[sempre de acordo com a antiga ortografia]
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
Revista Etnográfica
Artigo de Rita de Ávila Cachado
O registo escondido num bairro em processo de realojamento: o caso dos hindus da Quinta da Vitória [Texto integral] // (The hidden transcript in a neighborhood’s re-housing process:
the case of Hindus in Quinta da Vitória)
O artigo da Rita de Avila Cachado também aqui aparece integralmente transcrito. Portanto, para os interessados que me contactaram nesse sentido, o acesso é fácil, directo.
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"Este artigo parte da etnografia realizada junto da população hindu de um bairro nas franjas da cidade de Lisboa. Tal como dezenas de outros conjuntos residenciais de construção informal, a Quinta da Vitória foi inscrita no Programa Especial de Realojamento (PER) e os seus habitantes seriam realojados em habitação social.
Comparativamente com outros núcleos residenciais inscritos no PER, o processo da Quinta da Vitória levou mais tempo a ser concluído. Neste artigo procura-se descrever e analisar as formas como a população em causa reagiu, ao longo do processo de realojamento, a esta política social de habitação de grande envergadura no país.
O objetivo central do artigo é explorar, através do caso em apreço, a conceptualização de James Scott (1990) sobre formas de resistência subtis, naquilo que o autor apelida registo escondido, e o desenvolvimento das suas componentes, até um registo mais público de resistência. Através da análise deste processo, espera-se ainda contribuir para uma melhor compreensão da aplicação das políticas sociais em Portugal." (transcrição da sinopse)
Boa leitura!
Keats
31 de Outubro de 1795
Um excerto do belíssimo The Romantics Eternity, documentário da BBC em que se alude aos últimos dias de John Keats em Roma, onde faleceu, aos vinte e seis anos, em 23 de Fevereiro de 1821. Um excerto, também, do celebérrimo Ode to a grecian Urn. [I]
Tal como comigo aconteceu - quando, meu Deus, vai para cinquenta anos, este poema de Keats me perseguiu, de forma quase obsessiva - haverá amigos que não resistirão a uma nova abordagem. Desta vez, proponho o intermédio do grande actor britânico Tony Britton. Que dicção!
Bom visionamento!
Boa audição!
http://youtu.be/Z_1aF8IQ7WQ [I]
http://youtu.be/crHgLM8rgDE [II]
Federico Fellini
Faz hoje vinte anos que morreu Federico Fellini, nascido em 1920. Lembrando o grande mestre, proponho que, no contexto da Música que tão bem soube articular com as suas obras, recordemos o seu Prova d' Orchestra, datado de 1978, que, como sabem, é uma grande alegoria.
Ali convivem a repressão do poder sobre o indivíduo, um percurso de matizes do exercício do poder, desde o mais assertivo autoritarismo até à anarquia. No felliniano aproveitamento do perfeito cenário, a morte contracena com a vida na afinação dos instrumentos...
Um ensaio de vida em que a orquestra sinfónica é a humanidade, cada pessoa um instrumento. Nas alegrias, tristezas, frustrações, ali estamos todos, incluindo o louco, o superficial e fútil, o saudosista. Mais ou menos, todos são protagonistas. Afinal, como na vida.
Este filme ainda encerra a particularidade de ter contado com a última colaboração de Nino Rota na concepção da banda sonora. Filme verdadeiramente IMPERDÍVEL mesmo que, como eu, já o tenham visto não sei quantas vezes. Eis 70 minutos de grande Arte!
Bom visionamento!
http://youtu.be/AVXJ92VcsbU
Concerto Gulbenkian,
Igreja São Roque, 31 de Outubro 2013
Igreja São Roque, 31 de Outubro 2013
[Facebook, 30.10.2013]
Já amanhã, pelas 21.00, Ton Koopman dirigirá o Coro e Orquestra Gulbenkian num concerto exclusivamente preenchido com obras de Johann Sebastian Bach. Desta vez, em São Roque, um dos locais alternativos ao Grande Auditório da Av. de Berna que, como sabem, continua em obras de beneficiação.
No passado dia 3, aquando do concerto nos Jerónimos, também com o Coro e Orquestra Gulbenkian, em A Criação de Haydn, dirigido por Paul McCreesh, já a minha amiga Margarida Montenegro, Directora dos Serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, me confessava enorme expectativa quanto ao sucesso do programa de amanhã.
Ela que, durante tantos anos, foi Directora e Conservadora do Palácio de Mafra, ali concretizando iniciativas estupendas no âmbito da animação cultural através da grande música, ela que foi uma das grandes responsáveis pela recuperação dos seis órgãos, alma mater do Festival de Música Mafra, é uma das pessoas que, em Portugal, melhor sabe o que é levar a cabo um programa como o de amanhã num templo, com as características da jesuíta São Roque, onde nos receberá como anfitriã.
Tudo o que dela depender, não tenho a menor dúvida, estará au point. Por outro lado, sabendo que Ton Koopman tem trabalhado nas melhores condições com todos os participantes, com particular destaque para os solistas, Joana Seara, soprano, Fernando Guimarães, tenor, e Hugo Oliveira, barítono, prevejo que teremos um magnífico e imperdível serão.
Em especial para os que não poderão estar presentes, proponho que acedam às peças através das gravações que imediatamente vos disponho, precisamente, através de leituras de Ton Koopman. Portanto, de Johann Sebastian Bach, sempre com a Orquestra Barroca de Amsterdam:
- Ouverture, Orchestral Suite No.3 in D major, BWV 1068 [I]; - Lobet den Herrn, alle Heiden, RIAS Kammerchor [II]; - Cantate BWV 127 - Alles mit Gott und nichts ohn' ihn [III] e Cantata BWV 140 Wachet Auf, Ruft Uns Die Stimme [IV].
Se me permitem, gostaria de vos citar um pensamento do místico renano Mestre Eckhart (1260-1328), que, em Ekstastische Konfessionen, nos remete para um estado de espírito o qual, creio bem, se articula com a síntese decorrente da audição das peças em presença:
"(...) Superei todas as minhas capacidades, até ao limite da força obscura. Aí, ouvia quando não havia som, via quando não havia luz. Depois, o meu coração ficou sem fundo, a minha alma sem amor, o meu espírito sem forma e a minha natureza sem substância (...)"
Bach, crente extremamente fervoroso, de certeza que percebeu não só esta mensagem de Mestre Eckart bem como a de S. João, na sua Primeira Epístola [Jo 4. 16.] "(...) Aquele que permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele. Quem não tem amor, não conhece Deus".
Em cada uma e na súmula destas obras, encontramos abundantes indícios destes saberes e do estado de «mística lucidez» que o compositor reflecte tão copiosamente. Procuremos entender.
Boa audição!
http://youtu.be/ER9IQF_p4uQ Abertura da Suite orquestral (I]
http://youtu.be/InrxMA1ID0I Lobet den Herrn alle Heiden [II]
http://youtu.be/Ts_s2GrylTg Cantata BWV 127 [III]
http://youtu.be/nbpGcwgpC7o Cantata BWV 140 [IV]
Ela que, durante tantos anos, foi Directora e Conservadora do Palácio de Mafra, ali concretizando iniciativas estupendas no âmbito da animação cultural através da grande música, ela que foi uma das grandes responsáveis pela recuperação dos seis órgãos, alma mater do Festival de Música Mafra, é uma das pessoas que, em Portugal, melhor sabe o que é levar a cabo um programa como o de amanhã num templo, com as características da jesuíta São Roque, onde nos receberá como anfitriã.
Tudo o que dela depender, não tenho a menor dúvida, estará au point. Por outro lado, sabendo que Ton Koopman tem trabalhado nas melhores condições com todos os participantes, com particular destaque para os solistas, Joana Seara, soprano, Fernando Guimarães, tenor, e Hugo Oliveira, barítono, prevejo que teremos um magnífico e imperdível serão.
Em especial para os que não poderão estar presentes, proponho que acedam às peças através das gravações que imediatamente vos disponho, precisamente, através de leituras de Ton Koopman. Portanto, de Johann Sebastian Bach, sempre com a Orquestra Barroca de Amsterdam:
- Ouverture, Orchestral Suite No.3 in D major, BWV 1068 [I]; - Lobet den Herrn, alle Heiden, RIAS Kammerchor [II]; - Cantate BWV 127 - Alles mit Gott und nichts ohn' ihn [III] e Cantata BWV 140 Wachet Auf, Ruft Uns Die Stimme [IV].
Se me permitem, gostaria de vos citar um pensamento do místico renano Mestre Eckhart (1260-1328), que, em Ekstastische Konfessionen, nos remete para um estado de espírito o qual, creio bem, se articula com a síntese decorrente da audição das peças em presença:
"(...) Superei todas as minhas capacidades, até ao limite da força obscura. Aí, ouvia quando não havia som, via quando não havia luz. Depois, o meu coração ficou sem fundo, a minha alma sem amor, o meu espírito sem forma e a minha natureza sem substância (...)"
Bach, crente extremamente fervoroso, de certeza que percebeu não só esta mensagem de Mestre Eckart bem como a de S. João, na sua Primeira Epístola [Jo 4. 16.] "(...) Aquele que permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele. Quem não tem amor, não conhece Deus".
Em cada uma e na súmula destas obras, encontramos abundantes indícios destes saberes e do estado de «mística lucidez» que o compositor reflecte tão copiosamente. Procuremos entender.
Boa audição!
http://youtu.be/ER9IQF_p4uQ Abertura da Suite orquestral (I]
http://youtu.be/InrxMA1ID0I Lobet den Herrn alle Heiden [II]
http://youtu.be/Ts_s2GrylTg Cantata BWV 127 [III]
http://youtu.be/nbpGcwgpC7o Cantata BWV 140 [IV]
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Bárbara Guimarães e Joana Varela
Depois de tomar conhecimento que a minha ex-colega Joana Varela se solidarizou publicamente com a Bárbara Guimarães, já posso dar o meu público testemunho quanto aos maus tratos de Manuel Maria Carrilho.
Há cerca de trinta anos, na sequência de um Despacho do então Ministro da Cultura, o saudoso Francisco Lucas Pires, Joana Varela, em representação do Instituto ...Português do Livro, fez parte de um grupo de trabalho, sobre o Serviço Público de Bibliotecas, no qual também eu me integrava como Técnico do Ministério da Educação.
Lembro-me perfeitamente de a Joana aparecer marcada pelos golpes do marido e de como era tão constrangedora a sua presença. Como me competia, sempre mantive a inevitável discrição que o assunto me suscitou. Hoje, pude romper esse silêncio.
Efeméride mozartiana,
Don Giovanni
Hoje é dia grande nas efemérides mozartianas. Foi em 28 de Outubro de 1787 que Mozart deu por terminada Don Giovanni, fazendo entrar no seu catálogo pessoal as seguintes notas, que transcrevo com a pontuação original: “28 de Outubro, em Praga. Il dissoluto punito, o, il Don Giovanni. Opera Buffa em 2 Actos, Números Musicais: 24, Actores: Signore Teresa Saporiti, Bondini and Micelli; Signori Bassi, Ponziani, Baglioni and Lolli”
Tenham em consideração que, dada por terminada em 28, subiu à cena no dia seguinte. Os mencionados nomes referem-se aos actores que protagonizaram a estreia absoluta, em Praga, ou seja, senhores (Luigi) Bassi, (Felice) Ponziani, (Antonio) Baglioni e (Giuseppe) Lolli que assumiram, respectivamente, as personagens de Don Giovanni, Leporello, Don Ottavio e Masstto; as senhoras Teresa Saporiti, (Caterina) Bondini e (Caterina) Micelli, respectivamente, as de Donna Anna, Zerlina e Donna Elvira.
Como sabem, o libreto é de Lorenzo Da Ponte. A ter que vos propor uma récita, opto por uma histórica ainda que com alguns problemas de audição. Esta, de facto, é verdadeiramente antológica. Remonta a 27 de Julho de 1953. Estava-se em pleno Festival de Salzburg, tocava a Orquestra Filarmónica de Viena sob a direcção de Wilhelm Furtwängler. Eis o elenco, absolutamente irrepetível:
Don Giovanni- Cesare Siepi
Leporello- Otto Edelmann
Donna Anna- Elisabeth Grümmer
Donna Elvira- Elisabeth Schwarzkopf
Don Ottavio- Anton Dermota
Zerlina- Erna Berger
Masetto- Walter Berry
Commendatore- Raffaele Arié
Boa audição!
http://youtu.be/Jb3SpSOHpv0
Don Giovanni
Hoje é dia grande nas efemérides mozartianas. Foi em 28 de Outubro de 1787 que Mozart deu por terminada Don Giovanni, fazendo entrar no seu catálogo pessoal as seguintes notas, que transcrevo com a pontuação original: “28 de Outubro, em Praga. Il dissoluto punito, o, il Don Giovanni. Opera Buffa em 2 Actos, Números Musicais: 24, Actores: Signore Teresa Saporiti, Bondini and Micelli; Signori Bassi, Ponziani, Baglioni and Lolli”
Tenham em consideração que, dada por terminada em 28, subiu à cena no dia seguinte. Os mencionados nomes referem-se aos actores que protagonizaram a estreia absoluta, em Praga, ou seja, senhores (Luigi) Bassi, (Felice) Ponziani, (Antonio) Baglioni e (Giuseppe) Lolli que assumiram, respectivamente, as personagens de Don Giovanni, Leporello, Don Ottavio e Masstto; as senhoras Teresa Saporiti, (Caterina) Bondini e (Caterina) Micelli, respectivamente, as de Donna Anna, Zerlina e Donna Elvira.
Como sabem, o libreto é de Lorenzo Da Ponte. A ter que vos propor uma récita, opto por uma histórica ainda que com alguns problemas de audição. Esta, de facto, é verdadeiramente antológica. Remonta a 27 de Julho de 1953. Estava-se em pleno Festival de Salzburg, tocava a Orquestra Filarmónica de Viena sob a direcção de Wilhelm Furtwängler. Eis o elenco, absolutamente irrepetível:
Don Giovanni- Cesare Siepi
Leporello- Otto Edelmann
Donna Anna- Elisabeth Grümmer
Donna Elvira- Elisabeth Schwarzkopf
Don Ottavio- Anton Dermota
Zerlina- Erna Berger
Masetto- Walter Berry
Commendatore- Raffaele Arié
Boa audição!
http://youtu.be/Jb3SpSOHpv0
Gustave Doré,
espectáculo a redescobrir
espectáculo a redescobrir
Motivado por uma chamada de atenção do Prof. Jose Luis De Moura, eis a reprodução de 14 ilustrações que Gustave Doré (1833-1883) concebeu para O Inferno de A Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321). É imperioso divulgar, cada vez mais, os trabalhos de Gustave Doré, actualmente, tão confinados ao usufruto de quem teve o privilégio de aceder, «em tempo oportuno», a uma obra cuja espectacularidade é paradigmática.
La Divine Comédie illustrée par Gustave Doré (14 fotos)
Richard Wagner,
uma luta menos conhecida
[Transcrição do artigo publicado em 25 de Outubro, na última edição do ‘Jornal de Sintra’]
No ano em que se celebra os duzentos anos do nascimento
de Richard Wagner (1813-1883), compositor acerca de quem tenho escrito vários
artigos no âmbito da minha colaboração no Jornal
de Sintra, mais uma vez me detenho em matéria relativa ao mestre de
Bayreuth, desta vez, acerca de um aspecto menos conhecido das suas
preocupações.
Como hão-de verificar, Incido a minha atenção sobre um
período muito curto. Cumpre, no entanto, desde já, afirmar com toda a
pertinência que, na verdade, em articulação com o episódio a que hoje me
reporto, ao longo de toda a obra wagneriana, podemos encontrar evidentes provas
de uma coerência inequívoca, em especial no que se refere a uma moldura de luta
«avant la lettre» pela defesa do ambiente, considerando as ameaças a que o
homem se sujeita por ter repelido e maltratado a natureza, ideia bem patente,
ainda que implícita, por exemplo, ao longo do “Anel do Nibelungo”.
Antes de me envolver na matéria que pretendo partilhar,
mas muito a propósito do tema, gostaria de lembrar que, em 1849, época do
levantamento de Dresden – em que o revolucionário Wagner combateu tão
denodadamente, ao ponto de ter de se exilar – notava ele, no contexto da
documentação que compilara para a publicação de um manifesto intitulado “Die Kunst und die Revolution” (A Arte
e a Revolução) que, naquela altura, se vivia ”(…) uma secura do coração,
inconciliável com a arte, em relação aos animais, nos quais apenas se valoriza
o aspecto da mercadoria destinada à indústria (…)”.
No referido texto constatará o autor que “(…) A natureza,
a natureza humana vai exprimir a sua lei às duas irmãs, cultura e civilização, propondo que ‘enquanto estiver em vós, vivereis e desabrochareis
mas, a partir do momento em que não estiver em vós, morrereis e encontrareis
aridez’. (…)”
Contra a vivissecação
Então, sem mais demora, entrando directamente no assunto,
passo a recorrer ao “Diário” de sua
mulher, Cosima Liszt Wagner (1837-1930). No dia 31 de Julho de 1879, regista:
“(…) R. (Richard Wagner) recebeu um livro acerca da vivissecação, enviado por
certa senhora de Wiesbaden que, em carta com expressões muito cativantes, roga
a sua ajuda nas diligências contra aquela
barbárie. (…) R. está muito comovido e indignado: se tivesse menos idade ia
parar até pôr em marcha um movimento de protesto. Seria necessário envolver a
religião nesta piedade pelos animais. (…)”
O referido livro era uma brochura intitulada “Folterkammern der Wissenschaft – Eine
Sammlung von Tatsachen für das Laienpublikum” (Câmaras de Tortura da Ciência – Relato de
Factos para o Público Profano). Trata-se de publicação de 1879, com ilustrações
deveras sugestivas, da autoria de Ernst von Weber, militante da causa contra as
experiências em animais nos laboratórios de fisiologia, obra que, além de pretender
desencadear agitação, visava a proibição legal deste tipo de experimentação.
Desde já, para que não restem quaisquer dúvidas, convém
esclarecer que, por vivissecação, se entende qualquer operação feita em animal
vivo com o objectivo de realizar estudo ou experimentação. Pois bem, as
atrocidades relatadas no panfleto de Ernst von Weber tiveram um efeito terrível
em Richard Wagner. “(…) A vivissecação não lhe sai da cabeça (…)”, continua
sua mulher escrevendo no diário, em 1 de Agosto de 1879.
Passada uma semana, o compositor escreve à direcção da
Sociedade Protectora dos Animais de Dresden, citada no livro em questão,
informa-se acerca dos seus estatutos, actividades e projectos “uma vez que ele
próprio e sua família tencionam consagrar todo o empenho possível à associação”.
Até então, o movimento dos adversários das experiências
com animais não tinha suscitado, na Alemanha, qualquer interesse senão em
círculos muito restritos. Portanto, para von Weber, que alguém tão ilustre como
Richard Wagner se interessasse pela sua luta era uma autêntica bênção.
Entretanto, Wagner adere à Associação Protectora dos
Animais de Bayreuth mas, convicto de que tanto esta como todas as congéneres
apenas tinham como objectivo demonstrar a utilidade dos animais para o homem,
pede a von Weber que o considere membro fundador de uma associação com outro
perfil que este projectava fundar, enviando-lhe cem marcos e informando que,
trimestralmente, passaria a remeter-lhe idêntica quantia.
Uma luta pela Natureza
A 16 de Agosto recebe mais correspondência de Dresden,
uma encomenda postal que, entre outras, contém “Leçons de Physiologie Opératoire”, obra de Claude Bernard, o
célebre fisiólogo francês (1813-1878), que lê imediatamente. “(…) De novo, a
vivissecação (…) Ali se revelam verdadeiros horrores; os povos latinos não
demonstram qualquer ponta de piedade enquanto que os ingleses, pelo contrário,
se indignam e reagem com sucesso (…)”, escreve Cosima.
É curioso que, passados quatro dias, tenha escrito uma
carta ao mecenas Luís II, Rei da Baviera (1845-1886), abordando em pormenor o
capítulo daquela obra acerca da vivissecação, e, por ocasião do aniversário do
monarca (25 de Agosto), lhe remetesse alguns panfletos de pendor
anti-vivissecacionista. De acordo com o “Diário”
de Cosima, sabe-se que o Rei manifestou agrado pela remessa mas, infelizmente,
foi impossível encontrar a carta de resposta.
Em 12 de Setembro a família Wagner recebe Ernst von Weber
para jantar na villa Wahnfried. Acabava
ele de regressar de Gotha, onde protagonizara a ruptura com as associações
protectoras dos animais existentes para fundar a ‘Associação Internacional para
a luta contra as torturas científicas sobre animais’.
Profundamente motivado pelo material de propaganda e encorajado
com a visita do militante, Wagner escreve uma carta aberta destinada à
Revista “Bayreuther Blätter” (Folhas de Bayreuth). E, entre 20 de Setembro e
9 de Outubro, esteve de tal maneira envolvido em diligências afins que, em
consequência, negligenciou totalmente a composição de Parsifal,o seu derradeiro drama lírico.
É assim que dá à estampa “Offenes Schreiben an Herrn Ernst
von Weber, Verfasser der Schrift: ‘Die Folterkammern der Wissenschaft’”
(Carta Aberta ao Senhor Ernst Weber, Autor da Obra ‘As Câmaras de Tortura da
Ciência’). Foi com cuidado extremo, em quatorze densas páginas,
que Richard Wagner redigiu a sua tomada de posição sobre
as experiências efectuadas com animais. Por outro lado, além dessa concreta
tarefa, Wagner não deixa de dar mesmo a entender aos seus mais próximos que a
luta em apreço subentendia trabalhos
infindáveis já que estava em causa uma «matéria infinita».
Cabe perguntar, finalmente, até que ponto iria o seu
envolvimento nessa matéria tão cativante, cuja investigação se lhe afigurou tão
importante que se sobrepôs à própria composição de Parsifal que, na altura, lhe solicitava total disponibilidade. Estava, isso sim, a expressar uma dúvida que o
assaltava havia muito tempo relativamente a uma ciência que, abusando
grosseiramente dos animais, punha em causa os mais nobres interesses e valores
da natureza.
sábado, 26 de outubro de 2013
Domenico Scarlatti
26 de Outubro de 1685
26 de Outubro de 1685
Como sabem, 1685 foi o ano maravilha em que nasceram os três gigantes do Barroco, Johann Sebastian Bach, Georg Friedrich Händel e o «nosso» Domenico Scarlatti. Também sabem porque escrevi aquele possessivo entre aspas, razão pela qual me dispenso de entrar em detalhes acerca do aniversariante.
Das mais de quinhentas e cinquenta sonatas que compôs, a maior parte destinaram-se ao cravo, muito menos ao pianoforte e muito poucas ao órgão. Mas também escreveu para outros instrumentos como, por exemplo, estas verdadeiras preciosidades que venho propor-vos. Para Cravo e viola d'Amore, levam os números de catálogo, Kirkpatrick, 77, 78, 79 e 80.
A interpretação das peças, por Valerio Losito (Vd'A) e Andrea Coen é de alto nível, aliás, em instrumentos primorosos.
Boa audição!
http://youtu.be/DtRf9SKk3IM
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Johann Strauss II
25 de Outubro de 1825
Aniversário comemorado com valsas da sua autoria que, subordinadas ao tema das termas, tiveram um tal sucesso que surpreendeu o próprio compositor. Logo me lembrei de Bad Ischl, tão perto de Salzburg. A miniatura da gravação que vos proponho retrata a Kaiservilla daquela localidade.
Boa audição!
25 de Outubro de 1825
Aniversário comemorado com valsas da sua autoria que, subordinadas ao tema das termas, tiveram um tal sucesso que surpreendeu o próprio compositor. Logo me lembrei de Bad Ischl, tão perto de Salzburg. A miniatura da gravação que vos proponho retrata a Kaiservilla daquela localidade.
Boa audição!
Georges Bizet,
25 de Outubro de 1838
25 de Outubro de 1838
Don Procópio é uma ópera cómica em dois actos que Georges Bizet compôs em Roma, em 1858, a partir de libreto de Carlo Cambiaggio. Don Andronico pretende casar Bettina, sua filha, com o amigo Don Procópio, intenção contrariada pelo irmão Ernesto que consegue favorecer o casamento com Odoardo, o homem que ama. Enfim, um argumento deveras original...
Comemorando o aniversário do compositor, aqui vos trago a Serenata, um belo momento da peça, na interpretação Mady Mesplé e Alain Vanzo.
Parade
O rideau de scène de Pablo Picasso
O rideau de scène de Pablo Picasso
Entre 17 de Novembro de 2012 e 18 Março de 2013 o rideau de scène do Bailado 'Parade', que pertence ao acervo do Centre Pompidou de Paris, esteve em exposição no Centre Pompidou de Metz. Ao partilhar a notícia de um evento que já é passado, eis a possibilidade de vos propor o acesso à peça objecto do post de hoje no meu mural do facebook, em comemoração do aniversário de Pablo Picasso. É, tão só, o complemento que se impunha com toda a pertinência.
Pablo Picasso,
25 de Outubro de 1881
25 de Outubro de 1881
Comemorando o seu aniversário, recordemos uma das várias ocasiões em que se envolveu em projectos através dos quais a sua arte se articulava com a música e o bailado. Para o efeito, aí está Parade, bailado com música de Erik Satie e encenação de Jean Cocteau.
Trata-se de obra composta entre 1916 e 1917, para os Ballets Russes de Sergei Diaghilev, que subiu à cena em Paris, a 18 de Maio de 1917 no Théâtre du Chatelet. Pois bem, os figurinos e cenário eram de Pablo Picasso.
No pano de fundo, pintura de grandes dimensões, com cerca de cento e setenta metros, o pintor dispõe um grupo de saltimbancos em desfile, ambiente de festa, com o destaque, à esquerda, de um cavalo alado montado por uma rapariga também alada. Em plano mais distante, uma ruína no meio de um bosque.
Em plena Primeira Guerra mundial, era um universo poético de enorme coragem e subtileza. E ainda vem a propósito registar a curiosidade de o projecto inicial do pintor prever que seria ele próprio a figura representada montando o cavalo…
Proponho que não só acedam à versão da BBC National Orchestra of Wales bem como a um histórico e bem humorado e muito pertinente testemunho do grande Jean Cocteau. É só accionarem, respectivamente, os comandos [I] e [II].
PS:
Permitam uma referência familiar. Também hoje é o aniversário do meu neto Pedro Maria. Nos seus nove anos, já é grande admirador de Picasso e apreciador de boa música. Para ele, muito especial e carinhosamente, este apontamento em que lhe trago mais uma achega para a sua reverência ao génio com o qual está cronológica, artística e emocionalmente relacionado.
http://youtu.be/8wHeR2VFFFs [I] BBC National Orchestra of Wales
http://youtu.be/WATQDqjAOUc [II] Testemunho de Jean Cocteau
Richard Wagner
Tristan und Isolde
Tristan und Isolde
[facebook, 24.10.2013]
Liebestod
Mild und leise
wie er lächelt,
wie das Auge
hold er öffnet
—seht ihr's, Freunde?
Seht ihr's nicht?
Immer lichter
wie er leuchtet,
stern-umstrahlet
hoch sich hebt?
Seht ihr's nicht?
[Inglês]
Softly and gently
how he smiles,
how his eyes
fondly open
—do you see, friends?
do you not see?
how he shines
ever brighter.
Star-haloed
rising higher
Do you not see?
Sem comentários. Deliciem-se!...
[AT: A ordem que se segue não obedece a qualquer hierarquização. De uma coisa podem estar certos: eu jamais misturaria qualquer destas grandes wagnerianas com os epifenómenos que, com a complacência dos directores artísticos e dos públicos ignaros, se atrevem a pisar os mesmos palcos]
http://youtu.be/-YTA_Im-Z-k Gwineth Jones
http://youtu.be/3SA2KsY0ZRI Waltraut Meier
http://youtu.be/uSGbM2jvahY Birgit Nilsson
http://youtu.be/h5tLCnL-Mv4 Edda Moser
http://youtu.be/h5tLCnL-Mv4 Julia Varady
http://youtu.be/kV1_R5MTnn4 Kirsten Flagstadt
http://youtu.be/PyjXlBwpJuQ Hildegard BehrensVer mais
Martha e Daniel
amigos de sempre, para sempre!
amigos de sempre, para sempre!
[facebook, 24.10.2013]
Martha Argerich e Daniel Barenboim, ambos de ascendência judaica e nascidos em Buenos Ayres, há pouco mais de setenta anos, músicos galácticos e pessoas de mão cheia, beneficiaram do mecenato
da Senhora Marquesa de Cadaval no início das suas carreiras. Juntamente com Nelson Freire, Stephen Bishop Kovacevich e a já falecida Jacqueline Du Pré, passaram boas temporadas na Quinta da Piedade (Colares), onde Dona Olga Cadaval tudo lhes proporcionava para estarem como Deus e os anjos.
Dentro de pouco tempo, terão oportunidade de aceder ao testemunho directo desta boa gente, falando acerca da grande Senhora, a quem tanto ficaram a dever. Como tenho vindo a informar, a RTP acabou de adquirir o documentário biográfico em cuja concepção estive envolvido, prevendo-se que a exibição a nível nacional e internacional se inicie rapidamente.
Para já, boa audição!
Dentro de pouco tempo, terão oportunidade de aceder ao testemunho directo desta boa gente, falando acerca da grande Senhora, a quem tanto ficaram a dever. Como tenho vindo a informar, a RTP acabou de adquirir o documentário biográfico em cuja concepção estive envolvido, prevendo-se que a exibição a nível nacional e internacional se inicie rapidamente.
Para já, boa audição!
Um grito para a Eternidade
[facebook, 24.10.2013]
Eis que treze dos mais notáveis tenores dos últimos cem anos cantam o grito vital de Siegmund durante o I Acto de Die Walküre.
Wälse! Wälse!
Wo ist dein Schwert?
Das starke Schwert,
das im Sturm ich schwänge,
bricht mir hervor aus der Brust,
was wütend das Herz noch hegt?
Por ordem cronológica:
1. Lauritz Melchior - Metropolitan Opera, 1940, c. Erich Leinsdorf
2. Max Lorenz - Berlin, 1941
3. Set Svanholm - Met 1954, c. Fritz Stiedry
4. Ramón Vinay - Covent Garden, 1957, c. Rudolf Kempe
5. Wolfgang Windgassen - Bayreuthe 1960, c. Rudolf Kempe
6. Mario del Monaco - Stuttgart 1966, c. Ferdinand Leitner
7. Jon Vickers - Salzburg Festival 1967, c. Herbert von Karajan
8. James King - Bayreuth 1969, c. Lorin Maazel
9. Jess Thomas - San Francisco Opera 1972, c. Otmar Suitner
10. Peter Hofmann - Bayreuth 1978, c. Pierre Boulez
11. Siegfried Jerusalem - Bayreuth 1983, c. Georg Solti
12. Plácido Domingo - Metropolitan Opera 1997, c. James Levine
13. Robert Dean Smith - Bayreuth 2001, c. Adam Fischer
Ouçam mesmo o essencial. E que, a si próprio, cada um faça o favor de não se deixar armadilhar por pormenores, perfeitamente despiciendos, decorrentes das deficientes características de algumas das gravações, em que, habitualmente, se enredam os papalvos.
Na realidade, quem sabe alguma coisa de canto lírico e está habituado a avaliar vozes, consegue perceber, sem grande dificuldade, onde existe e donde está ausente a qualidade vocal
Pouco habituados à superior qualidade dos tenores wagnerianos de algumas décadas atrás, confundem-se alguns precipitados «melómanos» dos nossos dias. Incapazes de distinguir o trigo do joio, alimentam a fama de uma incalculável série de epifenómenos cantantes, que pisam os palcos das melhores casas de ópera, que, mais tarde ou mais cedo, hão-de arder Di quella pira l'orrendo foco...
Façam o vosso exercício de comparação. Se quiserem, o espaço fica disponível para manifestarem as vossas impressões.
Boa audição!
http://youtu.be/zKlgIhERPCU
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Quinta-feira,
Dia de caça com Johann Sebastian Bach
Dia de caça com Johann Sebastian Bach
Tenho vários amigos caçadores, alguns dos quais, também melómanos, conhecem a peça que hoje pretendo partilhar, não só com eles mas também com todos os que gostam e sabem apreciar a música de Bach. Portanto. Em dia de caça, uma das excelentes Cantatas Profanas do grande mestre.
A Cantata BWV 208, Was mir behagt, ist nur die muntre Jagd, a designada Cantata da Caça, foi composta em 1713, no âmbito das suas funções como organista em Weimar, ainda que para a vizinha corte de Weissenfels, cujo príncipe, Christian, era um entusiasta da caça.
Salomo Franck, secretário consistorial de Weimar e libretista de muitas das cantatas de Bach, é o autor do texto desta peça que também fez parte da celebração do trigésimo quinto aniversário do príncipe.
Resumidamente, estamos na presença de quatro personagens: Diana (soprano), Endymion (tenor), Palas (soprano II) e Pan (barítono). Endymion, amante de Diana, queixa-se de ela não lhe dar a devida atenção em consequência do excesso das caçadas. Contudo, quando percebe que tudo era em honra de Christian, Endymion não mais se lamenta e junta-se a Diana numa canção de louvor. Tanto Pan, deus dos campos como Palas, deusa dos pastores, igualmente se lhes juntam. Então os atributos de Pan são transferidos para Christian enquanto uma série de temas são cantados até que todos se unem nos Coros [11] Lehe, Sonne dieser Erden (Longa vida ao Sol desta Terra) e [15] Ihr lielichste Blicke, ihr freudige Stunden ( Ah, amenos momentos! Oh, horas de prazer!).
A música das diferentes árias é um encanto. A ária para soprano [9] Schaffe können sicher weiden (Os carneiros podem pastar à vontade) atingiu uma popularidade absolutamente extraordinária. Igualmente, hão-de reparar que a ária [13], também para soprano, Weil die wollenreichen Herden (Enquanto cresce a lã do rebanho) termina com um ritornello, circunstância que sugere uma pausa de dança. Por outro lado, toda a cantata evolui com motivos de caça, emprestando à obra uma evidente continuidade formal.
Eis os detalhes da peça para uma audição mais cuidada:
00:00 1. Recitativo (Soprano 1)
Was mir behagt, ist nur die muntre Jagd!
00:34 2. Aria (Soprano 1)
Jagen ist die Lust der Götter
02:25 3. Recitatif (Tenor)
Wie? schönste Göttin? wie?
03:38 4. Aria (Tenor)
Willst du dich nicht mehr ergötzen
08:23 5. Recitativo (Soprano 1, Tenor)
Ich liebe dich zwar noch!
10:43 6. Recitativo (Barítono)
Ich, der ich sonst ein Gott
11:20 7. Aria (Barítono)
Ein Fürst ist seines Landes Pan!
13:54 8. Recitativo (Soprano 2)
Soll denn der Pales Opfer hier das letzte sein?
14:31 9. Aria (Soprano 2)
Schafe können sicher weiden
19:28 10. Recitativo (Soprano 1)
So stimmt mit ein
19:40 11. Coro
Lebe, Sonne dieser Erden
22:54 12. Aria (Soprano 1, Tenor)
Entzücket uns beide, ihr Strahlen der Freude
24:54 13. Aria (Soprano 2)
Weil die wollenreichen Herden
26:43 14. Aria (Barítono)
Ihr Felder und Auen
30:03 15. Coro
Ihr lieblichste Blicke, ihr freudige Stunden
PS:
Aos «mais sensíveis», incluido militantes da fracturante perseguição aos malvados caçadores, gostaria de lembrar que a caça – também – pode ser encarada como a necessária e saudável prática venatória afim da manutenção de um equilíbrio ecológico sempre muito difícil de alcançar. Tenho amigos caçadores civilizadíssimos, amantes dos animais, respeitadores dos direitos dos animais, cuja paixão, de modo algum, os isenta desta perspectiva.
A propósito, deixem que recorde, com imensa saudade, João de Noronha Galvão Oliveira Martins (tio de Guilherme, actual Presidente do Tribunal de Contas) grande amigo e íntimo da família dos meus sogros, a quem devo uma aprendizagem muito sofisticada das boas coisas da vida, cultivando o melhor convívio, no contexto de irrepreensíveis princípios de educação. Era um grande caçador e, naturalmente, um contador de histórias, num português impecável, que tenho sempre presente, como paradigma. Também em sua memória estes excelentes momentos musicais.
Boa audição!
http://youtu.be/yc_btdk-_d4
A gravação que ouvireis, a todos os títulos recomendável, conta com interpretações de alto nível: Vozes femininas, Yvonne Kenny e Angela Maria Blasi; Tenor, Kurt Equiluz; Barítono, Robert Holl. Coro Arnold Schönberg, Concentus Musicus Wien, direcção de Nikolaus Harnoncourt
Mozart,
Missa em Sol menor KV.427
Missa em Sol menor KV.427
23 de Outubro de 1783. Wolfgang volta a Salzburg. Consigo vai Constanze, sua mulher que será apresentada à família, aos amigos, à cidade. De acordo com uma carta que, datada de Viena, remete ao pai em 4 de Janeiro daquele ano, esta Missa terá funcionado para o compositor, precisamente, como acção de graças pelo casamento.
Faz hoje 230 anos, ensaiava-se esta obra na igreja de São Pedro, em Salzburg. Igreja de São Pedro que, mais uma vez o recordo, escapava à jurisdição do Príncipe Arcebispo Conde de Coloredo, com quem se tinha incompatibilizado. Como principal destinatária e priviligiada intérprete, Constanze. Nem mais nem menos, num destaque de primeiríssima ordem.
É com particular emoção, deixem que o expresse - porque a igreja abacial de São Pedro, em Salzburg, para mim, é um lugar de «grande encontro» - que penso em Amadé, nos seus vinte e sete anos, naquela quinta-feira, dirigindo os ensaios da Missa que se cantaria no domingo seguinte, dia 26.
«Muitas vezes», ali tenho escutado os ecos da voz de Constanze, neste Kyrie que, da maneira possível, convosco partilho.
Agora, canta Arlene Auger. Leonard Bernstein dirige o Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera.
Boa audição!
http://youtu.be/GUtLXacCT5M
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Mafra, 22 de Outubro de 1730
Cerimonial da Sagração da Basílica
Preparem-se para uma leitura algo longa mas de extremo benefício. É uma página muito esclarecedora dos tempos Joaninos. Naquele dia, D. João V, nascido aos 22 de Outubro de 1689, fazia quarenta e um anos. Vale a pena o «investimento» que vos proponho. É com o maior gosto que, por obrigação das cláusulas relativas a direitos de autor, esclareço ser este texto transcrito de “Monumento Mafra Virtual”.
Não deixem de aceder à gravação que, no final da leitura, vos proponho. Trata-se de um concerto com os seis órgãos da Basílica que, aproveito a oportunidade para recordar, se repete todos os primeiros domingos de cada mês.
Boa leitura!
Boa audição!
"No dia 18 de Outubro de 1730, chegaram a Mafra os cardeais da Cunha e da Mota, os bispos de Leiria, Portalegre, Pará e Nanquim, em coches de aparato, seguidos de larga criadagem e de muitas azémolas carregadas e cobertas com reposteiros bordados.
A 19 chegaram o rei, o príncipe do Brasil, Dom José, e o infante Dom António, em coches sumptuosos, acompanhados pelos criados da casa real. A 20, entrou na vila o Patriarca num coche riquíssimo, ao qual seguiam o de estado e mais quatro com os seus criados.
No dia 21, de manhã, o deão da Sé Patriarcal, revestido de capa de asperges e com mitra encarnada, ante o rei e a família real, realizou a benzedura dos paramentos e das peças litúrgicas, assim como dos painéis dos altares laterais. A seguir, benzeu o convento com todas as suas dependências - noviciado, refeitórios, dormitórios, celas, etc.
À tarde na capela do Hospício, fizeram os arrábidos, com a presença do rei e da corte, as vésperas da dedicação da Basílica, às quais se seguiu uma procissão até à mesma; ao seu desfile assistiu o rei e a família real da varanda De Benedictione.
À noite, numa sala do palácio régio armada em capela, sigilou o patriarca as relíquias dos apóstolos e evangelistas que no dia seguinte devia colocar no altar mor. Depois, cantaram-se as matinas dos apóstolos, com a presença do rei e da família real, que a seguir foram ouvir as do Hospício, cantadas desde a meia noite até às três horas da madrugada. Este diligentíssimo e fervoroso zelo devoto do monarca deu provas de admirável resistência durante os oito dias seguintes.
No dia 22, o primeiro da sagração, as funções religiosas começaram às 7 horas da manhã e só às 3 da madrugada tiveram fecho.
No terreiro, cortado por uma rua toldada com panos de brim para passar a procissão, postou-se em forma, às 5 horas da manhã, a tropa, composta de cavalaria e infantaria. Às 6 horas ingressaram os frades no seu convento, onde já estava o rei com os príncipes, os quais assistiram à missa rezada na sala De Benedictione, depois da qual João V deu beija-mão à corte por ser esse dia o seu natalício. Pelas 7 horas chegaram a rainha, a princesa, os infantes Dom Pedro e Dom Francisco. Daí a meia hora surgiu a procissão, debaixo de cujo pálio ia o Patriarca com magnífico pluvial branco e mitra recamada de pedras preciosas, seguido pelo rei, pelas altezas e pelos fidalgos da corte, cobertos de galas custosas, à compita. Primeiro, o Patriarca deu beija-mão; depois, cantadas uma Antífona e a Ladainha de Todos os Santos, benzeu o sal e a água.
Enquanto fez a aspersão em si próprio, nas pessoas reais, nos eclesiásticos e no povo, cantou-se a antífona Asperges Me.
A disposição do vestíbulo, cujo pavimento estava alcatifado, era esta: à esquerda, sobre quatro degraus, o trono patriarcal com cadeira e dossel de tela branca e o do rei e das altezas com cadeiras e dossel de veludo carmesim guarnecido de ouro. Defronte, encostados aos arcos, bancos de espaldares, cobertos de razes, para os cónegos e bancos rasos, cobertos também de razes, para os beneficiados. Ao fundo, do lado meridional, a tribuna da rainha, da princesa do Brasil e das suas damas. À direita uma credência com varias peças: caldeirinha, hissope, aspersórios, jarros e pratos, de prata dourada, e sal moído; sobre um escabelo um grande vaso de prata, em concha, com água. Junto dos degraus da porta e sobre uma credência ficava o cerimonial e defronte, o faldistório.
Findo o sobredito acto, ordenou-se novamente a procissão, levando cada beneficiado um castiçal com vela acesa. Durante o rodeio da Basílica aspergiu o Patriarca as suas paredes com água benta. Chegado à porta nela bateu o mesmo três vezes com o báculo dizendo: Attolite portas principes vestras... ao que o diácono do interior respondeu: Quis est iste Rex gloriae? Retorquiu o Patriarca: Dominus fortis et potens in praelio.
Por mais duas vezes andou a procissão à volta da igreja e bateu à sua porta o patriarca. À terceira, porém, respondeu ele e todo o clero: Dominus virtutum ipse est Rex Gloriae, dizendo depois em triplicado Aperite. Então se abriu a porta. Antes do ingresso fez o Patriarca unia cruz com o báculo acompanhada da frase: Ecce crucis signum, fugiant fantasmata cuncta.
Pela nave estavam distribuídos, a distâncias iguais e formando cruz, montículos de cinza, sobre os quais o Patriarca gravou os alfabetos grego e latino, com as letras recortadas em papelão, com o báculo.
Na capela mor estavam dois tronos, à esquerda, um para o rei e a rainha, o outro para o Patriarca. Fronteiras, do lado da Epístola, ficavam duas grandes credências - uma com incenso em grão e moído, e sal, em pratos de prata dourada, aspersórios, uma garrafa de prata com vinho branco, duas bandejas com cal e pó de pedra, outra vazia para nela se fazer a argamassa, pratos de prata com o avental para o patriarca, toalhas para limpar o altar e três velas pequenas, uma taça de prata para a água benta, algodão para limpar os óleos das sagrações; a outra com os castiçais do altar, turíbulos e navetas, caldeirinhas e hissopes de prata, tudo disposto segundo as rubricas do pontifical romano.
Chegado ao altar mor o Patriarca benzeu a água, a cinza, o vinho e o sal, desceu depois até à porta da basílica e nela com o báculo riscou duas cruzes. Voltando ao altar mor por sete vezes o rodeou enquanto cantava o Salmo Miserere e o aspergia de água benta. Passou depois a rodear três vezes a basílica, como fizera no exterior, aspergindo-lhe as paredes com a dita água. Aspergiu também o pavimento, em cruz, desde o altar mor até à porta.
Cantada a antífona Vidit Jacob, de novo aspergiu o chão e o ar, lançando a água na direcção das quatro partes do mundo. A seguir, pôs o avental e fez o cimento. [....]
Em todos estes oito dias os serviços começavam às 8 horas da manhã e acabavam às 3 da madrugada, com permanente assistência do rei, da família real e da corte, que comiam nas tribunas da igreja, largas como quartos.
Com tão extenuante e contínuo sacrifício sua majestade garantiu à sua alma a bemaventurança eterna.
Eram 7.30 horas, retirou-se para descansar, mas o rei continuou firme no seu posto. Àquela hora entraram no coro os frades para cantar Sexta e Noa. depois do que passaram ao Refeitório (não era sem tempo) seguidos pelas pessoas reais e pela corte. Aí a iluminação era feita por trinta candeeiros de latão de quatro lumes cada um. Antes de se sentarem. cantaram a benção da mesa. Quando sentados, entoou o leitor o primeiro ponto de leitura oportuna, depois do qual o provincial deu o sinal para se servir. Então se viu um espectáculo tanto mais admirável e assombroso de piedosa humildade quão menos esperado. O rei, o príncipe Dom José e o infante Dom António, depostos chapéus e espadins, começaram a servir os frades, conduzindo os pratos em tábuas redondas apropriadas. À ordem régia, para rápido despacho do serviço, imitaram-nos os camaristas de João V: os marqueses de Cascais e do Alegrete, os condes de Assumar, de Aveiras. de São Miguel e de Povolide. Isto causou grande perturbação nos espíritos dos frades, pois ao abatimento da soberania em tão grande acto de humildade se juntava o da mortificação no distribuir tantos pratos, porque eram 320 os convivas.
Acabado o repasto, voltou a comunidade ao coro, cujos cadeirais tinham sido colocados durante esse intervalo, apesar de tal trabalho, a que deu seguro despacho o engenho do italiano Tadeu Luís, mestre da carpintaria, ser considerado quase impossível. Neles também se sentaram as pessoas reais. E aí, em descanso, estiveram todos desde as 9 às 11 horas, que este foi o tempo gasto por Frei Fernando da Soledade, ilustre cronista franciscano da Província de Portugal, com o seu erudito e substancioso sermão, alumiado por trezentas e vinte velas. Seguiram-se ao mesmo as Vésperas da dedicação da Basílica e, depois, as Completas. À função, porém, ainda faltava o coroamento, que lhe foi dado pelas Matinas de São João Capistrano, cantadas pela comunidade desde a meia hora às três da madrugada. Só então o rei e os seus familiares regressaram ao palácio para dormir.
Se com tão resistente e aferrada devoção não ganhou o céu foi por ser excessivo o peso dos seus pecados.
Todas estas cerimónias as acompanhou atentamente o rei por um pontifical romano, verificando, como entendido na matéria, que não lhe faltava um gesto, uma palavra.
Posto isto, formou-se novamente a procissão para ir buscar à capela do palácio as relíquias lá depositadas. Assentes estas pelo Patriarca em andor próprio, outra volta à igreja executou o préstito. Depois, todos a postos nos seus lugares, pronunciou o Patriarca uma elegante e piedosa prática acerca das excelências dos templos sagrados, lembrando ao rei, como fundador deste, a obrigação de o dotar a preceito para sua conservação e para subsistência dos seus ministros, os bons frades arrábidos, e lembrando a estes o dever de rogar a Deus pela saúde e pelo feliz aumento de sua Majestade. Pelo visto, a diplomacia eclesiástica era deveras engenhosa. Tal prática foi a meio interrompida pelo primeiro diácono com a leitura adequada de dois decretos do concílio tridentino, os quais proibiam, sob graves penas, defraudar os bens eclesiásticos e ordenavam o pagamento dos dízimos à Igreja.
De sobejo se patenteia quão hábeis e bons estratégicos eram os humildes fradinhos. Respeitosa. submissamente, o rei de pé ouviu toda a pia exortação.
Fez-se, depois, o benzimento do altar mor, acto de grande complexidade de cerimónias: antífonas, salmos, unções de óleos santos, aspersões de água benta, incensações. etc. Sagrou, também, o patriarca, as cruzes do altar mor, do cruzeiro e da nave, e no meio do altar meteu uma caixa de prata dourada com as relíquias dos apóstolos.
Eram cinco horas da tarde quando acabou esta parte da sagração. Mas ninguém arredava de cansado. Começou, então, a Missa de Pontifical, que foi cantada com extraordinária imponência, quer pelo precioso dos paramentos quer pela qualidade de sacerdotes e qualidade dos cantores. Estes eram os da Patriarcal, vindos de Roma por escolha. O acompanhamento musical era feito pelos seis órgãos. No exterior, os sinos das torres repicavam estrondosamente.
No seu final, o Patriarca subiu à varanda De Benedictione e daí lançou ao povo, que enchia o terreiro, a bênção."
*************
http://youtu.be/-H1AfzqHCTA
Cerimonial da Sagração da Basílica
Preparem-se para uma leitura algo longa mas de extremo benefício. É uma página muito esclarecedora dos tempos Joaninos. Naquele dia, D. João V, nascido aos 22 de Outubro de 1689, fazia quarenta e um anos. Vale a pena o «investimento» que vos proponho. É com o maior gosto que, por obrigação das cláusulas relativas a direitos de autor, esclareço ser este texto transcrito de “Monumento Mafra Virtual”.
Não deixem de aceder à gravação que, no final da leitura, vos proponho. Trata-se de um concerto com os seis órgãos da Basílica que, aproveito a oportunidade para recordar, se repete todos os primeiros domingos de cada mês.
Boa leitura!
Boa audição!
"No dia 18 de Outubro de 1730, chegaram a Mafra os cardeais da Cunha e da Mota, os bispos de Leiria, Portalegre, Pará e Nanquim, em coches de aparato, seguidos de larga criadagem e de muitas azémolas carregadas e cobertas com reposteiros bordados.
A 19 chegaram o rei, o príncipe do Brasil, Dom José, e o infante Dom António, em coches sumptuosos, acompanhados pelos criados da casa real. A 20, entrou na vila o Patriarca num coche riquíssimo, ao qual seguiam o de estado e mais quatro com os seus criados.
No dia 21, de manhã, o deão da Sé Patriarcal, revestido de capa de asperges e com mitra encarnada, ante o rei e a família real, realizou a benzedura dos paramentos e das peças litúrgicas, assim como dos painéis dos altares laterais. A seguir, benzeu o convento com todas as suas dependências - noviciado, refeitórios, dormitórios, celas, etc.
À tarde na capela do Hospício, fizeram os arrábidos, com a presença do rei e da corte, as vésperas da dedicação da Basílica, às quais se seguiu uma procissão até à mesma; ao seu desfile assistiu o rei e a família real da varanda De Benedictione.
À noite, numa sala do palácio régio armada em capela, sigilou o patriarca as relíquias dos apóstolos e evangelistas que no dia seguinte devia colocar no altar mor. Depois, cantaram-se as matinas dos apóstolos, com a presença do rei e da família real, que a seguir foram ouvir as do Hospício, cantadas desde a meia noite até às três horas da madrugada. Este diligentíssimo e fervoroso zelo devoto do monarca deu provas de admirável resistência durante os oito dias seguintes.
No dia 22, o primeiro da sagração, as funções religiosas começaram às 7 horas da manhã e só às 3 da madrugada tiveram fecho.
No terreiro, cortado por uma rua toldada com panos de brim para passar a procissão, postou-se em forma, às 5 horas da manhã, a tropa, composta de cavalaria e infantaria. Às 6 horas ingressaram os frades no seu convento, onde já estava o rei com os príncipes, os quais assistiram à missa rezada na sala De Benedictione, depois da qual João V deu beija-mão à corte por ser esse dia o seu natalício. Pelas 7 horas chegaram a rainha, a princesa, os infantes Dom Pedro e Dom Francisco. Daí a meia hora surgiu a procissão, debaixo de cujo pálio ia o Patriarca com magnífico pluvial branco e mitra recamada de pedras preciosas, seguido pelo rei, pelas altezas e pelos fidalgos da corte, cobertos de galas custosas, à compita. Primeiro, o Patriarca deu beija-mão; depois, cantadas uma Antífona e a Ladainha de Todos os Santos, benzeu o sal e a água.
Enquanto fez a aspersão em si próprio, nas pessoas reais, nos eclesiásticos e no povo, cantou-se a antífona Asperges Me.
A disposição do vestíbulo, cujo pavimento estava alcatifado, era esta: à esquerda, sobre quatro degraus, o trono patriarcal com cadeira e dossel de tela branca e o do rei e das altezas com cadeiras e dossel de veludo carmesim guarnecido de ouro. Defronte, encostados aos arcos, bancos de espaldares, cobertos de razes, para os cónegos e bancos rasos, cobertos também de razes, para os beneficiados. Ao fundo, do lado meridional, a tribuna da rainha, da princesa do Brasil e das suas damas. À direita uma credência com varias peças: caldeirinha, hissope, aspersórios, jarros e pratos, de prata dourada, e sal moído; sobre um escabelo um grande vaso de prata, em concha, com água. Junto dos degraus da porta e sobre uma credência ficava o cerimonial e defronte, o faldistório.
Findo o sobredito acto, ordenou-se novamente a procissão, levando cada beneficiado um castiçal com vela acesa. Durante o rodeio da Basílica aspergiu o Patriarca as suas paredes com água benta. Chegado à porta nela bateu o mesmo três vezes com o báculo dizendo: Attolite portas principes vestras... ao que o diácono do interior respondeu: Quis est iste Rex gloriae? Retorquiu o Patriarca: Dominus fortis et potens in praelio.
Por mais duas vezes andou a procissão à volta da igreja e bateu à sua porta o patriarca. À terceira, porém, respondeu ele e todo o clero: Dominus virtutum ipse est Rex Gloriae, dizendo depois em triplicado Aperite. Então se abriu a porta. Antes do ingresso fez o Patriarca unia cruz com o báculo acompanhada da frase: Ecce crucis signum, fugiant fantasmata cuncta.
Pela nave estavam distribuídos, a distâncias iguais e formando cruz, montículos de cinza, sobre os quais o Patriarca gravou os alfabetos grego e latino, com as letras recortadas em papelão, com o báculo.
Na capela mor estavam dois tronos, à esquerda, um para o rei e a rainha, o outro para o Patriarca. Fronteiras, do lado da Epístola, ficavam duas grandes credências - uma com incenso em grão e moído, e sal, em pratos de prata dourada, aspersórios, uma garrafa de prata com vinho branco, duas bandejas com cal e pó de pedra, outra vazia para nela se fazer a argamassa, pratos de prata com o avental para o patriarca, toalhas para limpar o altar e três velas pequenas, uma taça de prata para a água benta, algodão para limpar os óleos das sagrações; a outra com os castiçais do altar, turíbulos e navetas, caldeirinhas e hissopes de prata, tudo disposto segundo as rubricas do pontifical romano.
Chegado ao altar mor o Patriarca benzeu a água, a cinza, o vinho e o sal, desceu depois até à porta da basílica e nela com o báculo riscou duas cruzes. Voltando ao altar mor por sete vezes o rodeou enquanto cantava o Salmo Miserere e o aspergia de água benta. Passou depois a rodear três vezes a basílica, como fizera no exterior, aspergindo-lhe as paredes com a dita água. Aspergiu também o pavimento, em cruz, desde o altar mor até à porta.
Cantada a antífona Vidit Jacob, de novo aspergiu o chão e o ar, lançando a água na direcção das quatro partes do mundo. A seguir, pôs o avental e fez o cimento. [....]
Em todos estes oito dias os serviços começavam às 8 horas da manhã e acabavam às 3 da madrugada, com permanente assistência do rei, da família real e da corte, que comiam nas tribunas da igreja, largas como quartos.
Com tão extenuante e contínuo sacrifício sua majestade garantiu à sua alma a bemaventurança eterna.
Eram 7.30 horas, retirou-se para descansar, mas o rei continuou firme no seu posto. Àquela hora entraram no coro os frades para cantar Sexta e Noa. depois do que passaram ao Refeitório (não era sem tempo) seguidos pelas pessoas reais e pela corte. Aí a iluminação era feita por trinta candeeiros de latão de quatro lumes cada um. Antes de se sentarem. cantaram a benção da mesa. Quando sentados, entoou o leitor o primeiro ponto de leitura oportuna, depois do qual o provincial deu o sinal para se servir. Então se viu um espectáculo tanto mais admirável e assombroso de piedosa humildade quão menos esperado. O rei, o príncipe Dom José e o infante Dom António, depostos chapéus e espadins, começaram a servir os frades, conduzindo os pratos em tábuas redondas apropriadas. À ordem régia, para rápido despacho do serviço, imitaram-nos os camaristas de João V: os marqueses de Cascais e do Alegrete, os condes de Assumar, de Aveiras. de São Miguel e de Povolide. Isto causou grande perturbação nos espíritos dos frades, pois ao abatimento da soberania em tão grande acto de humildade se juntava o da mortificação no distribuir tantos pratos, porque eram 320 os convivas.
Acabado o repasto, voltou a comunidade ao coro, cujos cadeirais tinham sido colocados durante esse intervalo, apesar de tal trabalho, a que deu seguro despacho o engenho do italiano Tadeu Luís, mestre da carpintaria, ser considerado quase impossível. Neles também se sentaram as pessoas reais. E aí, em descanso, estiveram todos desde as 9 às 11 horas, que este foi o tempo gasto por Frei Fernando da Soledade, ilustre cronista franciscano da Província de Portugal, com o seu erudito e substancioso sermão, alumiado por trezentas e vinte velas. Seguiram-se ao mesmo as Vésperas da dedicação da Basílica e, depois, as Completas. À função, porém, ainda faltava o coroamento, que lhe foi dado pelas Matinas de São João Capistrano, cantadas pela comunidade desde a meia hora às três da madrugada. Só então o rei e os seus familiares regressaram ao palácio para dormir.
Se com tão resistente e aferrada devoção não ganhou o céu foi por ser excessivo o peso dos seus pecados.
Todas estas cerimónias as acompanhou atentamente o rei por um pontifical romano, verificando, como entendido na matéria, que não lhe faltava um gesto, uma palavra.
Posto isto, formou-se novamente a procissão para ir buscar à capela do palácio as relíquias lá depositadas. Assentes estas pelo Patriarca em andor próprio, outra volta à igreja executou o préstito. Depois, todos a postos nos seus lugares, pronunciou o Patriarca uma elegante e piedosa prática acerca das excelências dos templos sagrados, lembrando ao rei, como fundador deste, a obrigação de o dotar a preceito para sua conservação e para subsistência dos seus ministros, os bons frades arrábidos, e lembrando a estes o dever de rogar a Deus pela saúde e pelo feliz aumento de sua Majestade. Pelo visto, a diplomacia eclesiástica era deveras engenhosa. Tal prática foi a meio interrompida pelo primeiro diácono com a leitura adequada de dois decretos do concílio tridentino, os quais proibiam, sob graves penas, defraudar os bens eclesiásticos e ordenavam o pagamento dos dízimos à Igreja.
De sobejo se patenteia quão hábeis e bons estratégicos eram os humildes fradinhos. Respeitosa. submissamente, o rei de pé ouviu toda a pia exortação.
Fez-se, depois, o benzimento do altar mor, acto de grande complexidade de cerimónias: antífonas, salmos, unções de óleos santos, aspersões de água benta, incensações. etc. Sagrou, também, o patriarca, as cruzes do altar mor, do cruzeiro e da nave, e no meio do altar meteu uma caixa de prata dourada com as relíquias dos apóstolos.
Eram cinco horas da tarde quando acabou esta parte da sagração. Mas ninguém arredava de cansado. Começou, então, a Missa de Pontifical, que foi cantada com extraordinária imponência, quer pelo precioso dos paramentos quer pela qualidade de sacerdotes e qualidade dos cantores. Estes eram os da Patriarcal, vindos de Roma por escolha. O acompanhamento musical era feito pelos seis órgãos. No exterior, os sinos das torres repicavam estrondosamente.
No seu final, o Patriarca subiu à varanda De Benedictione e daí lançou ao povo, que enchia o terreiro, a bênção."
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http://youtu.be/-H1AfzqHCTA
Socialistas?
Socia.....quê?
Tal como cá, muita dessa gente que, em França, se afirma socialista, não passa de inscrita no PS. Tão somente isso. Cidadãos que, pelo facto de estarem inscritos no PS, não adquirem, ipso facto, a condição de socialistas. Serão, isso sim, militantes (??) de uma treta que envergonha a esquerda. Os que se afirmam e são consequentes socialistas, esses, mantêm-se numa distância e reserva de pudor de alinhar com o partido dito socialista.
Um democrata, seja de direita ou de esquerda, não contemporiza com vergonhas destas. Um socialista não subscreve e, muito menos, promove tais episódios. E a verdade é que existem muitos socialistas, do mesmo lado de uma barricada que acolhe tantos que assim pensam, reduto que não está confinado ao lugar geométrico da cabeça de cada um.
Socia.....quê?
Tal como cá, muita dessa gente que, em França, se afirma socialista, não passa de inscrita no PS. Tão somente isso. Cidadãos que, pelo facto de estarem inscritos no PS, não adquirem, ipso facto, a condição de socialistas. Serão, isso sim, militantes (??) de uma treta que envergonha a esquerda. Os que se afirmam e são consequentes socialistas, esses, mantêm-se numa distância e reserva de pudor de alinhar com o partido dito socialista.
Um democrata, seja de direita ou de esquerda, não contemporiza com vergonhas destas. Um socialista não subscreve e, muito menos, promove tais episódios. E a verdade é que existem muitos socialistas, do mesmo lado de uma barricada que acolhe tantos que assim pensam, reduto que não está confinado ao lugar geométrico da cabeça de cada um.
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