vítima.
À guisa de avaliação
Estava cheio o auditório ao ar livre montado no adro da capela do Convento dos Capuchos. Toda a gente percebeu que, nesta co-produção, o Ginásio Ópera não poderia ter encontrado melhor interlocutor e parceiro que a Câmara Municipal de Almada para a impecável concretização do projecto. Mais um excelente crédito para o município, cuja actividade cultural é perfeitamente exemplar, bem se destacando em relação à indigência geral.
Este evento foi concebido e acolhido no âmbito das comemorações dos 450 anos do Convento, um dos mais importantes edifícios históricos de Almada e, inequivocamente, verdadeiro ex-libris do concelho. Aliás, durante a récita, atestando quanto a iniciativa fora do interesse do município, esteve presente a Presidente do executivo autárquico, Dra. Maria Emília Neto de Sousa, cuja actuação no domínio da Educação e da Cultura, tem sido positivamente saudada por observadores de todos os quadrantes.
Na realidade, estão de parabéns. Tudo impecavelmente organizado. Havia tradução simultânea, a partir do texto original alemão, da qual se encarregou João Maria de Freitas Branco, professor, filósofo, verdadeiro polivalente, já que, para além de Presidente do Ginásio Ópera, também se responsabilizou pela encenação e concepção cénica, evidenciando momentos muito bem conseguidos, através de uma criteriosa e original selecção de imagens, muito bem articuladas com a acção, numa cabal demonstração da correcção e profundidade da sua leitura.
A direcção musical, de Jean Sebastien Bereau, revelou-se eficaz e escorreita. Quanto à interpretação, a cargo do baixo João Oliveira, no Arauto, dos barítonos Luís Rodrigues e Pedro Correia, respectivamente, no Imperador e na Morte, de Madalena Boleo, meio soprano, no Tambor, Teresa Cardoso Menezes, soprano, a Rapariga e Mário João Alves, tenor, assegurando as personagens do Arlequim e do Soldado, esteve perfeitamente à altura das características e exigências da obra. E de sinal positivo também a intervenção do corpo de baile da Associação Gestos.
Por fim, realizou-se um colóquio orientado pela última detentora do Prémio Pessoa, Irene Pimentel e, igualmente, por João Maria de Freitas Branco onde houve oportunidade de expressar quanto a específica temática do holocausto continua presente, forte e sempre dinamizadora, não só de participação cívica, mas também em todos os domínios afectos ao debate académico, científico e artístico.
(continua)
(cont.)
Os fios da teia
Desde as primeiras notas – sol, ré bemol, mi bemol, la – que há história para contar. Tocadas em solo de trompete, são sons arrancados à célebre sinfonia Asrael, que Josef Suk compôs imediatamente após a morte de sua mulher, filha de Anton Dvorák. A partir de então passou a ser frequentemente interpretada, por altura da morte de alguma importante personalidade checa. Nesta ópera, aquelas quatro notas constituem o tema da Morte.
Temos o Arauto-Altifalante, que anuncia o título da ópera, as personagens e o tema: desgostosa, a Morte inicia uma greve não autorizando que alguém morra. Entretanto, o Arlequim, profundamente desiludido, não pode continuar a fazer rir seja quem for e deseja morrer. A Morte recorda os bons velhos tempos em que a guerra era espectacular, coisa bem diferente das legiões auto transportadas da actualidade. Em nome do Imperador da Atlântida, o Tambor proclama a guerra universal, numa ária cuja introdução é uma paródia ao Deutschland über alles, em tom menor.
E, muito rapidamente, tudo se desenvolve com uma enorme economia de meios e em ambiente de grande contenção. Assiste-se ao desespero do Imperador perante a impossibilidade da morte de quem quer que fosse, mas continuando a conduzir as operações a partir do palácio, sempre ao telefone, cena esta antecedida pelo intermezzo em ritmo de ländler, lembrando o passado vienense do compositor.
Durante a batalha, face a face, estão um Soldado e uma Rapariga que, apesar de inimigos, não conseguindo matar-se um ao outro, acabam por se apaixona. Embora muito se esforce, o Tambor não motiva o Soldado para a guerra. Outro intermezzo, agora lento e fúnebre, conduz-nos ao encontro do Imperador que, ao verificar não lhe devolver o espelho a sua mas, isso sim, a imagem da própria Morte, cede à proposta desta, que estaria disposta e pronta a cumprir o que dela se esperava na condição de ser ele a primeira vítima.
À guisa de avaliação
Estava cheio o auditório ao ar livre montado no adro da capela do Convento dos Capuchos. Toda a gente percebeu que, nesta co-produção, o Ginásio Ópera não poderia ter encontrado melhor interlocutor e parceiro que a Câmara Municipal de Almada para a impecável concretização do projecto. Mais um excelente crédito para o município, cuja actividade cultural é perfeitamente exemplar, bem se destacando em relação à indigência geral.
Este evento foi concebido e acolhido no âmbito das comemorações dos 450 anos do Convento, um dos mais importantes edifícios históricos de Almada e, inequivocamente, verdadeiro ex-libris do concelho. Aliás, durante a récita, atestando quanto a iniciativa fora do interesse do município, esteve presente a Presidente do executivo autárquico, Dra. Maria Emília Neto de Sousa, cuja actuação no domínio da Educação e da Cultura, tem sido positivamente saudada por observadores de todos os quadrantes.
Na realidade, estão de parabéns. Tudo impecavelmente organizado. Havia tradução simultânea, a partir do texto original alemão, da qual se encarregou João Maria de Freitas Branco, professor, filósofo, verdadeiro polivalente, já que, para além de Presidente do Ginásio Ópera, também se responsabilizou pela encenação e concepção cénica, evidenciando momentos muito bem conseguidos, através de uma criteriosa e original selecção de imagens, muito bem articuladas com a acção, numa cabal demonstração da correcção e profundidade da sua leitura.
A direcção musical, de Jean Sebastien Bereau, revelou-se eficaz e escorreita. Quanto à interpretação, a cargo do baixo João Oliveira, no Arauto, dos barítonos Luís Rodrigues e Pedro Correia, respectivamente, no Imperador e na Morte, de Madalena Boleo, meio soprano, no Tambor, Teresa Cardoso Menezes, soprano, a Rapariga e Mário João Alves, tenor, assegurando as personagens do Arlequim e do Soldado, esteve perfeitamente à altura das características e exigências da obra. E de sinal positivo também a intervenção do corpo de baile da Associação Gestos.
Por fim, realizou-se um colóquio orientado pela última detentora do Prémio Pessoa, Irene Pimentel e, igualmente, por João Maria de Freitas Branco onde houve oportunidade de expressar quanto a específica temática do holocausto continua presente, forte e sempre dinamizadora, não só de participação cívica, mas também em todos os domínios afectos ao debate académico, científico e artístico.
(continua)
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
O Imperador da Atlântida
De vez em quando e sempre que, em determinados lugares, a conjuntura foi propícia, o Homem deixou-se enredar no novelo de contradições que teceu para evidenciar aquilo que de pior o seu génio é capaz. Ainda hoje, apesar de tanto tempo já passado, depois de tantos estudos, artigos e ensaios publicados, continua a causar a maior perplexidade o que, apenas há umas décadas, aconteceu em pleno centro civilizado e sofisticado deste velho continente.
Entretanto – valha-nos isso – a verdade é que, após todo o horror que a besta humana concebeu, montou e produziu, se gerou um tal incómodo e de tal modo incomensurável que tem constituído o lastro bastante para um permanente alerta contra quaisquer sinais susceptíveis de suscitar movimentos de empatia, e até de simpatia, por monstruosidades tão penosas e radicais.
Tudo isto a propósito de, finalmente, já em pleno século vinte e um, ter subido ao palco a primeira produção portuguesa da ópera Der Kaiser von Atlantis oder die Tod Verweigerung (O Imperador da Atlântida ou a abdicação da Morte) de Viktor Ullmann (1898-1944), no Convento dos Capuchos, perto da Costa da Caparica. Assisti, no passado dia 13, a uma das duas récitas programadas, não tendo a menor dúvida em afirmar ter-se tratado de um evento cultural da maior relevância.
O holocausto, lembram-se?
Para que tenhamos parâmetros correctos de acesso ao que aconteceu no passado sábado, naquele poético ermo da outra banda, convém não esquecer, mesmo considerando a Arte em geral, que dificilmente se encontra obra tão marcada pelas vicissitudes subsequentes à implantação do nacional-socialismo germânico e, em particular, da execrável expressão e dimensão da sua vertente anti-semítica.
Certamente, já terão lido ou ouvido falar sobre o campo de concentração de Theresienstadt (actual Terezin, a Norte da República Checa) que os nazis conceberam, com o intuito de mostrar ao mundo como, afinal, podia ser razoavelmente agradável a vida de quem estava confinado num tal lugar, onde até as artes se cultivavam… O comando SS chegou ao ponto de produzir um filme intitulado Der Führer schenkt den Juden eine Stadt (O Führer oferece uma cidade aos Judeus) em que os prisioneiros foram obrigados a participar, utilizando cenários com fachadas de prédios, com lojas, cafés e bancos em tromp-l’oeil, tendo mesmo construído um teatro ao ar livre.
Der Kaiser von Atlantis é uma obra concebida em Theresienstadt, para ali ser representada, cuja música e libretto se devem, respectivamente, ao compositor Viktor Ullmann e ao artista plástico Peter Kien, ambos ali internados. No entanto, jamais seria levada à cena durante aquele negro período porque, em Outubro de 1944, por ocasião dos ensaios, o comando local cancelou o projecto em virtude do tema, inequivocamente anti-hitleriano. Os autores tiveram o destino que seria de esperar. Imediatamente transferidos para Auschwitz, lá morreram nas câmaras de gaz.
Com cerca de uma hora de duração, a ópera está estruturada em quatro cenas, prelúdio e dois intermezzi dansados. A distribuição instrumental compreende um quinteto de cordas, flauta, oboé, clarinete, saxofone alto, trompete, percussão, banjo tenor e teclado (cravo, piano, harmónio), exigindo um total de treze intérpretes, uma formação de câmara, naturalmente, também de acordo com as disponibilidades de origem.
Em relação aos autores, lembremos Pieter Kien que era, fundamentalmente, arquitecto e pintor, bastante mais jovem que o compositor. Tendo sido aluno de Schönberg, a partitura de Ullmann denuncia muito mais a influência de Stravinski ou de Kurt Weil e, também facilmente detectável, a de Mahler, nos citados intermezzi, na ária do Arlequim, no início da obra, na cena de Arlequim e do Tambor e, por fim, na ária da Morte.
Independentemente das contingências que enquadraram a sua composição, dotada de uma hábil mistura de estilos e de um infalível sentido dramático, Der Kaiser von Atlantis é obra absolutamente notável e, como se verificou com a plateia dos Capuchos, capaz de produzir um extraordinário efeito no público espectador que, mesmo conhecedor prévio das suas linhas de força, não deixa de levar um autêntico murro no estômago.
(continua)
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Aos bocados, vai caindo…
Ontem, ao princípio da tarde, em plena Heliodoro Salgado, caiu um bocado do revestimento da fachada do prédio onde está instalada a Farmácia Simões. Não façam como eu que, inicialmente, induzido em erro, julgava tratar-se da caliça superficial. Pois, não senhor, foi mesmo o reboco, com uma boa espessura, que se destacou da altura de um primeiro andar, acabando por atingir, felizmente de raspão, uma senhora que entrava ou saía do estabelecimento.
Se bem repararem, o edifício em questão, aparentemente, até nem apresenta mau aspecto. Está muito longe, por exemplo, da imagem francamente degradante daquele renque de imóveis que, uns metros mais acima, entre os números dezasseis e trinta e tal, escancara as habituais misérias de Sintra. Ou, para que não haja dúvidas, a confirmação do inacreditável aspecto do prédio cor de rosa e da garagem, cujos donos se devem ter convencido que aquilo é tão bom como um poço de petróleo…
Ora bem, o número vinte e seis até nem está mau de todo, uma vez que foi reparado há uns cinco anos. Mas, como vinha dando preocupantes sinais, a Dra. Maria de Lourdes M. C. Simplício dos Santos, estimável e previdente senhora, há semanas tinha avisado os proprietários do imóvel para a eventualidade de vir a suceder algo de semelhante ao que acabou por acontecer. Ignoro se alguma previdência terá sido tomada mas, enfim, pelo que a casa costuma gastar, é possível imaginar o que terá sucedido. Ou foi para a pasta das dúvidas ou para o rol dos esquecidos…
Quando passei pela rua, para além dos basbaques opinantes, naturalmente sempre muito prolixos e eloquentes, também evoluíam agentes da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Municipal e pessoal da Protecção Civil, entrando ou saindo das respectivas viaturas, não em grande actividade mas, flagrantemente, em manifesta agitação. Como sempre, depois das ocorrências, a autoridade policial, normalmente, aparece. O que dava um certo jeito é que, antes dos incidentes, portanto, sempre e quotidianamente, se fizesse sentir a ordem e a autoridade que prevalecem nas sociedades civilizadas…
Desconheço se a senhora vítima do acidente de ontem, apresentará queixa a quem de direito para se ressarcir das consequências mas, perfeitamente ao corrente da vigente cultura de desleixo cá do burgo, prevejo que, tanto os responsáveis da Câmara como os donos do prédio, devem estar «preocupadíssimos» com o sucedido… Em casos que tais, costuma dizer o povo que é para o lado que dormem melhor…E, na realidade, imaginará alguém que tal gente, alguma vez, sofreu de insónia?
Entretanto, muito para além deste incidente, que apenas constitui mais um sintoma de um quadro bem conhecido, tudo nos autoriza a que abramos as hastes do compasso. É mais do que evidente que Sintra cai aos bocados. Vai caindo. Hoje, um bocadinho, na Heliodoro Salgado, amanhã ou depois na Vila Velha. E há sempre vítimas. Nós! Sim, todos nós e não só aqueles que, por vezes, vão parar ao hospital.
Por outro lado, quando não cai, Sintra continua suja e fede. Não merece, pois não, mas a sede do concelho é mais descuidada que os subúrbios das freguesias que, de Sintra, têm tanto como Santa Iria de Azóia ou Paio Pires… Linda mas indefesa Sintra sofre tratos de polé, às mãos de quem não pode, de quem não sabe acudir-lhe, de quem não sonha sequer o mal que perpetua, numa arrepiante perversidade da Democracia, ao cadenciado ritmo dos ciclos e calendários eleitorais.
Ontem, ao princípio da tarde, em plena Heliodoro Salgado, caiu um bocado do revestimento da fachada do prédio onde está instalada a Farmácia Simões. Não façam como eu que, inicialmente, induzido em erro, julgava tratar-se da caliça superficial. Pois, não senhor, foi mesmo o reboco, com uma boa espessura, que se destacou da altura de um primeiro andar, acabando por atingir, felizmente de raspão, uma senhora que entrava ou saía do estabelecimento.
Se bem repararem, o edifício em questão, aparentemente, até nem apresenta mau aspecto. Está muito longe, por exemplo, da imagem francamente degradante daquele renque de imóveis que, uns metros mais acima, entre os números dezasseis e trinta e tal, escancara as habituais misérias de Sintra. Ou, para que não haja dúvidas, a confirmação do inacreditável aspecto do prédio cor de rosa e da garagem, cujos donos se devem ter convencido que aquilo é tão bom como um poço de petróleo…
Ora bem, o número vinte e seis até nem está mau de todo, uma vez que foi reparado há uns cinco anos. Mas, como vinha dando preocupantes sinais, a Dra. Maria de Lourdes M. C. Simplício dos Santos, estimável e previdente senhora, há semanas tinha avisado os proprietários do imóvel para a eventualidade de vir a suceder algo de semelhante ao que acabou por acontecer. Ignoro se alguma previdência terá sido tomada mas, enfim, pelo que a casa costuma gastar, é possível imaginar o que terá sucedido. Ou foi para a pasta das dúvidas ou para o rol dos esquecidos…
Quando passei pela rua, para além dos basbaques opinantes, naturalmente sempre muito prolixos e eloquentes, também evoluíam agentes da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Municipal e pessoal da Protecção Civil, entrando ou saindo das respectivas viaturas, não em grande actividade mas, flagrantemente, em manifesta agitação. Como sempre, depois das ocorrências, a autoridade policial, normalmente, aparece. O que dava um certo jeito é que, antes dos incidentes, portanto, sempre e quotidianamente, se fizesse sentir a ordem e a autoridade que prevalecem nas sociedades civilizadas…
Desconheço se a senhora vítima do acidente de ontem, apresentará queixa a quem de direito para se ressarcir das consequências mas, perfeitamente ao corrente da vigente cultura de desleixo cá do burgo, prevejo que, tanto os responsáveis da Câmara como os donos do prédio, devem estar «preocupadíssimos» com o sucedido… Em casos que tais, costuma dizer o povo que é para o lado que dormem melhor…E, na realidade, imaginará alguém que tal gente, alguma vez, sofreu de insónia?
Entretanto, muito para além deste incidente, que apenas constitui mais um sintoma de um quadro bem conhecido, tudo nos autoriza a que abramos as hastes do compasso. É mais do que evidente que Sintra cai aos bocados. Vai caindo. Hoje, um bocadinho, na Heliodoro Salgado, amanhã ou depois na Vila Velha. E há sempre vítimas. Nós! Sim, todos nós e não só aqueles que, por vezes, vão parar ao hospital.
Por outro lado, quando não cai, Sintra continua suja e fede. Não merece, pois não, mas a sede do concelho é mais descuidada que os subúrbios das freguesias que, de Sintra, têm tanto como Santa Iria de Azóia ou Paio Pires… Linda mas indefesa Sintra sofre tratos de polé, às mãos de quem não pode, de quem não sabe acudir-lhe, de quem não sonha sequer o mal que perpetua, numa arrepiante perversidade da Democracia, ao cadenciado ritmo dos ciclos e calendários eleitorais.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Afinal,
o programa continua...
Não voltaria à questão focada no último texto não se tivesse dado o caso, precisamente hoje, ao atravessar novamente a Correnteza, de ter escutado o comentário de dois sujeitos a propósito da sujidade do local. Não me contive e meti conversa. De visita a Cascais e Sintra, dois amigos, homens de meia idade, oriundos da Régua, deram conta da sua impressão sobre a falta de cuidado que encontraram nesta terra onde ambos já não vinham há mais de vinte anos.
Dizia um deles que, em Portugal, infelizmente, está habituado a cenas destas um pouco por todo o lado. Mas não estava à espera de deparar com tanto desleixo em Sintra onde, por ser local classificado pela Unesco, seria de esperar mais atenção. Estes dois homens, que iam juntar-se ao resto da família para almoço em Cascais, estão ainda a trabalhar em Inglaterra, em Coventry. Habituaram-se ao asseio e, diziam, têm dificuldade em aceitar que, no seu país, num local tão bonito, se continue a abandalhar desta maneira. E lá nos despedimos com palavras de circunstância já que não era o momento para falar daquilo que, agora, passo a fazer convosco.
Posso confirmar, porque todos os dias palmilho quilómetros por estes caminhos, que há diligentes cantoneiros de limpeza a trabalhar. Vejo-os a varrer. É verdade. Mas, santo Deus, não basta. Urge lavar, utilizando os meios mais expeditos. Estou farto de chamar a atenção para a situação. Há muito tempo que o faço sem qualquer resultado. Se, na realidade, a Câmara delegou a competência da tarefa numa empresa municipal, não deixa de manter a responsabilidade pela manutenção da higiene pública.
Na zona em questão, pelo menos há uns quatro anos, a limpeza das ruas era assegurada, por subcontrato, a uma firma com sede em Lisboa. Em 2004, ao denunciar idêntica situação, nada me surpreendeu que tivesse esbarrado num muro de irresponsabilidade, protagonizado por entidades que, em cascata, descartavam as suas culpas no cartório. Ou seja, em primeiro lugar, a Câmara que remetia para a HPEM e, depois, a empresa municipal na tal adjudicatária.
Exemplar e elucidativo? Sem dúvida, tanto mais que, na sequência do triplo ricochete, a última entidade referida acusava-me de apenas pretender atingir a Câmara de Sintra, servindo-me da matéria em apreço como arma de arremesso… Passou-se comigo, a propósito de um artigo publicado no Jornal de Sintra em 26.11.04.
A verdade é que, actualmente, o quadro permanece. Há contentores a transbordar, lixo espalhado, por exemplo, em plena Heliodoro Salgado e, de vez em quando, junto à paroquial de São Martinho, é o que se sabe. São cenas indesmentíveis, perfeitamente inadmissíveis em qualquer lugar e, portanto, sem necessidade de invocar as particulares características de Sintra para justificar a intervenção a que temos direito.
De qualquer modo, sendo questão que, estou em crer, afectará a maioria dos sintrenses residentes nestes lugares, apenas uma lamentável mas compreensível resignação justificará que não sejam mais visíveis e audíveis os sintomas de descontentamento. Acontece que os fregueses e munícipes estão resignados, baixaram os braços perante tanto manifesto de incúria. Deixaram de acreditar em qualquer hipótese de mudança, entregando-se à desgraçada inevitabilidade do resultado de tanta incompetência e desinteresse.
E não me venham com o estafado argumento de que isto é descrença inconsequente, negativismo paralizante e não sei que mais. Basta que apareçam evidentes sinais de mudança para que deixemos de dizer e escrever coisas que tais. A menos que os habituais desleixados militantes estejam na expectativa de que, esgotados por tanta luta e denúncia, acabemos por fazer o jeitinho e passemos a usar os óculos cor de rosa com que os responsáveis (?!) mascaram a sua descarada insuficiência...
o programa continua...
Não voltaria à questão focada no último texto não se tivesse dado o caso, precisamente hoje, ao atravessar novamente a Correnteza, de ter escutado o comentário de dois sujeitos a propósito da sujidade do local. Não me contive e meti conversa. De visita a Cascais e Sintra, dois amigos, homens de meia idade, oriundos da Régua, deram conta da sua impressão sobre a falta de cuidado que encontraram nesta terra onde ambos já não vinham há mais de vinte anos.
Dizia um deles que, em Portugal, infelizmente, está habituado a cenas destas um pouco por todo o lado. Mas não estava à espera de deparar com tanto desleixo em Sintra onde, por ser local classificado pela Unesco, seria de esperar mais atenção. Estes dois homens, que iam juntar-se ao resto da família para almoço em Cascais, estão ainda a trabalhar em Inglaterra, em Coventry. Habituaram-se ao asseio e, diziam, têm dificuldade em aceitar que, no seu país, num local tão bonito, se continue a abandalhar desta maneira. E lá nos despedimos com palavras de circunstância já que não era o momento para falar daquilo que, agora, passo a fazer convosco.
Posso confirmar, porque todos os dias palmilho quilómetros por estes caminhos, que há diligentes cantoneiros de limpeza a trabalhar. Vejo-os a varrer. É verdade. Mas, santo Deus, não basta. Urge lavar, utilizando os meios mais expeditos. Estou farto de chamar a atenção para a situação. Há muito tempo que o faço sem qualquer resultado. Se, na realidade, a Câmara delegou a competência da tarefa numa empresa municipal, não deixa de manter a responsabilidade pela manutenção da higiene pública.
Na zona em questão, pelo menos há uns quatro anos, a limpeza das ruas era assegurada, por subcontrato, a uma firma com sede em Lisboa. Em 2004, ao denunciar idêntica situação, nada me surpreendeu que tivesse esbarrado num muro de irresponsabilidade, protagonizado por entidades que, em cascata, descartavam as suas culpas no cartório. Ou seja, em primeiro lugar, a Câmara que remetia para a HPEM e, depois, a empresa municipal na tal adjudicatária.
Exemplar e elucidativo? Sem dúvida, tanto mais que, na sequência do triplo ricochete, a última entidade referida acusava-me de apenas pretender atingir a Câmara de Sintra, servindo-me da matéria em apreço como arma de arremesso… Passou-se comigo, a propósito de um artigo publicado no Jornal de Sintra em 26.11.04.
A verdade é que, actualmente, o quadro permanece. Há contentores a transbordar, lixo espalhado, por exemplo, em plena Heliodoro Salgado e, de vez em quando, junto à paroquial de São Martinho, é o que se sabe. São cenas indesmentíveis, perfeitamente inadmissíveis em qualquer lugar e, portanto, sem necessidade de invocar as particulares características de Sintra para justificar a intervenção a que temos direito.
De qualquer modo, sendo questão que, estou em crer, afectará a maioria dos sintrenses residentes nestes lugares, apenas uma lamentável mas compreensível resignação justificará que não sejam mais visíveis e audíveis os sintomas de descontentamento. Acontece que os fregueses e munícipes estão resignados, baixaram os braços perante tanto manifesto de incúria. Deixaram de acreditar em qualquer hipótese de mudança, entregando-se à desgraçada inevitabilidade do resultado de tanta incompetência e desinteresse.
E não me venham com o estafado argumento de que isto é descrença inconsequente, negativismo paralizante e não sei que mais. Basta que apareçam evidentes sinais de mudança para que deixemos de dizer e escrever coisas que tais. A menos que os habituais desleixados militantes estejam na expectativa de que, esgotados por tanta luta e denúncia, acabemos por fazer o jeitinho e passemos a usar os óculos cor de rosa com que os responsáveis (?!) mascaram a sua descarada insuficiência...
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
O costume…
4 de Setembro
Estas palavras só são especialmente partilháveis por quem anda a pé. Bastou chuviscar para pôr a descoberto mais alguma da sujidade que vai pelas ruas da sede do concelho. Na Correnteza, onde também se anda ao pontapé às levantadas pedras da calçada, a situação ainda é mais preocupante porque, devido aos excrementos dos pombos, que não são devidamente removidos, a possibilidade de quedas é por demais evidente.
A verdade é que igualmente se escorrega nos passeios de muitas ruas, por falta de adequada lavagem. Tal acontece, por exemplo, junto ao mercado da Estefânea, a caminho da Escola D. Fernando II, pela Alfredo da Costa, na Volta do Duche, nas imediações do edifício do Turismo e da igreja, em resultado da incapacidade de gestão de quem tem a responsabilidade de assegurar um serviço eficiente e civilizado de higiene pública.
Hoje mesmo, o antiquário Henrique Teixeira, a propósito deste despautério, me chamava a atenção para o facto de, além da habitual falta de limpeza, também ali bem perto, em pleno centro histórico, em vez de flores a sublinhar cantos e recantos, podermos deparar com silvas a incomodar a passagem de quem por ali circula e, não raro, como me mostrou, pombos mortos no pavimento.
5 de Setembro
Já não chove. Depois de terem secado, os passeios já não escorregam. Deixou de ser iminente o perigo de uma queda. Até à próxima chuvada, a gordura e o pó acumulados vão permanecer, embora aparentemente ocultos e completamente minimizados por quem não caminhe, a pé, ao ritmo de tão desagradáveis sinais. Portanto, prossegue o programa do costume, que persegue e até consegue suscitar reparos a quem está tão acostumado a ofensas que tais...
4 de Setembro
Estas palavras só são especialmente partilháveis por quem anda a pé. Bastou chuviscar para pôr a descoberto mais alguma da sujidade que vai pelas ruas da sede do concelho. Na Correnteza, onde também se anda ao pontapé às levantadas pedras da calçada, a situação ainda é mais preocupante porque, devido aos excrementos dos pombos, que não são devidamente removidos, a possibilidade de quedas é por demais evidente.
A verdade é que igualmente se escorrega nos passeios de muitas ruas, por falta de adequada lavagem. Tal acontece, por exemplo, junto ao mercado da Estefânea, a caminho da Escola D. Fernando II, pela Alfredo da Costa, na Volta do Duche, nas imediações do edifício do Turismo e da igreja, em resultado da incapacidade de gestão de quem tem a responsabilidade de assegurar um serviço eficiente e civilizado de higiene pública.
Hoje mesmo, o antiquário Henrique Teixeira, a propósito deste despautério, me chamava a atenção para o facto de, além da habitual falta de limpeza, também ali bem perto, em pleno centro histórico, em vez de flores a sublinhar cantos e recantos, podermos deparar com silvas a incomodar a passagem de quem por ali circula e, não raro, como me mostrou, pombos mortos no pavimento.
5 de Setembro
Já não chove. Depois de terem secado, os passeios já não escorregam. Deixou de ser iminente o perigo de uma queda. Até à próxima chuvada, a gordura e o pó acumulados vão permanecer, embora aparentemente ocultos e completamente minimizados por quem não caminhe, a pé, ao ritmo de tão desagradáveis sinais. Portanto, prossegue o programa do costume, que persegue e até consegue suscitar reparos a quem está tão acostumado a ofensas que tais...
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Festival de Bayreuth 2008,
o Ring
e uma saída pela porta grande
Como tinha anunciado antes de interromper a normal publicação de textos neste blogue, durante a segunda quinzena de Agosto, estive em Bayreuth, donde acabo de regressar, depois de ter assistido a mais uma produção de O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner, obra que, entre iniciados, habitualmente se designa como Ring, já que o título original é Der Ring des Nibelungen.
Muitas vezes se continua a referir como Tetralogia este monumento artístico, obra máxima, não só da música de todos os tempos mas também da cultura universal, designação que, para todos os efeitos, abrange as quatro óperas, O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses. No entanto, mais se trata de uma trilogia, já que a primeira funciona como prólogo às subsequentes três jornadas.
O meu primeiro Ring, em Bayreuth, aconteceu em 1971. Basta fazer as contas para chegar à conclusão que já lá vão quase quarenta anos. Nesta história, o pormenor pessoal da passagem do tempo apenas interessa porque, naquela altura, reparem bem, já havia vinte anos que era director do Festival de Bayreuth o homem que, só há uns dias, deixou de o ser…
Wolfgang Wagner, pois é acerca dele que escrevo, neto de Richard Wagner e de Franz Liszt, tem quase noventa anos e esteve à frente da casa durante cinquenta e sete anos… Portanto, tudo o que se fez em Bayreuth, praticamente após a Segunda Guerra Mundial, tem a marca omnipresente, constante e obsessiva de Wolfgang Wagner, um produtor de Arte perante quem a humanidade tem uma dívida incalculável.
Bem pode dizer-se que, em relação às produções das óperas da autoria do avô, as suas decisões, umas vezes mais ortodoxas, outras altamente polémicas, durante tão longo período, condicionaram e, em parte, contribuíram para a definição dos contornos da vida cultural mundial e da História da Música das seis últimas décadas.
Desconheço o que decidiram fazer os jornais nacionais a propósito do afastamento de Wolfgang Wagner da direcção do Festival de Bayreuth que, para todos os efeitos, foi um acontecimento de repercussão mundial. Desconfio que, na maioria dos casos, pura e simplesmente, nem se terão referido ao assunto.
Todavia, no último domingo, o Público, que se reclama de um estatuto de referência, nada escreveu sobre aquele passado que constitui um património absolutamente fascinante, limitando-se a veicular o que, acerca do assunto, propagaram as agências noticiosas internacionais para todos os tablóides ávidos de fait divers, ou seja, apenas os rápidos traços de uma pseudo guerra de sucessão, mais ou menos dinástica, à laia das séries televisivas americanas como Dallas ou Falcon Crest.
Que indigência!...
Wolfgang Wagner fez muitas leituras do Ring. A história dessas leituras constitui o percurso de uma longa vida ao serviço da Arte, que vale a pena conhecer na medida em que melhor se compreenderá o fabuloso novelo que é o próprio Ring. Na essência, permanece tão imutável quanto Richard Wagner o propôs, pela primeira vez, em 1876 no Teatro do Festival de Bayreuth que, para o efeito, expressamente construiu.
É uma obra que escapa às baias do tempo, servindo-se generosamente de todos os cambiantes das emoções e sentimentos humanos. Contudo, é tão plástica, tão aberta e, na interminável variedade dos temas, tão actual que, ali, a Arte se confronta com a luta pelo poder, com o vil metal e a mais selvagem ambição, à mistura com a baixa e alta política, a ecologia, a beleza e a justiça, enfim, em resumo, ainda com todas as perplexidades do Homem face à hipótese de viver ou recusar o amor e de aceder à felicidade.
Tudo isto está no Ring, servido pela Música mais sublime e por um texto espantoso, libreto e música compostos por Richard Wagner, ao longo de vinte e seis anos – filtrando influências de filósofos seus contemporâneos, como do amigo/inimigo Friedrich Nietzsche, de Ludwig Feuerbach ou ainda, entre outros, de Arthur Schopenhauer – obra que as melhores vozes do planeta se esforçam por nos devolver. Sempre melhor.
PS:
A propósito, três notas.
1.
Se Bayreuth é o santuário, tal não significa que, por exemplo, em Lisboa, não possamos já ter assistido a récitas espantosas das quatro óperas. Aliás, São Carlos tem um palmarés impressionante e, mesmo actualmente, será possível assistir à terceira jornada, Siegfried, programada a partir de 30 de Setembro e até 18 de Outubro, numa produção de Graham Vick, iniciada na temporada de 2005/06 – no tempo da saudosa direcção de Paolo Pinamonte – que está a dar brado. Não percam!
2.
Deixaria um conselho muito, muito oportuno, a todos os adeptos e prosélitos wagnerianos a quem, eventualmente, tenha escapado a oportunidade que passo a dar conta. Recentemente, a Decca lançou no mercado uma edição (atenção, escandalosamente barata…) composta por 33 CDs, das mais conhecidas óperas de Richard Wagner, nomeadamente, Der Ring des Nibelungen, / Der Fliegende Holländer, / Tannhäuser, / Lohengrin, / Tristan und Isolde, / Die Meistersinger von Nürnberg e Parsifal, todas gravadas ao vivo no Festival de Bayreuth, dirigidas por Karl Böhm, Wolfgang Sawallish e James Levine, contando com a participação de cantores tão fenomenais como Birgit Nilsson, Wolfgang Windgassen, Gustav Neidlinger, Theo Adam, Anja Silja, Jess Thomas e Karl Ridderbusch.
A não perder!
3.
Quem pretenda entender toda a especificidade dos temas wagnerianos de O Anel do Nibelungo, portanto, toda a estrutura dos Leitmotiv, poderá aceder a uma gravação muito bem concebida, em 2 CDs, sob o título Wagner´s Ring Motifs, an Audio Guide, da autoria de Sven Friedrich e Gerhard K. Englert, com uma impecável narração de Sir John Tomlinson. Eis as referências da edição: Aurícula GmbH, Berlin, Germany. Nº de catálogo: A-201-2, ISBN 3-936196-05-2. Trata-se da versão, num impecável Inglês, de um original alemão cujas coordenadas também poderei fornecer aos interessados.
E, naturalmente, também a não perder.
o Ring
e uma saída pela porta grande
Como tinha anunciado antes de interromper a normal publicação de textos neste blogue, durante a segunda quinzena de Agosto, estive em Bayreuth, donde acabo de regressar, depois de ter assistido a mais uma produção de O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner, obra que, entre iniciados, habitualmente se designa como Ring, já que o título original é Der Ring des Nibelungen.
Muitas vezes se continua a referir como Tetralogia este monumento artístico, obra máxima, não só da música de todos os tempos mas também da cultura universal, designação que, para todos os efeitos, abrange as quatro óperas, O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses. No entanto, mais se trata de uma trilogia, já que a primeira funciona como prólogo às subsequentes três jornadas.
O meu primeiro Ring, em Bayreuth, aconteceu em 1971. Basta fazer as contas para chegar à conclusão que já lá vão quase quarenta anos. Nesta história, o pormenor pessoal da passagem do tempo apenas interessa porque, naquela altura, reparem bem, já havia vinte anos que era director do Festival de Bayreuth o homem que, só há uns dias, deixou de o ser…
Wolfgang Wagner, pois é acerca dele que escrevo, neto de Richard Wagner e de Franz Liszt, tem quase noventa anos e esteve à frente da casa durante cinquenta e sete anos… Portanto, tudo o que se fez em Bayreuth, praticamente após a Segunda Guerra Mundial, tem a marca omnipresente, constante e obsessiva de Wolfgang Wagner, um produtor de Arte perante quem a humanidade tem uma dívida incalculável.
Bem pode dizer-se que, em relação às produções das óperas da autoria do avô, as suas decisões, umas vezes mais ortodoxas, outras altamente polémicas, durante tão longo período, condicionaram e, em parte, contribuíram para a definição dos contornos da vida cultural mundial e da História da Música das seis últimas décadas.
Desconheço o que decidiram fazer os jornais nacionais a propósito do afastamento de Wolfgang Wagner da direcção do Festival de Bayreuth que, para todos os efeitos, foi um acontecimento de repercussão mundial. Desconfio que, na maioria dos casos, pura e simplesmente, nem se terão referido ao assunto.
Todavia, no último domingo, o Público, que se reclama de um estatuto de referência, nada escreveu sobre aquele passado que constitui um património absolutamente fascinante, limitando-se a veicular o que, acerca do assunto, propagaram as agências noticiosas internacionais para todos os tablóides ávidos de fait divers, ou seja, apenas os rápidos traços de uma pseudo guerra de sucessão, mais ou menos dinástica, à laia das séries televisivas americanas como Dallas ou Falcon Crest.
Que indigência!...
Wolfgang Wagner fez muitas leituras do Ring. A história dessas leituras constitui o percurso de uma longa vida ao serviço da Arte, que vale a pena conhecer na medida em que melhor se compreenderá o fabuloso novelo que é o próprio Ring. Na essência, permanece tão imutável quanto Richard Wagner o propôs, pela primeira vez, em 1876 no Teatro do Festival de Bayreuth que, para o efeito, expressamente construiu.
É uma obra que escapa às baias do tempo, servindo-se generosamente de todos os cambiantes das emoções e sentimentos humanos. Contudo, é tão plástica, tão aberta e, na interminável variedade dos temas, tão actual que, ali, a Arte se confronta com a luta pelo poder, com o vil metal e a mais selvagem ambição, à mistura com a baixa e alta política, a ecologia, a beleza e a justiça, enfim, em resumo, ainda com todas as perplexidades do Homem face à hipótese de viver ou recusar o amor e de aceder à felicidade.
Tudo isto está no Ring, servido pela Música mais sublime e por um texto espantoso, libreto e música compostos por Richard Wagner, ao longo de vinte e seis anos – filtrando influências de filósofos seus contemporâneos, como do amigo/inimigo Friedrich Nietzsche, de Ludwig Feuerbach ou ainda, entre outros, de Arthur Schopenhauer – obra que as melhores vozes do planeta se esforçam por nos devolver. Sempre melhor.
PS:
A propósito, três notas.
1.
Se Bayreuth é o santuário, tal não significa que, por exemplo, em Lisboa, não possamos já ter assistido a récitas espantosas das quatro óperas. Aliás, São Carlos tem um palmarés impressionante e, mesmo actualmente, será possível assistir à terceira jornada, Siegfried, programada a partir de 30 de Setembro e até 18 de Outubro, numa produção de Graham Vick, iniciada na temporada de 2005/06 – no tempo da saudosa direcção de Paolo Pinamonte – que está a dar brado. Não percam!
2.
Deixaria um conselho muito, muito oportuno, a todos os adeptos e prosélitos wagnerianos a quem, eventualmente, tenha escapado a oportunidade que passo a dar conta. Recentemente, a Decca lançou no mercado uma edição (atenção, escandalosamente barata…) composta por 33 CDs, das mais conhecidas óperas de Richard Wagner, nomeadamente, Der Ring des Nibelungen, / Der Fliegende Holländer, / Tannhäuser, / Lohengrin, / Tristan und Isolde, / Die Meistersinger von Nürnberg e Parsifal, todas gravadas ao vivo no Festival de Bayreuth, dirigidas por Karl Böhm, Wolfgang Sawallish e James Levine, contando com a participação de cantores tão fenomenais como Birgit Nilsson, Wolfgang Windgassen, Gustav Neidlinger, Theo Adam, Anja Silja, Jess Thomas e Karl Ridderbusch.
A não perder!
3.
Quem pretenda entender toda a especificidade dos temas wagnerianos de O Anel do Nibelungo, portanto, toda a estrutura dos Leitmotiv, poderá aceder a uma gravação muito bem concebida, em 2 CDs, sob o título Wagner´s Ring Motifs, an Audio Guide, da autoria de Sven Friedrich e Gerhard K. Englert, com uma impecável narração de Sir John Tomlinson. Eis as referências da edição: Aurícula GmbH, Berlin, Germany. Nº de catálogo: A-201-2, ISBN 3-936196-05-2. Trata-se da versão, num impecável Inglês, de um original alemão cujas coordenadas também poderei fornecer aos interessados.
E, naturalmente, também a não perder.
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