Santa Eufémia,
património ameaçado*
Não admira que o deslumbrante terraço de Santa Eufémia venha atraindo sucessivas gerações das gentes de Sintra e de muitos forasteiros que, bem informados, não se dão ao luxo da perda de o privilégio de um dos mais espantosos panoramas deste sudoeste europeu, tão periférico, tão especialmente marcado pela serra a derramar-se sobre a foz do rio e a entrar pelo mar dentro.
Santa Eufémia, lugar propício que é à celebração da Beleza e de acesso ao divino, tem a telúrica força das alturas montanhosas, que concitam o favor dos deuses desde as mais remotas eras. Recolhimento e meditação, espaço de romaria religiosa e de alegre convívio, lendário sítio procurado por pares de namorados e terreiro para familiares merendeiros, eis as marcas de Santa Eufémia, inequívocos sinais de um património real e espiritual de Sintra, cuja preservação, sob todos os aspectos, deveria merecer especial atenção.
Neste contexto, muito mal se compreende que, ao longo dos últimos trinta anos, o terreiro venha sendo descaracterizado, em consequência daquilo que designaria como sucessivas campanhas de desgaste, retirando-lhe nobreza e dignidade, instalando-se os famigerados adereços da proverbial cultura do desleixo sintrense, ou seja, construções degradadas, falta de limpeza, etc.
Mais recentemente, a construção de um acesso à Pousada da Juventude, em sentido único descendente, precisamente a partir do terreiro, esconde a inexplicável decisão de fazer atravessar aquilo que, afinal, é um santuário, pela continuação da estrada vinda de São Pedro. Não dá para acreditar mas, felizmente, é coisa facilmente remediável.
Indubitavelmente, lugar de tão especiais e densas memórias, suscita a necessidade de uma intervenção dos cidadãos, da Câmara Municipal e Junta de Freguesia, da paróquia local e da diocese, em concertada e integrada atitude de defesa do inquestionável património, ali adossado ao Parque da Pena, onde, para nosso regozijo, tanta coisa excelente está acontecendo no domínio da recuperação de bens patrimoniais.
Para já, porque não aceitam o desafio de uma caminhada até Santa Eufémia, no próximo dia 1 de Maio? Provavelmente, muitos dos mais jovens, desconhecem ser esta uma data em que, tradicionalmente, as gentes de Sintra demandam o lugar. Tanto quanto sei, haverá missa às onze da manhã - nesta data, a Igreja também comemora São José Operário - e, depois, certamente, ocasião para franco e informal convívio.
*Pouco alterado, trata-se do texto publicado pelo Jornal de Sintra em 01.05.09