[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014



Concerto Gulbenkian
27 de Fevereiro de 2014

Orquestra Gulbenkian
Pedro Neves, Maestro


Hoje vamos matar saudades de Luís de Freitas Branco, compositor a quem dedico a máxima estima. À minha modesta medida, já que nada se nota da lusa actividade diplomática no mundo cultural austríaco, tenho divulgado a obra de Luís de Freitas Branco e de José Manuel Joly de Braga Santos, junto dos meus amigos de Salzburg.

Não queiram saber o espanto que me têm devolvido depois de ouvirem as sinfonias de ambos... Compreenderão que tal sucesso é logo mitigado pela tristeza imensa que sinto por o próprio Estado Português ter e manter uma atitude tão criticável de ignorar os grandes valores culturais nacionais. Promover o Ronaldo, sim senhor, como exemplo do que quiserem mas, por favor, não ficar por aí...

Então, o concerto desta noite. De Luís de Freitas Branco, teremos, primeiramente, Paraísos Artificiais, um poema sinfónico inspirado pela leitura de Confessions of an English Opium Eater de Thomas Quincy e, de seguida, a Sinfonia No. 2 em Si bemol menor, com os seguintes andamentos: I. Andante - Allegro; II. Andantino con moto; III. Allegro vivace; IV. Adagio-Allegro.

Na segunda parte do concerto assistiremos à première mundial do Concerto para Clarinete e Orquestra de Sérgio Azevedo, tendo Esther Georgie - a grande Esther Georgie - como solista.

Aí têm, à guisa de preparação, as obras de LFB, a primeira sem dados e a segunda numa interpretação da RTE sob a direcção do maestro Álvaro Cassuto.


Boa audição!


http://youtu.be/HKUtDsqu3Jo   [Paraísos Artificiais]
http://youtu.be/bQQNEIbajYY  [Sinfonia No. 2
 
 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014



Giuseppe Tartini


Pirano, 8 de Abril de 1692 - Padova, 26 de Fevereiro de 1770


Comemorando a efeméride da morte de um dos artistas que, na História da Música ocidental, mais vida dedicou ao violino em todas as vertentes, como intérprete,
pedagogo e compositor, aqui têm uma das suas obras mais famosas.

Não, não se trata da Sonata em Sol menor, Il Trillo del Diavolo. Se o fizesse cairia no habitual cliché, de que me afasto a sete pés, não que não se trate de peça belíssima mas porque as sonatas para violino de Tartini são de tal modo ricas, variadas, excepcionais que reduzi-las àquela quase constitui ofensa.

A peça que vos proponho é a Sonata para Violino e Baixo contínuo No. 7 em Sol menor op. 2 (Brainnard G11), com os seguintes andamentos:

1. Andante affettusoso
2. Allegro assai
3. Allegro assai

A interpretação está a cargo de um conjunto de excelentes e conhecidos músicos: Fabio Biondi, violino, Maurizio Naddeo, violoncelo, Pascal Montheilet, teorba e Rinaldo Alessandrini, no cravo.

Se me permitem, esta evocação também tem um especial destinatário, meu pai, que era violinista (embora não profissional tinha o Curso Superior de Violino e de Ciências Musicais) e, naturalmente, grande admirador de Tartini. Não só ele mas também o avô Albano, seu pai, me contavam episódios da biografia deste compositor, sublinhando aspectos do seu carácter de pessoa extraordinariamente boa. Era eu garoto e comovia-me muito.

Boa audição!

http://www.youtube.com/watch?v=Y0sAA8pix_c&list=PL4D4AEF90D41C2BD4&feature=share&index=1
 


A música salva vidas
A música salva-vidas
 
 
Farewell Alice Herz-Sommer! We are saddened to hear that the visionary musician and survivor of the Theresienstadt concentration camp died yesterday. Her love of music and belief in its power brought solace and hope to many in one of history's darkest hours.
Daniel Hope interviewed Herz-Sommer just a few months ago as part of the documentary "Refuge in Music", a tribute to the musicians of the concentration camp “Terezin”.
 
You can learn more about the film here: http://bit.ly/TerezinDVD
 
 
 
 
 


Uma justificada insistência 

[Facebook, 25.02.2014]

Gulbenkian,
24 de Fevereiro de 2014, 19.00

MusicAeterna
Orquestra e Coro de Câmara do Teatro
de Ópera e Ballet Tchaikovsky de Pern

Teodor Currentzis, Maestro


Anna Prohaska, soprano (Dixit Dominus e Dido)
Tobias Berndt, barítono (Eneias)
Eleni Lydia Stamellou, soprano (Belinda)
Nadine Koutcher, soprano (1ª Bruxa)
Daria Telyatnikova, mezzo (2ª Bruxa)
Victor Shapovalov, baixo (Marinheiro)
Valeria Safonova, soprano (Espírito)

Fiz questão de publicar a fixa do evento porque houve alterações em relação à inicialmente anunciada. Como tenho pouco tempo, apenas gostaria de sublinhar que sobejas razões me assistiam quando, no passado domingo escrevia “(…)precisamente amanhã, na sacrossanta Gulbenkian, pelas 19.00, teremos um concerto daqueles que, de modo algum, qualquer melómano jamais poderia perder. (…)” Como a casa estava a cerca de dois terços, tirem as vossas conclusões que, para o «peditório» dos designados ‘melómanos de Lisboa’, já dei o que tinha a dar…

Digo-vos que, depois de um “Dixit Dominus”, perfeitamente antológico, o público estava totalmente rendido à prestação dos MusicAeterna. Aplausos, muitos, bravi justíssimos, premiando uma leitura irrepreensível. Em termos vocais e instrumentais, intérpretes galvanizados e em perfeita sintonia com um maestro que, na sua exuberância, é uma verdadeira bênção. Um serviço a Händel do mais alto gabarito.

Durante o intervalo, as conversas confirmavam as impressões que, grosso modo, acima vos dei conta. Amigos e conhecidos empolgados, a festa da música já se fazia antes de terminar a função. Seguidamente, “Dido and Aeneas”, pièce de résistance. Coloco a récita concertante de ontem, sem qualquer dúvida, entre as melhores propostas a que já assisti. Percebe-se todo o trabalho a montante, naturalmente, em analogia com o labor de outros colegas, beneficiando Currentzis das mais recentes investigações acerca desta obra do século dezassete, no âmbito das abordagens historicamente trabalhadas por Harnoncourt, Jacobs, etc.

A nível vocal, gostaria de destacar Anna Prohashka, soprano do mais alto gabarito que acompanho há já alguns anos, nomeadamente, em elencos enquadrados por Harnoncourt, que fez uma Dido muito convincente, bem como Maria Forsström , meio soprano, uma Feiticeira memorável. Sei que estou a fazer uma injustiça em relação a outras prestações mas, se é para destacar, então terá de ser assim. A Orquestra de Câmara e o Coro estiveram ao melhor nível possível. Em Perm, lá para os Urais, estão de parabéns.

Estivemos perante uma leitura muito inteligente, com ‘tempi’ e pausas, que adensaram os resultados procurados a nível da acústica, através de efeitos deveras sofisticados que, só na sala de concertos, se consegue partilhar em pleno. Uma palavra sobre o público desta série de concertos, que é muito especial, em muitos casos, o mesmo que reencontro, como há trinta, vinte anos, do tempo em que a Gulbenkian tinha uma temporada de ‘Música Antiga’.

Ontem, estávamos lá todos. Ao lado da minha mulher e de colegas da Faculdade, que nos conhecemos há cinquenta anos, sempre nestas lides e, constantemente expectantes, despertos e dispostos ao fascínio de interpretações como a que ontem tivemos o privilégio. Que bom é sentir esta afinidade, a alegria na partilha da grande Música. Claro que tudo isto só é possível nesta nossa casa da Avenida de Berne.
 
 


Cesário Verde 

 25 de Fevereiro de 1855 – 19 de Julho de 1886
 
[Facebook, 25.02.2014]
 
Hoje, dia do centésimo quadragésimo nono aniversário [sempre quero ver o que está previsto para a comemoração jubilar do próximo ano...], aqui venho propor-vos um seu poema, imprescindível para o perceber.

É O sentimento de um ocidental, com Mário Viegas a intermediar, no 'Palavras vivas', em 1991, tempo em que a RTP podia propor um espaço tão gratificante para a partilha da poesia. A propósito, como professo
r, quantas vezes terei eu recorrido a gravações com Mário Viegas, precisamente, roubadas à televisão...

Celebremos Cesário, mestre do mestre, lembram-se?

Boa audição!


http://youtu.be/QeZf7kR7UGM
 
 
 
Mozarteum,
os olhos no futuro
 
[facebook, 24.02.2014]


Quem conhece a programação do Mozarteum de Salzburg em todas as suas múltiplas vertentes, sabe dos excelentes momentos de música que se vivem, também na Wiener Saal, esta sala mais pequena do edifício da Fundação Internacional do Mozarteum.

Desta vez, de acordo com notícia de hoje, vêmo-la transformada num Kaffehaus para acolher o Haydn-Bazar. A foto é mesmo desta manhã, cerca das dez horas. O público de estudantes, com idades compreendidas en
tre os 12 e os 15 anos, assiste a um concerto de música de câmara, assegurado pela Salzburger Orchester Solisten (SAOS), com música de Johann Michael Haydn, Mozart, Darius Milhaud, Bella Bartók, Richard Strauss e F. Cerha.

Durante cerca de uma hora ainda teve lugar um ateliê moderado por Andreas Steiner. É assim que a Fundação da qual sou membro bem demonstra como se conquista as crianças e jovens que, no resto das suas vidas, hão-de continuar a encher os auditórios. Enfim, na mesma manhã, na mesma Europa, outra terra, outra gente...
 
 
 
Der Haydn-Bazar beginnt: Gerade verwandelt sich der Wiener Saal der Stiftung Mozarteum in ein Kaffehaus, in dem es neben Musik zu ernsten und heiteren Gesprächen über einstige sowie aktuelle Musiktrends, Klatsch, Tratsch und andere Amüsements kommt.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Musiktrends, Klatsch, Tratsch und andere Amüsements kommt.
 
 
 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014



David Mourão-Ferreira 


 Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 — Lisboa, 16 de junho de 1996

Tantas memórias de David, dos tempos de Faculdade! Ficam comigo. Convosco partilho Abandono, um seu poema de homenagem aos presos políticos deportados para o campo do Tarrafal em Cabo Verde. Como saberão, também ficou conhecido como Fado Peniche. De Alain Oulman a música para Amália, numa criação arrepiante.

No seu aniversário, a lembrança de um grande senhor, do tempo que soube viver, honrar e sublimar através de obras notáveis.

Ao David, com saudade. Ao Rui Valentim de Carvalho, num mesmo novelo de memórias, e à Maria Nobre Franco, querida amiga, vértice desse triângulo em que a Arte se conjuga.


http://youtu.be/N-aMK6QiRq0
 
 

Rosalía de Castro

Santiago de Compostela, 24 de Fevereiro de 1837 — Padrón, 15 de Julho de 1885

No aniversário desta nossa querida amiga, recordo um poema da emigração. Por todas as razões e mais esta, em nossos dias, de uma sangria sem n
ome que pensávamos impossível.

Poema belíssimo, que vai no original, afinal, na nossa língua galaico-portuguesa, num arranjo de José Niza, em canto de Adriano Correia de Oliveira.

Este vaise i aquel vaise,
i todos, todos se van;
Galicia, sin homes quedas
que te poidan traballar.
Tês, en cambio, orfos i orfas
i campos de soledad;
e nais que non teñem fillos
e fillos que non tén pais.
E tês corazós que sufren
Longas ausências mortás.
Viudas de vivos e mortos
Que ninguén consolará.

Estamos em casa. Escutemos Rosalia, com saudade de Adriano.
 
 
 
 

domingo, 23 de fevereiro de 2014



John Keats,
efeméride da morte [aos 26 anos]

Beauty is truth, truth beauty, - thatt is all
Ye know on earth and all ye need to know


Um excerto do belíssimo The Romantics Eternity, documentário da BBC em que se alude aos últimos dias de John Keats em Roma, onde faleceu em 23 de Fevereiro de 1821. [I]

E, também neste dia, a revisitação de Ode on a grecian Urn - o difícil poema de Keats que, meu Deus, vai para cinquenta anos, me perseguiu, de forma quase obsessiva - desta vez, com recurso ao grande actor britânico Tony Britton. Que dicção! [II]

Bom visionamento!

Boa audição!

 
 
 
 

sábado, 22 de fevereiro de 2014



Cuidado com os salpicos


Se a escolha de Miguel Relvas para Presidente do Conselho Nacional do PSD apenas ao PSD dissesse respeito não me perturbaria minimamente. Mas, de facto, assim não é. Miguel Relvas, com toda a negativa carga que se lhe colou à pele, é o paradigma da classe política portuguesa, personificando tudo quanto de pior o cidadão médio reconhece nos políticos, isto é, arranjismo, a
miguismo, caciquismo, a falta de carácter, o oportunismo mais descarado, a safadeza institucionalizada.

Não constitui surpresa que o Presidente do partido, actualmente o Primeiro-Ministro de Portugal, tivesse escolhido semelhante espécime para presidir ao órgão máximo entre congressos. Como soe dizer-se, estão bem um para o outro. De qualquer modo, há uma barreira mínima de dignidade que se esperava não fosse ultrapassada. Assim não foi. Tenhamos cuidado com a lama, não vá salpicar-nos…


No CG da UBI


" (...) O antigo primeiro-ministro José Sócrates vai ser o novo membro do conselho geral da Universidade da Beira Interior. Os principais critérios de indicação de membros externos (cooptados) do conselho geral: a notoriedade e a relação com a região.

"A proposta do engenheiro Sócrates enquadra as duas vertentes: por um lado porque, como se sabe, ele é dali e, por outro lado, pelo impacto público que ele tem. No fundo, é um filho da terra que é reconhecido em Portugal e no estrangeiro", apontou. O presidente do conselho geral da UBI [Paquete de Oliveira, Presidente do Conselho Geral da Universidade da Beira Interior] referiu ainda que a "intenção é a de que José Sócrates venha valorizar a instituição
."

Fim de citação. Outros «critérios», igualmente pertinentes, não terão sido ponderados, com o objectivo de valorizar a instituição? Por exemplo, quanto à relação com a terra, os projectos de construção civil que assinou, nomeadamente os de residências, que circularam na comunicação social?

E, quanto à vertente do perfil académico para integrar um órgão consultivo de instituição universitária, os episódios inerentes ao seu académico grau de Licenciatura? Claro que, no referente ao currículo como político, por si fala a fabulosa riqueza de cambiantes.
 
 


Lamentável confusão


A sugestiva foto foi obtida no Parque da Liberdade, neste trecho inequívoco, sobre a Volta do Duche e não no local referido na legenda. Como toda a gente sabe, o Parque das Merendas é distante, lá para as bandas da Estr...ada da Pena. Nem o facto de, neste Parque da Liberdade, se poder merendar num recanto adjacente à área em que a imagem foi obtida, desculpa a confusão suscitada, nem mais nem menos do que pela própria Câmara Municipal de Sintra.

Que um autarca recém-chegado a Sintra não soubesse que «aquele edifício» sobre o qual pedia informação, era o Palácio Valenças, enfim... Coisa bem diferente esta, de um serviço da autarquia, que se permite publicar, a título de "Fotografia do Dia", uma de local tão emblemático da Vila, onde Maria Gabriela Llansol e tantos de nós o defendemos da barbárie que já tinha sido decidida da construção de um parque de estacionamento subterrâneo.

Não deixando de ser sintomática, esta aparentemente inócua confusão, quase resulta em ofensa às memórias do lugar. Por vezes, as confusões têm destes efeitos. Também por isso, todo o cuidado é pouco.
 
 

FOTOGRAFIA DO DIA:  Parque das Merendas na Vila de Sintra

[título proposto pela própria Câmara Municipal de Sintra]
Foto: FOTOGRAFIA DO DIA: Parque das Merendas na Vila de Sintra



Nada de equívocos!


De facto, o património cultural específico que a calçada à portuguesa encerra, está não na solução física da pedra cortada, afeiçoada e aplicada mas, isso sim, quando tal dispositivo obedece a uma matriz, como a da foto, em que o jogo cromático e as formas propostas acrescentam uma mais-valia inequívoca à urbe, privilegiam os cidadãos que as pisam e observam, conferem um carácter único ao espaço onde se enquadram e inserem.

Arrancar tais testemunhos, que são verdadeiros artefactos, seria um crime. Mas, como era de esperar de gente civilizada, essa hipótese nem sequer se coloca.
 
 

 ·



Sintra,
novo movimento cívico,
uma questão de Cultura

 
[Transcrição do artigo publicado na edição de 21.02.2014 do 'Jornal de Sintra'
 
“(…) não me serve de consolo constatar o que sempre soube: onde os interesses materiais vingarem como fim, o homem não será. É aterrador pensar, mas é a realidade: sem o dom poético, sem a simples capacidade de sermos maravilhados pelo vivo, a liberdade de consciência está condenada a definhar. Por mim e por vós, foi essa liberdade que fui defender (…)”

[Maria Gabriela Llansol, jornal 'Público', reproduzido no 'Jornal de Sintra' em 4.4.2008]

No domínio da cidadania activa, apesar de algo adormecida nos últimos tempos, a verdade é que motivos não faltam em Sintra, para que um forte movimento cívico acabe por mobilizar os cidadãos no sentido da defesa dos seus interesses, em sectores tão críticos como, por exemplo, transportes públicos, estacionamento em zonas críticas da sede do concelho bem como acesso a destinos turísticos cujo enquadramento ambiental é tão interessante e desejável como especialmente crítico.

Em momentos de impasse, como aquele que vivemos actualmente, é a própria História recente que se encarrega de nos recordar a pertinência daquelas palavras. Afinal, até nem é necessário dar especial trabalho à memória para ter presente que não há mais de treze anos, fez História um movimento cívico que atirou Sintra para a ribalta da comunicação social, tanto na imprensa, como na rádio e na televisão, ocupando espaço e tempo significativos nos noticiários e telejornais.

E, lembrando o evento, como não salientar a atitude de Maria Gabriela Llansol naquela altura? Se quem não a conheceu pessoalmente, não pode calcular como sabia preservar-se num mundo de descrição que não autorizava fosse minimamente desrespeitado, parece difícil entender como o seu envolvimento na luta contra a construção do parque subterrâneo na Volta do Duche pode ter sido tão empenhado, tão evidente, tão manifestamente público.

É verdade que estava em curso um atentado ao património cultural de Sintra. É verdade que, para a Maria Gabriela, a Volta do Duche fazia parte de um especial património de entes muito importantes do seu acervo demiúrgico. Portanto, mesmo em projecto, já se adivinhava, e ela sabia que uma perda irreparável se insinuava. De tal modo a violência se fizera sentir que, apesar da sua proverbial reserva e de ter tecido à sua volta um casulo de grande resguardo, não hesitou.

Veio a público, acompanhou-nos numa jornada de esclarecimento no terreiro do Paço da Vila Velha. Escreveu um texto lindíssimo ao qual me sinto particularmente ligado porque mo leu, ao telefone, procurando opinião, antes de o enviar para o jornal “Público” que o publicou no dia 8 de Dezembro de 2001. Nesse seu escrito, de empenhado compromisso cívico, há momentos lapidares, como o da epígrafe, que lemos e relemos, aplicáveis a todos os tempos e lugares.

Com esta lembrança, além dos cidadãos anónimos, pretendo sensibilizar as mulheres e homens das Letras e das Artes de Sintra, os professores e os jovens. Para que, tal como Maria Gabriela Llansol, se sintam mobilizados para a luta em defesa de um estacionamento de qualidade, de transportes públicos eficazes, de acessos civilizados a todos os locais.

Estas são as questões de cultura pelas quais surgem os movimentos cívicos. Parece que acontecem sem anúncio, sem publicidade. Mas pressupõem um trabalho de sapa. Coisas que tais não se anunciam. Fazem-se. Fazem-se aparecer. E, quando aparecem, parece emergirem do profundo alçapão da latência em que fermentaram… Pela dignidade de todos, pelos valores da cidadania activa, pela Democracia. 

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 
 
 
 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014



Gulbenkian,
ainda o regresso

[facebook, 20.02.2014]


1.Voltei ao auditório da Gulbenkian no passado domingo para o concerto da série Grandes Intérpretes, com os agrupamentos corais Orféo Català & Cor de Cambra, cuja interpretação do “Requiem” de Fauré, sob a direcção de Josep Vila i Casañas, que aqui anunciei oportunamente, não me satisfez particularmente.

Falta de subtileza na abordagem de momentos de grande elevação espiritual, em resultado de opções da direcção, foi a nota menos positiva. De qualquer modo, dois
coros formidáveis, de referência ibérica, numa primeira parte irrepreensível, para a interpretação de obras de música sacra e tradicional de autores catalães.

Voltei à «nossa casa» da Avenida de Berna. Uma emoção. Fui com duas horas de antecedência. Andei por onde pude, na companhia de amigos, tão emocionados como eu com este regresso a um espaço que frequento desde 1969. O que ali tenho vivido, nestes quarenta e cinco anos, é uma parte tão especial da minha vida, contribuiu de tal modo não só para o meu mas também para o enriquecimento de tantas pessoas que só apetece iniciar um processo de, pelo menos, beatificação do Senhor Gulbenkian…

2.Hoje à noite, concerto com a Orquestra Gulbenkian, num reencontro com o maestro Jukka-Pekka Saraste, que vem dirigir a Sinfonia No. 1, op. 39 de Jean Sibelius e o Concerto para Piano e OrquestraNo. 3, op. 30 de Sergei Rachmaninov, peça esta que tem Jorge Luís Prats como solista.

Pessoalmente, tenho Saraste como um dos mais empenhados e sérios dirigentes. Por si fala o resultado dos trabalhos em que se envolve com as diversas orquestras às quais tem estado afecto, o festival de que é director artístico, a orquestra de câmara que fundou. E, no que a Mozart respeita, conservo a melhor das impressões das peças que ouvi sob sua direcção.

Deixo-vos com uma gravação, altamente recomendável, de uma leitura muito expressiva do Concerto de Rachmaninov, bem representativa do labor deste maestro com a «sua» Orquestra Sinfónica da Rádio de Colónia, neste caso com uma magnífica interpretação de Denis Matsuev. [At. ao encore].

Boa audição!

http://youtu.be/uPJFVHbKuv0
 
 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014



Murro
 
A todos, nos deu um murro no estômago. Muito bem aplicado. Afinal, os que reagiram com insultos, impropérios e disparates de toda a ordem, terão sido os mais bem atingidos. Qualquer atitude limite, como esta de Fernando Tordo, é um manifesto perante o qual ninguém fica ileso. Na justa medida do que posso afirmar, todos somos responsáveis por esta sua decisão, ainda que muitos jamais possam entender até que ponto vai a sua responsabilidade.
 
 


Efemérides mozartianas de Carnaval

 
19 de Fevereiro

 
1. 1776 – Baile de máscaras no Salão Municipal de Salzburg tendo sido interpretada a peça “Bauernhochzeit” de Leopold Mozart, como intermezzo cómico. *

2. 1786 – Wolfgang Mozart participa num baile de máscaras nas Redoutensälen em Viena. Foi mascarado de filósofo indiano. Para o divertimento geral, contribuiu com a distribuição de um folheto co...
m 8 adivinhas e 14 provérbios (“Excertos dos fragmentos de Zoroastro”)

* I. Marcia vilanesca...0:05 / II. Menuett..3:05 / III. Andante...5:46 / IV. Menuett...8:12/ V. Finale, allegro molto....11:27

Interpretação estupenda a cargo Amsterdam Baroque Ensemble sob a direcção de Ton Koopman.

Boa audição!

http://youtu.be/4L3Df4YwdxM
 
 

 


Queluz,
Carnaval do maior interesse cultural


Eis uma maneira culta e civilizada de festejar o Carnaval. Em família, a viver a História, aprender fazendo.

De algum modo, esta iniciativa da Parques de Sintra Monte da Lua, também é um prelúdio da Temporada '
Tempestade e Galanterie', de música setecentista, com intérpretes do maior gabarito mundial, cuja primeira série, nos fins de semana de todo o mês de Março, está prestes a acontecer.

Enfim, sempre haverá quem prefira o Carnaval de Torres...
 
 



Organizar excursões

[facebook, 18.02.2014]

Uma programação deste calibre acontece aqui ao lado, no mesmo espaço ibérico, de facto, na mesma Europa e no mesmo planeta? Não percebo como é que ainda não nos ocorreu organizar excursões... Claro que não estou a ironizar!

Muito a sério, eis a prova de que a mais séria crise é compatível com a manutenção de propostas culturais da mais alta qualidade.
 
 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014



Artigo de A Bola
e a memória do meu amigo Noronha Feio
 


Perfeitamente ao correr da pena, neste despretensioso artigo publicado num jornal desportivo, o Prof. Fernando Seara cita Jean Marie Géhenno, Pitigrilli (Dino Segre), Niccolo Machiavelli, Ortega y Gasset, Henry Longfellow e Guerra Junqueiro. Não imagino o alcance que tais citações produzirão no leitor médio de "A Bola" que, como todos sabem, é dos órgãos de imprensa mais lidos no país, mas julgo perceber a inten
ção do autor.

Ao contrário do que apressadas avaliações possam concluir, aqui não há qualquer alardear de erudição e, tão somente, o aproveitamento da oportunidade de partilhar opiniões e afinidades em matéria desportiva para, muito 'en passant' deixar o recado de quem, a propósito das questões ventiladas, se pronunciou em sentenças definitivas, sábias, para todos os tempos.

Para o leitor médio de "A Bola", talvez não haja outras ocasiões para o contacto com o pensamento, mesmo muito fugidio, das grandes figuras a cujo discurso, recorre amiúde
Fernando Roboredo Seara  Assim se divulga, assim se partilha, assim se enriquece, sem grandiloquências, sem paternalismos.

Neste mesmo escrito, refere-se o autor ao «homem lúdico». Nesse momento da leitura do seu escrito, voou-me o pensamento para outra dimensão. Logo me ocorreu o título de uma antologia de textos desportivos da Cultura Portuguesa, subordinada ao título "Homo Ludicus", organizada por Noronha Feio. Pego num exemplar que me dedicou (tenho a maior parte da sua obra escrita com dedicatórias que me emocionam) e leio, precisamente, um dos seus poemas. Onde eu já vou…

José Maria de Castro Soromenho Noronha Feio (1932-1990), grande senhor do desporto nacional, com obra notável no desporto escolar, além de colega, foi meu dilecto amigo. Homem de saberes diversos, pensador do fenómeno desportivo, poeta, filósofo, ensaísta, autor de vasta obra, foi responsável por excelentes programas de televisão através dos quais bem se verificava a sua postura de diletante, no melhor sentido do termo, do esteta de distinta personalidade, de homem tão simples como sofisticado.

O Prof. Seara deve ter conhecido Noronha Feio. Se assim foi, tenho a certeza que dele recordará a impressão que aqui registo. Do desporto, felizmente, guardo a memória de homens absolutamente excepcionais.
 

 


Mozart e Salieri,
lenda e ópera


Este desenho inscreve-se na lista daqueles que, tão frequentemente, romancearam traços biográficos e alimentaram lendas que fermentam à volta de Wofgang Amadeus Mozart. Faz parte da «colecção» em que pontifi
ca aquela gravura de Pierre Roch Vigneron (1789-1872) que mostra uma carreta transportando um caixão, apenas acompanhado por um cãozito, gravura que fazia parte do espólio de Beethoven que a guardou como recordação simbólica do enterro de Mozart.

Nada mais falso, já que há descrições factuais do cortejo fúnebre, sabendo-se quem acompanhou, quem organizou (o próprio Barão Gottfried van Switten) e, mais surpreendentemente, o texto do próprio epitáfio – aliás publicado num jornal de Viena – na medida em que Mozart jamais foi sepultado em vala comum mas, isso sim, numa campa onde se manteve durante dez anos.

Neste caso, trata-se de um crayon baseado na peça de Pushkin. Pushkin ficcionou, escreveu uma peça de teatro, repito, Literatura do género dramático, através da qual parte de uma lenda, nem mais nem menos do que fomentada pelo próprio Beethoven... Na sequência de Pushkin, Rimski-Korsakov compõe a ópera homónima (1898) e, mais recentemente, o dramaturgo e guionista britânico Peter Schäffer, escreve a peça "Amadeus" que seria levada ao cinema por Milos Forman.

Nada, absolutamente nada, de concreto, documentável, existe que possa cimentar qualquer suspeita afim do que a ficção alimentou. Pelo contrário, há, isso sim, provas do maior respeito mútuo entre Salieri e Mozart.

A ópera

Permito-me duvidar que tenham tido o privilégio de ouvir qualquer gravação e, muito menos, de assistir a qualquer representação das duas cenas de “Mozart e Salieri”, pequena ópera de Acto único, cujo libreto foi quase totalmente extraído da homónima peça de Alexander Puskin.

Vem a propósito manifestar quanto, à limitada escala das minhas possibilidades, me tenho esforçado no sentido de repor a verdade histórica em relação à suposta rivalidade entre Mozart e Salieri. Aqueles que têm lido os meus textos acerca da matéria sabem que não se trata de tarefa fácil. É que, logo à partida, foi o próprio Salieri quem se encarregou de propalar a ideia de que teria sido o assassino de Mozart.

Com a caligrafia de Beethoven foram encontradas algumas notas manuscritas – não cartas, como inicialmente se chegou a supor – meros papéis dentre os muitos de que o grande surdo se servia para comunicar, em que registou aquela convicção de um senil e demente Salieri, o mesmo Salieri que fora seu brilhante professor. Estava lançada a lenda e fazia caminho galopante.

Reparem que, em 1830, apenas passados cinco anos sobre a morte de Salieri, já Puskin tinha publicado a peça referida. Nesta saga de fictícios elos, eis que aparece Rimsky-Korsakov.

Todos estiveram no seu direito de fantasiar e de ficcionar o que muito bem lhes deu na real gana. Nada nem ninguém os obrigava ao respeito pela Verdade. Embora a Arte possa coincidir com a Verdade, tal não é condição necessária. Dá que pensar, isso sim, que a geral ignorância de uma época, precisamente a nossa, tivesse acolhido, como verdadeiros, alguns passos, quer de Salieri quer de Mozart, que nada têm de biográfico e que, aliás, não era suposto que tivessem…

Voltemos à esquecidíssima ópera, hoje em dia tornada pouco mais do que mera curiosidade. Em Moscovo, na sua estreia russa, em 1898, o barítono de serviço, assumindo a personagem de Salieri, foi o mítico Fyodor Shalyapin. Histórico também é o documento cujo visionamento agora vos proponho, já que se reporta à primeira apresentação da obra em Nova Iorque no Chamber Opera Theatre, numa produção excelente que contou com Joseph Shore e Ron Gentry, dois formidáveis cantores, como terão oportunidade de verificar.

Trata de uma raridade. Vale bem a pena dedicar-lhe o melhor da vossa atenção. Rimsky-Korsakov, é um gigante que bem merece o destaque. Não hesitou ele em incorporar directas referências a "Don Giovanni" e à "Missa de Requiem" de Mozart na partitura, atitude de humildade que também não pode deixar de se assinalar.

Bom visionamento, boa audição!

http://youtu.be/QdMUBz55Ly8
 
 
 


Concerto Gulbenkian
16.02.14, reabertura do auditório
 
[facebook, 16.02.2014]


No dia em que a programação da Temporada 2013/14 da Fundação Calouste Gulbenkian nos propõe a audição do “Requiem” de Fauré – que coincide, não esqueçamos, com a reabertura do Grande Auditório da Av. De Berne, depois de
oito meses de profundas obras de remodelação - venho propor-vos que, à guisa de preparação para o concerto desta tarde, ouçamos essa belíssima peça.

Se me permitirem a ousadia, convidar-vos-ia a reflectir sobre a Morte, com o objectivo de que assumamos a vida como fugaz e efémera passagem, o mais possível libertos da matéria, libertos do «ter» e a caminho do «ser». Como crente católico e maçon, não posso estar mais de acordo com a convicção de que a Morte é «a grande amiga» – como afirmava o também católico e maçon Mozart – que abre a porta a uma dimensão de vida outra.

Após a ousadia do convite, lembraria que, dos compositores que conhecemos, nenhum ignora esta perspectiva na sua Missa dos Mortos. Naturalmente, também isso se passa com a obra que vos trago, na sua terceira versão, o "Requiem em Ré menor", op. 48 de Gabriel Fauré (1845-1924). Datada de Paris, aos 12 de Julho de 1900, é a segunda versão, em reorquestração para grande orquestra que, tal como na primeira versão, preserva, contudo, uma sobriedade notável e absoluta «limpidez».

Foi o compositor quem selecionou os textos. O 'Benedictus' é substituído pelo 'Pie Jesu', enquanto que os dois últimos versículos da Sequência dos Mortos e a antífona 'In Paradisum' bem como o responso 'Libera me' pertencem à liturgia da Sepultura. Acerca do ‘Pie Jesu’ deste Requiem disse Saint-Saëns ao seu aluno Fauré: ”Ton Pie Jesu est le SEUL Pie Jesu, comme l’Ave verum de Mozart est le SEUL Ave verum’’. Que palavras tão pertinentes !... Não conheço outro Requiem que suscite uma consolação mais serena, nenhum que apresente assim a morte, como desfecho muito mais feliz do que doloroso.

Ainda que pretendamos alhear-nos das circunstâncias próximas da composição, não podemos deixar de ter em conta que Fauré escreve esta obra entre crises de depressão, na sequência da morte do pai e da iminente morte da mãe. Também é interessante ter em consideração que a estreia aconteceu em 16 de Janeiro de 1888, na igreja de La Madeleine, em Paris e que, precisamente um século mais tarde, Philippe Herreweghe assegurou a primeira execução pública da terceira versão, dirigindo La Chapelle Royale, no mesmo conhecido templo da capital francesa.

Nesta gravação, colhida ao vivo na sala do Concertgebouw de Amsterdam em 23 10/1997, as vozes solistas são de Sibylla Rubens (soprano) e Detlef Roth (barítono), canta o Netherlands Kamerkoor e toca a Royal Concertgebouw Orchestra, nem mais nem menos do que sob a direcção de Philippe Herreweghe.

Boa audição!
http://youtu.be/Rv8oOIV7QEw
 
 

sábado, 15 de fevereiro de 2014




Sintra,
cenas pouco edificantes na Estefânea

 
[transcrição do artigo publicado na edição de 14 de Fevereiro de 2014 do Jornal de Sintra]

 
Sábado passado, pouco passava das seis e meia da tarde. No Centro Cultural Olga Cadaval, determinado evento estaria prestes a começar. Muita gente ainda a chegar em sucessivas vagas de automóveis. Apenas um pouco mais abaixo, na igreja de São Miguel, já tocam os sinos pela última vez antes da missa das sete. E, ali mesmo, junto ao templo, uma vez terminadas as actividades do dia, alguns escuteiros aguardam pela chegada das famílias.
 
Os carros foram deixados onde é proibidíssimo, em plena Praça Dr. Francisco Sá Carneiro, no segmento da Rua Câmara Pestana em que se transita nos dois sentidos. Muitos mais são os irregularmente estacionados na parte ascendente da Rua Adriano José Coelho. Parados e já fazendo fila na Heliodoro Salgado, ainda mais, pretendem entrar na praça, uns por via do evento, outros porque era quase hora da missa. Mais adiante, a caminho da Correnteza, depois das capelas mortuárias, também há viaturas em cima do passeio do lado direito…

Às tantas parou tudo. Estava completamente esgotado o estacionamento no beco que é o Bairro das Flores. Ali não tendo encontrado lugar, muitos condutores já não conseguiam entrar na referida praça quando quiseram regressar enquanto outros, apesar do flagrante impasse, insistiam em descer, apenas se rendendo à evidência, como São Tomé, ou até que alguém os dissuadia. Mas era impossível fazer inversão de marcha. Chegara-se ao limite. Já não havia qualquer hipótese e, mais uma vez, no coração do Bairro da Estefânea, estava montado o grande espectáculo de rua dos dias de enchente do CCOC…
 
De todos os quadrantes, as inevitáveis buzinadelas e também os impropérios da ordem. Em determinada altura, em desespero de causa, alguém sai do carro, arma-se em agente da autoridade, com muitos e largos gestos, combinando o que fazer com quem vem em sentido contrário. Depois, muito lentamente, o cenário lá vai mexendo, pouco a pouco, escoando o despautério. E, naturalmente, no final do espectáculo, quando os donos de todos aqueles carros começarem a abandonar o local, vai haver mais do mesmo ou pior.
 
Repetem-se amiúde episódios análogos. Inúmeras, como sabem, as vezes que os tenho trazido a estas páginas. São anos e anos de desleixo institucional. Muito cansaço por sucessivas denúncias e chamadas de atenção que, não surtindo qualquer efeito positivo, apenas resultam numa inenarrável camada de frustração, partilhada por quem ainda não desistiu de continuar a intervir cívica e civilizadamente no sentido de obviar a ocorrência desta e doutras situações congéneres.

Continuemos. Aqui mesmo morador há quarenta e tal anos, naturalmente, acompanhei a obra de remodelação do Cine-Teatro Carlos Manuel que deu origem ao Centro Cultural. Assim como não parece possível que o edifício não tivesse sido dotado de um cais para movimentação expedita de cargas e descargas, comprometendo a própria rendibilidade do CCOC, também não passa pela cabeça de alguém que se tenha desperdiçado a oportunidade de construir um parque de estacionamento dimensionado às necessidades em presença. No entanto, infelizmente, foi precisamente isso o que sucedeu.

Tal como outros cidadãos, também me preocupei com o assunto. Incomodei-me. Fui a reuniões, quis esclarecer-me. Esbarrei com a esfarrapada justificação de que as características geológicas locais não permitiam a solução de parque subterrâneo. Mesmo que assim fosse, alternativas podiam ter sido equacionadas e a verdade é que não foram. Enfim, que responsabilidade tremenda a de quem assim decidiu porque os perniciosos resultados de tal omissão não podem ser mais evidentes.

Autoridade ausente
De qualquer modo, perante a evidência do que invariavelmente sucede, como justificar a ausência da autoridade policial? Se a Administração da Empresa Municipal SintraQuorum sabe que a promoção dos eventos de sua responsabilidade gera situações de controlo difícil, porque não coopera no sentido de garantir as condições necessárias e suficientes à manutenção da ordem e da segurança? Exactamente por se tratar de uma empresa municipal, não tem responsabilidade acrescida? Não somos nós, cidadãos e munícipes de Sintra, que a viabilizamos? Porque não articula a sua actividade com a PM de Sintra?

Então, de uma entidade que promove actividades de recorte cultural, não se espera uma atitude informada, responsável e culta? No contexto da empresa municipal que espalda todas as iniciativas que ali se concretizam, por um lado, o CCOC depende e, por outro, responde perante mesmo executivo autárquico, eleito pelos cidadãos para que exerça a autoridade democrática de que ficou investido na sequência das eleições locais, executivo autárquico aquele que também superintende à Polícia Municipal. Então, como entender a desarticulação?

E, sem qualquer margem para dúvida, quando chamada a intervir junto ao CCOC, por ocasião de importantes reuniões – como foi o caso, em Novembro de 2011, do X I Congresso Mundial das Cidades Património Mundial – verifico que a PM de Sintra actua com inequívoca competência. Então, cumpre perguntar porque não se aproveita, em todas as eventualidades, esse saber fazer da autoridade municipal com o objectivo de evitar as perfeitas cenas de terceiro mundo que ocorrem nas redondezas, pondo em risco a segurança de pessoas e bens?

Numa noite como a do passado sábado, à volta do CCOC, todas as ruas ficam irremediavelmente armadilhadas devido ao caótico estacionamento. Longe vá o agoiro, mas já pensaram que, no caso de ocorrência de um incêndio num dos prédios da zona, por exemplo, na Praceta Dr. Arnaldo Sampaio e, muito menos, numa dquelas estreitas ruas onde um automóvel um pouco mais largo já tem dificuldade em circular, pura e simplesmente, lá não conseguiria chegar o socorro dos bombeiros?

Tão simples…

Não se entenda das minhas anteriores considerações que acuso a SintraQuorum de incapacidade. Dentre as empresas municipais de Sintra é esta a que melhor conheço, tendo tido oportunidade de acompanhar algumas das suas actividades ao longo dos anos. Está dotada de pessoal muito capaz, competente e da maior dedicação, colaboradores dentre os quais mantenho amizades que muito me honram. Não, não considero haver incapacidade mas sublinho a necessidade de alertar, o mais veementemente possível, para uma falha que urge remediar com toda a pertinência.

Neste mesmo contexto, e, no que à autoridade policial concerne, igualmente se espera que actue integradamente com o CCOC que, por sua vez, tudo faça com o objectivo de orientar os espectadores para soluções civilizadas de estacionamento das suas viaturas, através de prospecto e de planta impressa no próprio bilhete do espectáculo, indicando o percurso até ao parque mais próximo, isto é, junto ao edifício do Departamento do Urbanismo.

Claro está que, entretanto, tal espaço de estacionamento, permanente e informalmente utilizado durante os dias úteis e em horários laborais, deveria ser requalificado, tendo em consideração: - 1. instalação de iluminação pública adequada; 2. serviço de policiamento por ocasião dos eventos nocturnos, (altura em que está vazio, aliás, como também aos domingos), e 3.recolocação urgentíssima da absolutamente imprescindível ponte metálica para atravessamento pedonal, (com rampa de acesso para deficientes), ou seja, o meio mais expedito e eficaz de ligação entre os bairros da Portela e da Estefânea, desembocando na zona pedonal da Heliodoro Salgado, a dois ou três minutos do próprio CCOC.

 

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]