- Benjamin Britten - Hymn to St. Cecilia Op. 27
[sempre de acordo com a antiga ortografia]
sábado, 30 de novembro de 2013
Sintra, transporte colectivo turístico,
um caso, muitos casos
[Transcrição do artigo publicado na edição de 29 de Novembro de 2013 do ‘Jornal de Sintra’]
O transporte colectivo de passageiros, que facilite e promova o acesso dos visitantes aos locais turísticos, nas melhores condições de operacionalidade e de conforto, é assunto de importância primordial, numa comunidade com as características de Sintra. Infelizmente, no entanto, precisamente em Sintra, ainda estamos muito longe de que tal aconteça.
Actualmente, como não sentir o maior desalento, por exemplo, quando nos confrontamos com cenas de perfeito atravancamento das ruas e estradas de Sintra, em consequência da circulação de um meio de transporte colectivo, na versão de sightseeing sobe e desce, de dimensões manifestamente desadequadas à das vias por onde circula? Já repararam ser impossível cruzar-se com qualquer veículo, implicando em constantes cenas de pára-arranca-recua-encosta à berma?
Ao ver o vermelho mastodonte a romper por esses caminhos de Seteais, Monserrate, Castelo dos Mouros ou Pena e, ao fim e ao cabo, a interromper, entupir e dificultar a vida a toda a gente, maior é o desalento porque se trata de uma solução relativamente recente, que se instalou em contraciclo relativamente às medidas que, há tanto tempo, urge concretizar, privilegiando soluções que não podem deixar de ser adoptadas.
Ao longo de anos, o Jornal de Sintra tem acolhido muitas páginas da colaboração que subscrevo, nomeadamente, acerca de hipóteses de resolução de problemas nestes domínios sem que, até hoje, alguém as pudesse contradizer, alegando inadequação, impossibilidade de concretização ou manifesto impedimento de outra ordem qualquer. E, de facto, se assim acontece é porque apenas tento contribuir com alternativas absolutamente credíveis porque concretizadas em conhecidos, famosos e análogos locais.
Funiculares, para quando?
O equacionamento dos funiculares, por exemplo, sempre se apresentará com flagrante oportunidade. Lá está um dos tais exemplos que, há cerca de doze anos, tenho abordado e advogado com frequência. Em determinada altura, mais precisamente no princípio de 2008, houve quem tivesse confundido, funicular com teleférico, circunstância aquela que me determinou à escrita de um artigo publicado na edição de 15 de Fevereiro de 2008, do qual me permito aproveitar algumas passagens, não sem que actualize uma ou outra situação.
O teleférico, enquanto meio de transporte capaz de vencer distâncias e desníveis consideráveis, não pode implantar-se num ponto inicial, enquadrado por tecido urbano, em direcção a um palácio umas centenas de metros mais acima. O impacte das sapatas de alicerce das torres de suporte dos cabos, tanto ao nível do solo como de toda a paisagem em geral, os problemas de segurança e outros parâmetros que seria fastidioso enumerar, remetem o teleférico para operação de transporte de pessoas e de mercadorias em zona de montanha flagrante, relativamente afastado de aglomerados populacionais.
Mas é perfeitamente possível, em meio urbano, transportar pessoas, com grande conforto e segurança, vencendo desníveis muito significativos, sem qualquer impacte ambiental, entre um ponto de partida, a escassos metros de uma grande catedral barroca e o de chegada, em pleno coração da mais bela fortaleza da Europa. Ou entre um edifício, praticamente contíguo a um dos maiores e mais prestigiados auditórios do mundo e um belíssimo e moderno Museu implantado no cimo do monte.
Operacional, discreto, barato
Isto é possível através de funicular, que opera total e discretamente, em carril adossado ao monte cujo desnível vence nos dois sentidos, ascendente e descendente. E os exemplos que acabei de citar, no parágrafo anterior, conheço-os há dezenas de anos, a funcionar em Salzburg, cidade cujo património edificado é impressionante, classificada como Património da Humanidade. Em circunstâncias idênticas, poderia mencionar não sei mais quantos exemplos. Mas sempre de funiculares, nunca de teleféricos. Ainda há poucos dias, numa das suas recentes viagens, Fernando Castelo nos mostrava outro tão famoso como paradigmático exemplo, no Lago de Como, em Itália.
Já não sei quantas vezes escrevi acerca das soluções que teriam de ser consideradas por um sistema integrado de transportes em Sintra, sempre com recurso ao funicular como meio mais barato, seguro e expedito para, a partir da zona da Ribeira, com estação intermédia na Vila Velha, aceder ao Palácio da Pena. Ou, por outro lado, a partir da zona do Ramalhão, vencer a encosta do monte que conduz a Santa Eufémia. Ou de Seteais, de Monserrate, também em direcção ao Palácio da Pena. É uma solução testada, civilizada e, repito, o que pressupõe menor de investimento.
Quero acreditar que, em tempo oportuno, quem de direito, portanto, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra - radicado numa perspectiva sistémica que a solução para os problemas de transporte e estacionamento em Sintra não poderá deixar de privilegiar - acabará por anunciar a instalação de um ou mais funiculares que os estudos aconselharão.
Lembraria que um desses trabalhos, onde se propunha a solução funicular em Sintra, precisamente nos parâmetros que supra referi, no âmbito do qual tive oportunidade de me envolver, foi conduzido pelo Prof. Sidónio Pardal, engenheiro agrónomo, arquitecto paisagista e urbanista que, em Sintra, se deu conta de como este meio de transporte colectivo tão bem se adequava ao perfil da terra.
Finalmente, mais uma vez, me cumpre sublinhar que esta e outras soluções apenas serão viáveis no enquadramento de uma visão integrada em que, por exemplo, a instalação dos parques periféricos de estacionamento seria condição sine qua non de promoção de todo um coerente programa de transportes colectivos e particulares, em articulação com um civilizado regime de cargas e descargas, condicionamento de acesso automóvel ao centro histórico e aos pontos altos da Serra, etc.
Enfim, os anos passam e vamos tendo direito a que estas coisas, que acontecem em todas as latitudes civilizadas, também aconteçam em Sintra. Os tempos de austeridade que atravessamos só podem constituir ainda maior determinação para respostas de qualidade, com a máxima contenção, para os problemas em apreço, para resolução dos quais contamos com a proverbial capacidade do Senhor Presidente da Câmara no sentido de cativar os imprescindíveis investidores.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
_____________________
A propósito de funiculares, nem sei porque, no artigo supra, não mencionei o caso de Capri, que conheço perfeitamente. Acabo de passar por lá, precisamente nesta semana. Quem tiver a famosa Capri em consideração, mal concebe como, tão facilmente, se sai do barco e, num instante, se está no centro da cidade que fica umas boas centenas de metros acima… Não fora este recurso, quantas voltas, quanto tempo para vencer a distância e o acidentado terreno?
Com Jorge Calado,
de braço dado!
Como estive fora uns dias, ainda baralho um pouco as referências a lugares e datas anteriores à minha partida. Isto para vos dizer que, assim, de repente, não consigo lembrar-me se foi no passado fim de semana ou no anterior que acedi à crítica do Jorge Calado, sobre "A Filha do Regimento", que se cantou em São Carlos recentemente.
Coitado do Jorge Calado... De facto, no seu perfeito juízo, só por dever de ofício, algum melómano que se preze, se sujeitaria à experiência que, naturalmente, tão degradante, tão aviltante se adivinhava. No meu caso, se querem saber, nos últimos anos, depois da saída de Pinamonti, contam-se pelos dedos da mão, as vezes que fui a São Carlos para uma récita de ópera. Depois do "Ring" do Graham Vick, tenho a impressão que estive no "Don Carlo"...
Isto, para alguém que, durante quase cinquenta anos era assíduo, de assinatura constante... Enfim, posso ser tudo, mas, graças a Deus, ainda não fui atacado de masoquismo. Deixei de ir. Pura e simplesmente. Basta-me olhar para a programação para nem pensar nisso. E que pena eu tenho! Que pena, por exemplo, não poder começar a iniciar o meu neto mais velho, já com nove anos.
Em São Carlos, aliás, além da péssima qualidade das propostas, inimagináveis no único teatro lírico nacional, um escândalo inqualificável para qualquer Governo, também está por resolver um gravíssimo problema de segurança física das instalações que, em qualquer latitude civilizada, já teria levado a encerrar o edifício.
Mas volto a Jorge Calado. Naturalmente, tanto quanto, por ele e por outros testemunhos fui sabendo, outra coisa não podia deixar de ter escrito no suplemento 'Actual' do "Expresso". Apenas vos deixo com uma reflexão.
Qualquer obra prima - pintura, escultura, peça de teatro, ópera, etc, - sê-lo-á sempre, exigindo sempre a melhor apresentação possível. Tanto, ou até mais do que com as Artes Plásticas, em que as peças foram concebidas, acabadas e apresentadas para todo o sempre, na Música, na Ópera, impõe-se que as obras sejam «feitas em tempo», de cada vez em que são apresentadas.
Pois bem, por assim acontecer, não pode, não deve acontecer qualquer concessão ou perversa «tolerância» a um hipotético abaixamento da qualidade, fruto de circunstancialismos diversos, de ordem política, económica, social, etc, que apouque a obra-prima, ofendendo não só o compositor mas também o público destinatário, este que tem direito a partilhar a obra na plenitude das características que a definem e animam.
É por isso que, ao crítico honesto, conhecedor da obra, intelectualmente bem apetrechado, consabidamente exemplar, geralmente respeitado pelas suas análises, ninguém pode acusar de maldade, crueldade, falta de generosidade e quejandas. Jorge Calado pertence a essa estirpe de virtuosos, que sabe o que escreve, porque muito estudou, porque muito viu, porque tem um discernimento inequívoco.
Vamos ao caso de "A Filha do Regimento", ópera exigentíssima a vários títulos, que, aliás, tal como qualquer outra, não pode subir a palco sem que estejam verificadas condições 'sine quae non'. Há um limite mínimo exigível, a partir do qual, de modo algum, poderá apresentar-se a obra. Em São carlos, esse risco está a ser pisado há demasiado tempo. É uma vergonha filha da mais flagrante ignorância e máxima incompetência.
De braço dado com Jorge Calado, só podemos esperar é que muita gente se nos junte.
de braço dado!
Como estive fora uns dias, ainda baralho um pouco as referências a lugares e datas anteriores à minha partida. Isto para vos dizer que, assim, de repente, não consigo lembrar-me se foi no passado fim de semana ou no anterior que acedi à crítica do Jorge Calado, sobre "A Filha do Regimento", que se cantou em São Carlos recentemente.
Coitado do Jorge Calado... De facto, no seu perfeito juízo, só por dever de ofício, algum melómano que se preze, se sujeitaria à experiência que, naturalmente, tão degradante, tão aviltante se adivinhava. No meu caso, se querem saber, nos últimos anos, depois da saída de Pinamonti, contam-se pelos dedos da mão, as vezes que fui a São Carlos para uma récita de ópera. Depois do "Ring" do Graham Vick, tenho a impressão que estive no "Don Carlo"...
Isto, para alguém que, durante quase cinquenta anos era assíduo, de assinatura constante... Enfim, posso ser tudo, mas, graças a Deus, ainda não fui atacado de masoquismo. Deixei de ir. Pura e simplesmente. Basta-me olhar para a programação para nem pensar nisso. E que pena eu tenho! Que pena, por exemplo, não poder começar a iniciar o meu neto mais velho, já com nove anos.
Em São Carlos, aliás, além da péssima qualidade das propostas, inimagináveis no único teatro lírico nacional, um escândalo inqualificável para qualquer Governo, também está por resolver um gravíssimo problema de segurança física das instalações que, em qualquer latitude civilizada, já teria levado a encerrar o edifício.
Mas volto a Jorge Calado. Naturalmente, tanto quanto, por ele e por outros testemunhos fui sabendo, outra coisa não podia deixar de ter escrito no suplemento 'Actual' do "Expresso". Apenas vos deixo com uma reflexão.
Qualquer obra prima - pintura, escultura, peça de teatro, ópera, etc, - sê-lo-á sempre, exigindo sempre a melhor apresentação possível. Tanto, ou até mais do que com as Artes Plásticas, em que as peças foram concebidas, acabadas e apresentadas para todo o sempre, na Música, na Ópera, impõe-se que as obras sejam «feitas em tempo», de cada vez em que são apresentadas.
Pois bem, por assim acontecer, não pode, não deve acontecer qualquer concessão ou perversa «tolerância» a um hipotético abaixamento da qualidade, fruto de circunstancialismos diversos, de ordem política, económica, social, etc, que apouque a obra-prima, ofendendo não só o compositor mas também o público destinatário, este que tem direito a partilhar a obra na plenitude das características que a definem e animam.
É por isso que, ao crítico honesto, conhecedor da obra, intelectualmente bem apetrechado, consabidamente exemplar, geralmente respeitado pelas suas análises, ninguém pode acusar de maldade, crueldade, falta de generosidade e quejandas. Jorge Calado pertence a essa estirpe de virtuosos, que sabe o que escreve, porque muito estudou, porque muito viu, porque tem um discernimento inequívoco.
Vamos ao caso de "A Filha do Regimento", ópera exigentíssima a vários títulos, que, aliás, tal como qualquer outra, não pode subir a palco sem que estejam verificadas condições 'sine quae non'. Há um limite mínimo exigível, a partir do qual, de modo algum, poderá apresentar-se a obra. Em São carlos, esse risco está a ser pisado há demasiado tempo. É uma vergonha filha da mais flagrante ignorância e máxima incompetência.
De braço dado com Jorge Calado, só podemos esperar é que muita gente se nos junte.
Concerto Gulbenkian,
CCB, 28 de Novembro de 2013
CCB, 28 de Novembro de 2013
Regressando ontem de uma curta viagem, mal tive tempo de deixar as malas em casa para ir até ao CCB assistir ao concerto da noite. Como sabia o que me esperava, não queria perder. É de Salzburg que conheço ambos os solistas, Henning Kraggerud e Benjamin Schmid, o primeiro, violinista e violetista dotadíssimo, como membro destacado da Kremerata Baltica de Gidon Kremer, o segundo como professor de violino do Mozarteum, violinista absolutamente excepcional a quem, no ano Mozart de 2006, a cidade de Salzburg atibuiu o Prémio Internacional para a Arte e Cultura.
Solistas excepcionais, uma orquestra Gulbenkian em perfeita sintonia com o seu novo maestro titular, um Paul McCreesh que sabe pedir e exigir aos músicos o que o Mozart deixou escrito – ou seja, partituras desinfectadas dos «rodriguinhos» e ademanes romantizados em que grande maioria de maestros caiem sistematicamente – eis ingredientes inquestionáveis que mereciam qualquer sacrifício, mesmo comprometendo o descanso depois de cansativa deslocação a Itália.
Como, tanto aos Concertos para Violino e Orquestra Nºs 4 e 5, respectivamente, em Ré Maior KV. 218 e em Lá Maior KV. 219, como à Sinfonia Concertante para Violino, Viola e Orquestra, em Mi bemol Maior, KV. 364 de Mozart, já dediquei textos de enquadramento e de análise que podem encontrar no arquivo do blogue sintradoavesso, dispenso-me de o repetir. Tão somente gostaria de sublinhar o alto nível das interpretações que o público do CCB teve acesso na noite de ontem e, creio bem, igualmente, na tarde de hoje.
Uma coisa tenho de partilhar convosco acerca da reacção da audiência. Para uma esmagadora maioria dos presentes nos concertos da Gulbenkian, tanto faz assistir a uma interpretação canónica, do alto gabarito da de ontem, como escutar as mesmas peças dirigidas por Lawrence Foster… A exemplo do que, diferentes vezes ouvi Nikolaus Harnoncourt afirmar, aquela estirpe de maestros que, com as suas concessões à facilidade e desrespeito pelas obras, propalam a convicção falsíssima de que a música de Mozart é óptima para fazer uma boa digestão…
Ontem, na primeira parte do concerto no CCB, deixaram solistas e maestro recolher aos bastidores sem qualquer aplauso que os fizesse regressar ao palco. E, na segunda parte, no final da interpretação da Sinfonia Concertante, porque se ouviram repetidos «Bravo», intérpretes e maestro lá tiveram oportunidade de se regozijarem com a orquestra. Ontem ouvimos Mozart «a sério», coisa pouco frequente em Lisboa. Estou certo de que tal vai passar a acontecer, mais frequentemente, com McCreesh que, não sendo um mozartiano incontornável, é suficientemente sério para que Amadé seja servido como merece.
PS:
Para que não fiquem com a ideia de que só em Lisboa acontecem desacatos que vitimam a obra de Mozart, saibam que, mesmo em Salzburg, no santo dos santos, quer na Grosse Saal do Mozarteum quer na Grosses Festspielhaus, já tenho assistido a verdadeiros desaires. Por exemplo, na interpretação da Sinfonia Concertante em apreço, certa vez, com a Camerata Salzburg, dirigida por Sir Roger Norrington, tendo os «galácticos» Gidon Kremer e Yuri Bashmet como solistas, ouvimos as notas todas mas Mozart não esteve lá, cada um tocando para seu lado, certamente por falta de trabalho de ensaios. Enfim, a excepção que confirma a regra.
Gostaria de vos propor uma interpretação paradigmática da Sinfonia Concertante KV 364, com a Filarmónica de Viena, precisamente, sob a direcção de Harnoncourt, com Gidon Kremer e Kim Kashkashian como solistas.
Boa audição!
http://youtu.be/kTa_3JXpIBM
sábado, 23 de novembro de 2013
Santa Cecília
[Facebook, 22.11.2013]
Não é possível balizar com datas precisas a vida de Santa Cecília ainda que se considere provável ter sido martirizada entre 176 e 180, sob o império de Marco Aurélio. Seria uma nobre da Roma antiga, da família dos Metello, convertida ao cristianismo e forçada a casar contra sua vontade.
No dia do casamento - em que, segundo a lenda, enquanto a música tocava, no seu coração, só canrtava para o Senhor - terá dito ao noivo que estava sob a proteção directa de um Anjo que a defendia e guardava, na sequência de um voto que tinha feito a Deus de guardar a pureza virginal, convencendo-o de que Deus teria em conta se respeitasse essa sua vontade.
Conseguiu que marido e cunhado, respectivamente, Valeriano e Tibúrcio, também se convertessem mas os três foram martirizados às ordens do edil Turcius Almachius. Em sua honra, vários são os templos em Roma, o mais célebre dos quais 'Santa Cecília em Trastevere'.
Na Missa deste dia, podemos ler. na Antífona de entrada: "Esta é a gloriosa virgem mártir que derramou o seu sangue por Cristo, não temeu as ameaças dos juízes e assim alcançou o reino dos céus".
A História da Música regista célebres composições em honra desta Santa que, no seu coração, só cantava para o Senhor. Händel, Purcell, Britten, por exemplo. Precisamente de Georg Friedrich Händel (1685-1759) eis a "Ode for St. Cecilia`s Day", numa interpretação de Felicity Lott, soprano, Anthony Rolfe Johnson, tenor, The English Concert Choir, The English Concert, sob a direcção de Trevor Pinnock. Queiram ter em consideração o seguinte detalhe:
[I]
Overtura Recitativo Accompagnato ( tenor) "From Harmony...When nature underneath a heap"
Coro "From harmony, from heav'nly harmony"
[II]
Aria : " What passion cannot music raise and quell" (Soprano)
Aria : and Chorus : " The tromper`s loud clangor" (Tenor)
March.
[III]
Aria: " The soft complaining flute" (Soprano).
Aria : " Sharp violins proclaim" (Tenor)
Aria : " But oh! what art can teach" (Soprano)
[IV]
Aria : " Orpheus could lead the savage race" (Soprano)
Accompagnato : " But bright Cecilia" (Soprano)
Soprano and Chorus: " As from the pow`r of sacred lays"
Para aceder, basta accionar, sucessivamente, pela ordem indicada.
Boa audição!
http://youtu.be/Kr0uMXVchnQ [I]
http://youtu.be/opz0u65ISQA [II]
http://youtu.be/0FkdNj0hQPI [III]
http://youtu.be/mhYu6lkSj70 [IV]
Centenário de Benjamin Britten Britten [V]
[Facebook, 22.11.2013]
Em continuação do «programa de comemorações» do centenário de Benjamin Britten neste mural, no âmbito do qual aqui partilhei uma peça de sua autoria cada dia desta semana, então, no preciso dia do centenário, proponho-vos a leitura do meu artigo publicado na edição de hoje do 'Jornal de Sintra', no fim do qual há uma curiosa e «coincidente» sugestão de audição.
Trata-se do "Hymn to St. Cecilia" que, em 1942, sempre muito orgulhoso por ter nascido em dia tão auspicioso, Benjamin Britten compôs em honra da padroeira dos músicos que, como sabem, também é celebrada nesta mesma data.
Benjamin Britten,
jovem compositor centenário
Nascido em 22 de Novembro de 1913, há precisamente cem anos, Benjamin Britten é geralmente considerado como o maior compositor britânico do século vinte. Por todo o lado, em 2013, se tem celebrado o centenário, nos mais célebres auditórios e salas de ópera, em todos os grandes festivais, num manifesto de perenidade radicado na excepcional qualidade do seu legado.*
Acerca de Britten, neste dia do centenário, gostaria de partilhar convosco algumas breves notas biográficas, essenciais para se perceber o percurso de um compositor, empenhado com o seu tempo, cuja modernidade é tão determinante para o entendimento geral do próprio século vinte, em todos os aspectos, não só o musical e cultural lato sensu mas também os sociais e políticos.
Para entender o músico, preciso é entender o homem, atento a todos os sinais de um mundo que fervilha, autor de obra onde palpita uma criatividade transbordante, uma originalidade que tanto é irmã das melhores produções das artes plásticas, da literatura, do cinema como, politicamente, do cidadão comprometido com as grandes causas como, por exemplo a denúncia dos horrores da guerra.
Até ao fim da Guerra
Nasceu em Lowestoft, na região de East Anglia, sudoeste da Inglaterra, onde a presença da água terá sido determinante para o enquadramento de muita da sua escrita musical. Foi o que costuma designar-se como garoto prodígio, num ambiente familiar favorável à música, tendo começado a compor aos cinco anos e, com dez, logo participando num festival de amadores em Norwich. Beneficia do magistério do compositor, maestro e pianista Frank Bridge (1879-1941), estuda no Royal Colledge of Music, em Londres, onde recebe formação pianística de elevado nível mas pouco lucra das lições de composição de John Ireland.
Em 1934, de tal modo ficou impressionado com uma récita de "Wozzek", ópera de Alban Berg (1885-1935) estreada em 1925, que chegou a pensar ir estudar para Viena de Áustria com aquele compositor, projecto que não se concretizaria. Entretanto, chegam às salas de concerto as suas primeiras composições de um período de grande empenho em que, também escrevendo para o cinema, se encontra com o poeta anglo-americano W. H. Auden (1907-1973), se envolve politicamente com reflexos em "Our Hunting Fathers" (1936) e "Ballad of Heroes" (1939).
Com o começo da guerra, o objector de consciência que Benjamin Britten era, segue Auden para a América. Consigo vai Peter Pears (1910-1986), companheiro de toda a vida, sofisticado tenor que daria voz a inúmeras peças do compositor. É no outro lado do Atlântico que compõe a sua "Sinfonia da Requiem" (1940) e "Primeiro Quarteto de Cordas" (1941). No ano seguinte percebeu que tinha de voltar à sua Albion. Já em Inglaterra, com Pears, apresentam-se em grande número de eventos, envolvendo-se com a Sadler’s Wells Opera Company.
Até aos anos sessenta
Foi em Londres, no auditório da Rosebery Avenue, Clerkenwell, zona de Islington, em 7 de Junho de 1945 – a guerra na Europa tinha terminado um mês antes, em 8 de Maio – que a ópera "Peter Grimes" se estreou, com Peter Pears no protagonista, num tal sucesso tal que, aos trinta e dois anos, Britten passou a ser considerado o mais famoso dos compositores ingleses do seu tempo.
De 1946 é o tão conhecido e popoular "Young Person’s Guide to the Orchestra", a partir de um tema de Henry Purcell escrito trezentos anos antes e que, a nível mundial, emparceira com o não menos famoso" Pedro e o Lobo" (1936) de Prokofiev, para apresentação à gente nova dos instrumentos da orquestra. Como não eram tempos propícios às grandes produções, compõe as designadas óperas de câmara, tais como "The Rape of Lucretia" (O Rapto de Lucrécia) ou "Albert Herring", "The Turn of the Screw", escritas para pequenas orquestras e reduzidos elencos, óperas que podiam ser levadas à cena em pequenas igrejas e noutros enquadramentos similares.
Em 1948 funda o Festival de Aldeburgh. A partir de então, bem pode afirmar-se que passa a compor, quase exclusivamente para este evento anual onde se apresenta como maestro e pianista. De 1951 data outra grande ópera, "Billy Budd", produzida pelo Covent Garden e, de 1953, Gloriana, baseada na relação entre Isabel I e o Conde de Essex, para a cerimónia de gala da coroação da Rainha Isabel II.
Em 1962 escreve o "War Requiem" (Requiem da Guerra), uma das obras coral-sinfónicas mais importantes do século vinte, para comemorar a reconstruçao e a consagração da nova Catedral de Coventry, em substituição da que tinha sido arrasada por bombardeamentos. Para a estreia, além de Peter Pears e de Dietrich Fischer Dieskau, também estava prevista a presença do soprano Galina Vichnevskaia, mulher de Rostropovich, mas as autoridades russas não autorizaram a sua saída do país. De qualquer modo, a primeira gravação discográfica, para a etiquta Decca, já contou com a sua voz.
Mais artefactos do testamento
Da amizade com Mstislav Rostropovich nascem obras como "Sonata para Violoncelo" e "Sinfonia para Violoncelo" bem como três suites para violoncelo solo. É igualmente no contexto desta aproximação com o casal russo que, por diversas vezes, Britten se desloca à então União Soviética para se apresentar como maestro e também como pianista, acompanhando Pears em recitais.
Na sequência de uma viagem ao Extremo Oriente, profundamente impressionado com a estética nipónica do Teatro Nô, compõe, por exemplo, "Curlew River", uma das suas parábolas religiosas, datada de 1964 que, embora não esteja inequivocamente registado na partitura autógrafa, tudo leva a crer tenha sido dedicada à sua amiga íntima, a Senhora Marquesa Olga Cadaval, em cujo palácio de Veneza esteve várias vezes alojado.
Ainda destacaria mais duas grandes obras dos anos finais da vida de Bejamin Britten que morreria em 4 de Dezembro de 1976. Refiro-me às óperas "Owen Wingrave", de 1970 que, tendo sido concebida para televisão, logo foi produzida no palco do Covent Garden, e a "Death in Venice", com libretto baseado no romance homónimo Morte em Veneza, de Thomas Mann, estreada em Aldeburgh em 1973, que se considera incluir a melhor música para voz por ele escrita para Pears, que encarna a figura protagonista do decadente escritor Gustave von Aschenbach.
É curioso ter em consideração, como já tive ocasião de assinalar no meu texto sobre "Curlew River" – excertos do qual foram publicados nas páginas do 'Jornal de Sintra', que muitas das suas personagens principais lidam com o tema do outsider, alguém que, por circunstâncias diversas, não se integra, não se adequa ao meio social ou, então, é mal compreendido pela comunidade. Até que ponto é que a homossexualidade de Britten que, enquanto viveu, jamais foi objecto de pública discussão, poderá ter a ver com tal característica, é algo que constitui elemento não despiciendo da actual análise musicológica.
Deixei algumas pistas da sua extensa obra, cuja evidente modernidade continua a surpreender. Todas as peças que referi são essenciais para entender o mais jovem de todos os compositores centenários. Finalmente, no contexto da oficial celebração por mim promovida através do artigo que estão acabando de ler, neste que também é dia de Santa Cecília, patrona dos músicos, deixaria a sugestão de acederem ao "Hymn to St Cecília", obra coral composta por um Britten extremamente orgulhoso de ter nascido nesta data tão auspiciosa, peça que, pois claro, se ouviu pela primeira vez também num dia 22 de Novembro, em 1942. Boa audição!**
* Sintra não foi excepção, com dois fortes momentos de comemoração. O primeiro aconteceu, logo em 17 de Janeiro, por ocasião do aniversário da Senhora Marquesa de Cadaval, com a Orquestra de Cascais e Oeiras, sob a direcção do Maestro Nikolay Lalov, numa interpretação de Simple Symphony; mais tarde, numa segunda oportunidade, em pleno Festival de Sintra, ao lado de Giuseppe Verdi e Richard Wagner, foi compositor tutelar, com direito a uma conferência, na Quinta da Regaleira, por Rui Vieira Nery e, no Centro Cultural Olga Cadaval, à audição do Concerto para Piano e Orquestra No. 1, com Pedro Gomes como solista, e Orquestra Gulbenkian, dirigida por Joana Carneiro.
** Eis uma referência para busca no YouTube: http://youtu.be/MGyB7_2RnS4
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
Centenário de Benjamin Britten Britten [IV]
[Facebook, 21.11.2013]
Em continuação do «programa de comemorações» do centenário de Benjamin Britten neste mural, no âmbito do qual aqui terão uma peça de sua autoria cada dia desta semana, hoje proponho-vos
"Curlew River, A Parable for Church Performance", Op. 71 (1964)
Hoje em dia considera-se absolutamente determinante a viagem musical ao Extremo Oriente, que Benjamin Britten e Peter Pears empreenderam em Dezembro de 1955, pelas consequências artísticas profundas na obra subsequente do compositor.
A sua experiência de contacto com o austero e estilizado ritual do Teatro Nô japonês acabaria por constituir a inspiração essencial para três Parábolas Religiosas, escritas com intervalos de dois anos entre 1964 e 1968, dentre as quais "Curlew River", a primeira composta, se evidencia como mais próxima da origem japonesa, na medida em que se trata da adaptação de uma genuína peça Nô.
No entanto, em "Curlew River", a acção é transferida para as Fenlands, região pantanosa do leste da Inglaterra, na East Anglia medieval, conferindo-se-lhe um enquadramento cristão, acentuado pela utilização do cantochão 'Te lucis ante terminum', basilar para a estrutura a obra, resultando numa experiência operática radicalmente nova, enquanto que acolhe alguma da mais intensa e bela música de Britten.
O libretto é de William Plomer, com base em "Sumidagawa" (Rio Sumida) de Juro Motomasa, peça do teatro Nô. A estreia aconteceu em 12 de Junho de 1964 na igreja de St. Barholomew, em Orford, Suffolk, no âmbito do Festival de Aldeburgh.
Sinopse
De acordo com as características do Teatro Nô, a representação é assegurada apenas por actores masculinos: o 'Abade', que funciona como Narrador, a 'Mulher Louca', o 'Barqueiro' e o 'Viajante'. Oito Peregrinos desempenham as funções de Coro. Como tantas vezes acontece no universo de Britten, por exemplo, nas óperas "Peter Grimes”, "Billy Budd" ou "The Turn of ths Screw", o enredo está centrado num outsider que, neste caso, é 'Madwoman'.
A 'Mulher Louca' e o 'Viajante' pretendem atravessar Curlew River. Explica ela que anda em busca do filho que havia desaparecido há um ano. Embora inicialmente algo relutante, o Barqueiro acaba por ceder ao transporte. Durante a travessia conta a história de um rapaz que, um ano antes, por ali aparecera acompanhando um homem que o tinha raptado nas Black Mountains, donde a Mulher Louca é natural.
Doente, o rapaz tinha sido abandonado pelo homem e, embora tratado pela gente local, acabara por morrer, permanecendo a crença de que a sua sepultura era lugar sagrado. Naturalmente, torna-se evidente a relação entre a criança desaparecida e a 'Mulher Louca' que, com os acompanhantes, rezam junto à campa. No momento crucial em que todos cantam, ouve-se a voz do rapaz, aparecendo o seu espírito sobre o túmulo, confortando a mãe com a certeza do encontro no Céu.
Quanto ao suporte musical, sem direcção formal, a obra prevê que os cantores sejam acompanhados por um pequeno conjunto composto por flauta, trompa, viola, contrabaixo, harpa e percussão (cinco tamboretes, cinco pequenos sinos e um gong) e um harmónio (pequeno órgão).
A principal técnica musical presente em "Curlew River" é a 'heterofonia' que, em breves palavras, se resume à execução de variações independentes, por duas ou mais vozes, sobre uma mesma melodia, que Benjamin Britten utiliza conseguindo efeitos dramáticos extraordinários. Ainda cumpre salientar que, a exemplo do que acontece com outras obras do compositor, também nesta, alguns instrumentos estão afectos a determinadas personagens, como a 'Mulher Louca' à flauta e o 'Barqueiro' à trompa.
Obra de primordial importância, que precede e enquadra uma série de peças que o compositor escreverá subsequentemente, tais como "Owen Wingrave", "Death in Venice" ou o "Terceiro Quarteto de Cordas", é extremamente interessante e significativo que, «informalmente» (já que a partitura autógrafa, de facto, não regista) Curlew River tenha tido como dedicatária a Senhora Marquesa Olga de Cadaval que, no seu palácio em Veneza, algumas vezes acolheu o amigo pessoal Benjamin Britten.
Finalmente, desta peça crucial do testamento do compositor, proponho-vos uma brilhante produção do Festival de Aix-en-Provence, datada de 1998.
Boa audição!
http://youtu.be/InBawPCqN1c
"Curlew River, A Parable for Church Performance", Op. 71 (1964)
Hoje em dia considera-se absolutamente determinante a viagem musical ao Extremo Oriente, que Benjamin Britten e Peter Pears empreenderam em Dezembro de 1955, pelas consequências artísticas profundas na obra subsequente do compositor.
A sua experiência de contacto com o austero e estilizado ritual do Teatro Nô japonês acabaria por constituir a inspiração essencial para três Parábolas Religiosas, escritas com intervalos de dois anos entre 1964 e 1968, dentre as quais "Curlew River", a primeira composta, se evidencia como mais próxima da origem japonesa, na medida em que se trata da adaptação de uma genuína peça Nô.
No entanto, em "Curlew River", a acção é transferida para as Fenlands, região pantanosa do leste da Inglaterra, na East Anglia medieval, conferindo-se-lhe um enquadramento cristão, acentuado pela utilização do cantochão 'Te lucis ante terminum', basilar para a estrutura a obra, resultando numa experiência operática radicalmente nova, enquanto que acolhe alguma da mais intensa e bela música de Britten.
O libretto é de William Plomer, com base em "Sumidagawa" (Rio Sumida) de Juro Motomasa, peça do teatro Nô. A estreia aconteceu em 12 de Junho de 1964 na igreja de St. Barholomew, em Orford, Suffolk, no âmbito do Festival de Aldeburgh.
Sinopse
De acordo com as características do Teatro Nô, a representação é assegurada apenas por actores masculinos: o 'Abade', que funciona como Narrador, a 'Mulher Louca', o 'Barqueiro' e o 'Viajante'. Oito Peregrinos desempenham as funções de Coro. Como tantas vezes acontece no universo de Britten, por exemplo, nas óperas "Peter Grimes”, "Billy Budd" ou "The Turn of ths Screw", o enredo está centrado num outsider que, neste caso, é 'Madwoman'.
A 'Mulher Louca' e o 'Viajante' pretendem atravessar Curlew River. Explica ela que anda em busca do filho que havia desaparecido há um ano. Embora inicialmente algo relutante, o Barqueiro acaba por ceder ao transporte. Durante a travessia conta a história de um rapaz que, um ano antes, por ali aparecera acompanhando um homem que o tinha raptado nas Black Mountains, donde a Mulher Louca é natural.
Doente, o rapaz tinha sido abandonado pelo homem e, embora tratado pela gente local, acabara por morrer, permanecendo a crença de que a sua sepultura era lugar sagrado. Naturalmente, torna-se evidente a relação entre a criança desaparecida e a 'Mulher Louca' que, com os acompanhantes, rezam junto à campa. No momento crucial em que todos cantam, ouve-se a voz do rapaz, aparecendo o seu espírito sobre o túmulo, confortando a mãe com a certeza do encontro no Céu.
Quanto ao suporte musical, sem direcção formal, a obra prevê que os cantores sejam acompanhados por um pequeno conjunto composto por flauta, trompa, viola, contrabaixo, harpa e percussão (cinco tamboretes, cinco pequenos sinos e um gong) e um harmónio (pequeno órgão).
A principal técnica musical presente em "Curlew River" é a 'heterofonia' que, em breves palavras, se resume à execução de variações independentes, por duas ou mais vozes, sobre uma mesma melodia, que Benjamin Britten utiliza conseguindo efeitos dramáticos extraordinários. Ainda cumpre salientar que, a exemplo do que acontece com outras obras do compositor, também nesta, alguns instrumentos estão afectos a determinadas personagens, como a 'Mulher Louca' à flauta e o 'Barqueiro' à trompa.
Obra de primordial importância, que precede e enquadra uma série de peças que o compositor escreverá subsequentemente, tais como "Owen Wingrave", "Death in Venice" ou o "Terceiro Quarteto de Cordas", é extremamente interessante e significativo que, «informalmente» (já que a partitura autógrafa, de facto, não regista) Curlew River tenha tido como dedicatária a Senhora Marquesa Olga de Cadaval que, no seu palácio em Veneza, algumas vezes acolheu o amigo pessoal Benjamin Britten.
Finalmente, desta peça crucial do testamento do compositor, proponho-vos uma brilhante produção do Festival de Aix-en-Provence, datada de 1998.
Boa audição!
http://youtu.be/InBawPCqN1c
Centenário de Benjamin Britten Britten [III]
[Facebook, 20.11.2013]
Em continuação do programa de comemorações do centenário de Benjamin Britten neste mural, no âmbito do qual aqui terão uma peça de sua autoria cada dia desta semana, hoje proponho-vos War Requiem, op. 66, datada de 1962, que, tal como Ein Deutsches Requiem de Johannes Brahms, é uma obra não-litúrgica que, portanto, não segue o Ordinário da Missa de Defuntos. No suporte textual, poemas de Wilfred Owen servindo uma obra para as vozes solistas de soprano, tenor e barítono, coro, órgão e duas orquestras, uma das quais de câmara.
A gravação, que seleccionei foi colhida, ao vivo, no concerto de encerramento do Festival Schleswuig-Holstein, em 1992. A interpretação do Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio do Norte da Alemanha, sob direcção de Sir John Elliot Gardiner é, provavelmente, a melhor que conheço. Como verificarão, trata-se de uma sucessão de momentos inolvidáveis.
Por favor, reservem-se o mais possível, com o tempo e ambiente necessários para ouvirem Benjamin Britten «falar» sobre o desassossego da guerra. A guerra. Infelizmente, permanente. Ainda ontem, hoje mesmo.
Boa audição!
http://youtu.be/GHNgfF19CTY
Por favor, reservem-se o mais possível, com o tempo e ambiente necessários para ouvirem Benjamin Britten «falar» sobre o desassossego da guerra. A guerra. Infelizmente, permanente. Ainda ontem, hoje mesmo.
Boa audição!
http://youtu.be/GHNgfF19CTY
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Magister dixit
Um bom contributo do Prof. Fernando Seara acerca da nova Lei das Finanças Locais. Com proveito de leitura para todos quantos se interessam por estas questões e, em especial, para os autarcas, seja qual for o seu enquadramento partidário.
Tal como ali está centralmente destacado, "(...) o grupo dos novos autarcas vai deparar com um conjunto de restrições financeiras mais agravado do que as que existiram na última década". Magister dixit...
Tal como ali está centralmente destacado, "(...) o grupo dos novos autarcas vai deparar com um conjunto de restrições financeiras mais agravado do que as que existiram na última década". Magister dixit...
Centenário de Benjamin Britten Britten [II]
Em continuação do «programa de comemorações» do centenário de Benjamin Britten neste mural, no âmbito do qual aqui terão uma peça de sua autoria cada dia desta semana, hoje proponho-vos Simple Symphony op. 4, obra de juventude, num excelente registo do Ensemble I Musici.
Como sabem, o compositor era amigo pessoal de Dona Olga Cadaval. Pois bem, como ainda terão presente, esta foi uma das obras que constou do concerto de homenagem à Senhora Marquesa, por ocasião do seu aniversário, em 17 de Janeiro de 2013, oportunidade em que foi interpretada pela Orquestra de Cascais e Oeiras, sob a direcção do Maestro Nikolay Lalov. Então,
Boa audição!
http://youtu.be/FwSwopSro0k
Centenário de Benjamin Britten [I]
[facebook, 18.11.2013]
[facebook, 18.11.2013]
Em 22 de Novembro de 2013, próxima sexta-feira, comemora-se o centenário de Benjamin Britten. Até lá, portanto, em cada um dos próximos cinco dias, partilharei convosco uma obra do compositor.
Começo com Les Iluminations, Op.18, peça inspirada e com suporte nos poemas homónimos de Arthur Rimbaud que, tão frequentemente, tenho trazido a este mural. Mas, pela primeira vez, vos proponho o tenor Peter Pears (1910-1986)como intérprete, ele que foi o companheiro da vida de Britten.
Trata-se de uma gravação colhida ao vivo, em 23 de Fevereiro de 1966, numa actuação no Concertgebouw de Amsterdam, sob a direcção de Colin Davis (1927-2013). Uns dias atrás apresentei-vos uma leitura de Ian Bostridge, lembram-se? Vão lá novamente. Comparem. Percebam como é diferente e até que ponto isso acontece.
Boa audição!
http://youtu.be/mdRxkR16wls
Começo com Les Iluminations, Op.18, peça inspirada e com suporte nos poemas homónimos de Arthur Rimbaud que, tão frequentemente, tenho trazido a este mural. Mas, pela primeira vez, vos proponho o tenor Peter Pears (1910-1986)como intérprete, ele que foi o companheiro da vida de Britten.
Trata-se de uma gravação colhida ao vivo, em 23 de Fevereiro de 1966, numa actuação no Concertgebouw de Amsterdam, sob a direcção de Colin Davis (1927-2013). Uns dias atrás apresentei-vos uma leitura de Ian Bostridge, lembram-se? Vão lá novamente. Comparem. Percebam como é diferente e até que ponto isso acontece.
Boa audição!
http://youtu.be/mdRxkR16wls
domingo, 17 de novembro de 2013
17 de Novembro, Mais uma efeméride mozartiana
Morte,
a melhor amiga
No dia 17 de Novembro de 1785, apresentação da peça de Mozart Maurerische Trauermusik em Dó, KV 477 (Música Maçónica Fúnebre), escrita para uma cerimónia de pêsames, na Loja Zur gekrönten Hoffnung (Esperança Coroada) em honra do Conde Franz Esterházy von Galantha e do Duque Georg August von Meklenburg-Strelitz, recentemente falecidos.
A maior parte da grande componente de instrumentos de sopro foi acrescentada à última hora. Mozart incorpora o tónus peregrinus, com referência aos cantos de endoenças usados durante a Semana Santa, bem como o Miserere da cerimónia de Requiem.
A. Philippe Autexier, em 1984/5, alvitrou a hipótese de que a obra tenha sido composta em três versões sucessivas, a saber: 1. para a Iniciação de um candidato à Loja Zur Wahren Eintracht (Verdadeira Concórdia), em 12 de Agosto de 1785; 2. como versão instrumental, por ocasião de uma cerimónia de pêsames, que teve lugar em 17 de Novembro; 3. versão instrumental alargada, provavelmente apresentada em 9 de Dezembro de 1785.
Fosse como fosse, a verdade é que não é possível dissociar o carácter e a índole específica da peça daquilo que Mozart viria a confessar ao pai numa célebre carta datada de 4 de Abril de 1787: “(…) E dou graças ao meu Deus por me ter concedido a graça de aproveitar a oportunidade (o pai entende o significado destas palavras)* para me familiarizar com a ’chave’ da nossa verdadeira felicidade (…)”
É forçoso termos o teor desta carta em consideração quando escutamos a obra. Provavelmente, nunca antes, a visão da morte fora expressa e vivida com tanta sinceridade, ou seja, a concepção da Morte como a nossa verdadeira felicidade. Trazendo a morte ao seu quotidiano, Mozart acolhe-a sem angústia, trata-a com a maior simplicidade.
A sua crença Maçónica, aliada à Fé, transcendiam a Morte na Luz e Ressurreição que o ritual do terceiro grau de Mestre Maçon trouxeram à vida do iniciado e que o esplendoroso acorde final proclamaram na Mauerische Trauermusik.
Ouçam atentamente. Compreender os mais íntimos propósitos de Amadé passa por ouvir esta obra, tão entranhadamente voltada para o que está além desta nossa limitadíssima existência física. Mozart, o fervoroso crente católico, apostólico romano, Mozart, o Mestre Maçon, aqui unificados, numa obra sublime da literatura musical, não só do último quartel do século dezoito mas, certamente, de todos os tempos.
Morte, a melhor amiga de Mozart. E, para que conste: Morte, também a melhor amiga de quem subscreve e convosco partilha estas palavras. Ouçam, concordem ou não connosco, portanto, com Mozart e comigo.
Boa audição!
http://youtu.be/DyT6fEhXL9w
* Gostaria de chamar a vossa atenção para o seguinte: quando, na carta dirigida ao pai, Wolfgang Mozart faz este parêntesis, dando a entender que o pai estava no segredo de qualquer coisa, é preciso ter em consideração que Leopold Mozart entrou para a Augusta Ordem Maçónica com o patrocínio do próprio filho. O entendimentio a que Wolfgang se refere, tem a ver com o modo como se processa a relação dos Maçons com a realidade da Morte.
Efeméride mozartiana
Sinfonia No. 28
Sinfonia No. 28
Para comemoração desta data, recorro a um texto que subscrevi no âmbito da série que partilhei convosco acerca das quarenta sinfonias de Amadé. E, espero bem que ainda se recordem do detalhe da numera
ção, já que acabo de escrever o número total a que monta a obra sinfónica de Mozart, ou seja, quarenta, apesar de a última, designada como Júpiter ter o número quarenta e um...
Para hoje, temos a Sinfonia em Dó Maior, KV 200, que pertence àquele grupo de três sinfonias em que o compositor evidencia o seu domínio da forma durante o período, isto é, juntamente com as KV 183, No. 25 e a KV. 201, em Lá Maior, No. 29, acerca das quais também apresentei os respectivos enquadramentos ao longo do ano passado.
Foi composta em 1774, provavelmente a 17 [ou 12] de Novembro mas, como a datação é muito problemática, o ano também poderá ter sido o anterior, sinfonia esta que será a sua última composição da designada série de Salzburg.
Quanto à estrutura, foi escrita para quatro andamentos, 1.Allegro spiritoso, 2.Andante em Fá Maior, 3.Menuetto/Trio e 4.Presto. Cumpre fazer especial referência ao andamento inicial, particularmente notável pelo recorte rigoroso da introdução. Na simplicidade da sua tonalidade em Dó Maior, hão-de reparar como as melodias e temas se desenvolvem contra os arpeggios.
Nos momentos finais, o compositor dá particular ênfase aos metais, como que sugerindo o que acontecerá na sua última sinfonia, precisamente a que mencionei logo no primeiro parágrafo, a No. 41, KV 551.
Tendo uma particular estima, já que se trata de um conjunto discreto mas de excelente qualidade, mais uma vez vos proponho uma gravação da Mozart Akademie Amsterdam e, portanto, a uma muito competente interpretação da orquestra sob a direcção de Jaap Ter Linden que, como já se terão dado conta, gravou a integral da obra sinfónica de Mozart.
Boa audição!
http://youtu.be/fo4YzaixT3E
ção, já que acabo de escrever o número total a que monta a obra sinfónica de Mozart, ou seja, quarenta, apesar de a última, designada como Júpiter ter o número quarenta e um...
Para hoje, temos a Sinfonia em Dó Maior, KV 200, que pertence àquele grupo de três sinfonias em que o compositor evidencia o seu domínio da forma durante o período, isto é, juntamente com as KV 183, No. 25 e a KV. 201, em Lá Maior, No. 29, acerca das quais também apresentei os respectivos enquadramentos ao longo do ano passado.
Foi composta em 1774, provavelmente a 17 [ou 12] de Novembro mas, como a datação é muito problemática, o ano também poderá ter sido o anterior, sinfonia esta que será a sua última composição da designada série de Salzburg.
Quanto à estrutura, foi escrita para quatro andamentos, 1.Allegro spiritoso, 2.Andante em Fá Maior, 3.Menuetto/Trio e 4.Presto. Cumpre fazer especial referência ao andamento inicial, particularmente notável pelo recorte rigoroso da introdução. Na simplicidade da sua tonalidade em Dó Maior, hão-de reparar como as melodias e temas se desenvolvem contra os arpeggios.
Nos momentos finais, o compositor dá particular ênfase aos metais, como que sugerindo o que acontecerá na sua última sinfonia, precisamente a que mencionei logo no primeiro parágrafo, a No. 41, KV 551.
Tendo uma particular estima, já que se trata de um conjunto discreto mas de excelente qualidade, mais uma vez vos proponho uma gravação da Mozart Akademie Amsterdam e, portanto, a uma muito competente interpretação da orquestra sob a direcção de Jaap Ter Linden que, como já se terão dado conta, gravou a integral da obra sinfónica de Mozart.
Boa audição!
http://youtu.be/fo4YzaixT3E
Sintra,
Mercados de Natal
A este texto e ilustrações do meu amigo Fernando Castelo, gostaria eu de acrescentar mais algumas considerações na tentativa de não deixar passar impressões que, talvez, possam ser tidas em consideração se, algum dia, em Sintra, houver vontade de fazer algo de semelhante àquilo de que, tanto ele como eu, gostamos de ver e acolher nas nossas andanças na Baviera e também em Salzburg.
Devido à minha relação tão especial com esta cidade, conheço-lhe todos os meandros e, portanto, também uma explicação para uma especialíssima celebração da quadra natalícia. Gostaria de deixar mais um ou outro detalhe. O negócio dos adornos e decorações natalícias é de tal modo importante e florescente em Salzburg que, há muitos anos, existem lojas especializadas, instaladas no casco histórico da cidade, de porta aberta durante todo o ano, onde gente de todo o mundo se abastece in loco.
Aquele «in loco», cumpre não esquecer, tem a ver com o facto de ter sido em Oberndorf, nas imediações da cidade, que Franz Gruber e Joseph Mohr compuseram e fizeram cantar a famosa Stille Nacht, Heilige Nacht (Silent Night), pela primeira vez, em 24 de Dezembro de 1818 (sei de cor a data), na capelinha onde continua a celebrar-se o evento, com um museu a ele dedicado. Portanto, se nalgum lugar se podem reclamar pergaminhos de celebração do Natal, também em Salzburg, e de que maneira!... E fecho o parêntesis.
Em Sintra, mercado de Natal, tal como o meu amigo Fernando Castelo dá a entender, vejo-o, precisamente, na Volta do Duche, no nosso «Terreiro do Paço», ou seja, o Largo Rainha D. Amélia, em frente ao Palácio da Vila. Já na Heliodoro salgado, só e quando a requalificarem devidamente. Tal é o estado de degradação que, mesmo com o «barulho das luzes», o ambiente não é nada propício.
Mas existem outros locais, adequadíssimos, em Queluz, Colares, Belas, etc. Uma coisa que, sendo certa, é preciso sublinhar com veemência: nestas situações, não pode haver qualquer cedência à qualidade. Todo o cuidado é pouco com «saltimbancos» - perdoe-se-me o termo que uso apenas por comodidade de expressão - que estão sempre à espreita de oportunidades que tais para armarem arraial.
Os mercados de Natal, acerca dos quais escrevemos, são momentos, não para a élite, mas de inequívoca qualidade, de bom gosto, onde não haja qualquer indício de cultura de desleixo. Por isso mesmo, pressupõem a existência de uma comissão técnica municipal que se encarregue de zelar no sentido de que tais princípios sejam respeitados. Sintra merece.
sábado, 16 de novembro de 2013
Sintra,
Tolerância? - A quanto obrigas…
[Transcrição do artigo publicado no Jornal de Sintra, edição de 15.11.2013]
Por se tratar de matéria relacionada com a conjugação de
princípios e valores muito caros à vivência da Democracia, nenhum texto a
propósito pode ser inócuo. De qualquer modo, procurarei manter a atitude de sempre,
ou seja, a de recusar qualquer manifesto de contundência que, ferindo
susceptibilidades, prejudique o acolhimento da mensagem e inviabilize a
reflexão que se impõe.
No entanto, para efeitos da economia e pretendida
eficácia deste texto, desde logo se me afigura indispensável especificar a
noção de exercício de autoridade
democrática que me interessa discorrer e partilhar com os leitores. Para
que não subsista qualquer equívoco, apenas me referirei a alguns casos cuja
matriz de incidência radica na articulação com a prática da designada «tolerância».
E, continuando na tentativa de explicitação, convém que
nos entendamos quanto à acepção em que, com tanta frequência, é conjugado
aquele conceito, sugestivamente registado entre aspas. Se o acto de tolerar, isto
é, stricto sensu, a tendência a
admitir, nos outros, maneiras de pensar, de sentir e de agir diferentes ou
mesmo diametralmente opostas às nossas, que, em si, evidencia sobeja prova de
nobreza e abertura de espírito, já o seu entendimento como facilitador do
incurso em atitudes lesivas dos interesses de terceiros, é coisa perfeitamente
repudiável.
Ainda neste preâmbulo de esclarecimento do contexto, estou
em crer que muito do descrédito em que tem caído a classe política – de todo o
espectro partidário, tanto no todo nacional como no local, suscitando o
flagrante desinteresse quando não o mais evidente repúdio dos cidadãos em
relação à gestão da coisa pública, bem patente na altíssima percentagem da
abstenção verificada nas últimas eleições autárquicas – radica na dificuldade
que, precisamente, os autarcas têm demonstrado no exercício da autorIdade
democrática no contexto dos mandatos para que foram eleitos através
do voto popular.
Ora bem, chegado o momento de focar a atenção no concreto
quotidiano da comunidade sintrense, bastará trazer à colação duas questões cuja
abordagem, mesmo muito sucinta, imediata e copiosamente comprova a pertinência
do que venho expressando. Naturalmente, em simultâneo, bem demonstram como a
falta ou o deficiente exercício da autoridade democrática, em articulação com
um entendimento menos consentâneo do conceito de tolerância, acabam por
resultar em prejuízo da qualidade de vida.
Casos bem concretos
Apenas dois
problemas, ambos no domínio do estacionamento. Primeiramente, o de viaturas
particulares e autocarros de turismo, bem como o subsequente acesso ao centro
histórico, aos pontos altos da Serra e outros lugares do comércio e serviços na
sede do concelho. Seguidamente, a inexistência de uma área de parqueamento de
autocaravanas, meio de transporte de turismo que, cada vez mais, coloca os mais
sérios problemas aos destinos turísticos.
Há décadas por resolver, é sabido que o primeiro pressupõe
uma estratégia integrada de resolução. É neste sentido que, por exemplo, a
instalação dos parques dissuasores periféricos e requalificação de bolsas de
estacionamento, hão-de articular-se com as soluções equacionadas para outras importantes
questões, como a redefinição da rede dos transportes públicos, controlo dos
fluxos de trânsito – com o inevitável encerramento, nuns casos periódico,
noutros definitivo, de determinadas vias – ou a escrupulosa observância de um
absolutamente civilizado regime de cargas e descargas, etc.
Naturalmente, enquanto não forem adoptadas, decididas e
concretizadas as medidas correspondentes ao anterior enunciado, a vida tem de
continuar, mas, atenção, como é suposto, sem colidir com normas vigentes em
dispositivos legais, como o Código da Estrada, que determina e condiciona o
comportamento dos cidadãos condutores, impedindo-os de fazerem das vias de
circulação os parques de estacionamento que mais jeito lhes dão...
Quanto às autocaravanas, a situação é tão preocupante
quanto caricata a solução que tem vigorado,
em pleno centro histórico, a escassa centena de metros dos Paços do Concelho,
na zona do Rio do Porto. A foto remonta a Agosto e já ilustrava um artigo que
subscrevi, também publicado aqui no JS,
em 1 de Setembro de 2006. Nada, nada se alterou e, de facto, como toda a gente
sabe, só tem aumentado a procura. Parece que não se está mal, a cena
demonstra-o, pois há quem abanque entre dois veículos e até já tenho visto
roupa estendida… Problemas de higiene pública e de segurança de pessoas e bens,
a tudo se fecha os olhos.
A realidade é que, muito simplesmente, têm sido os
próprios autarcas que, perante a própria impossibilidade de resolução, induzem
à autoridade policial – igualmente incapacitada por dificuldades de toda a
ordem – uma atitude de «tolerância» perante
a prevaricação individual. E, assim, são os próprios eleitos que põe em
causa o interesse comum, o interesse dos eleitores que neles delegaram o poder
para o exercício da autoridade, uma autoridade que é decorrente do mais
significativo dos actos democráticos, no contexto de eleições, num Estado
Democrático de Direito.
Enfim, sem qualquer ponta de moralismo, parece ser tempo
de acabar com esta perversa «tolerância» que, perante a nossa implícita
aquiescência e condescendência, se transformou num dos piores inimigos, nela em
que também radica a matriz da designada cultura
do desleixo, expressão tão feliz de Jorge Sampaio, um dos mais ilustres
sintrenses.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
Sintra, Jorge de Mello
e a Fonte Mourisca
Como sabem, morreu recentemente Jorge de Mello, um homem que amava Sintra entranhadamente. Grande empresário, neto e co-herdeiro do império industrial fundado pelo avô, Alfredo da Silva, alargado pelo pai, D. Manuel de Mello (Cartaxo) e aumentado por ele próprio e por seu irmão, José Manuel de Mello, pois, também em Sintra, Jorge de Mello sofreu alguns ataques ao bom nome a que tinha direito.
Há pouco mais de ano e meio, tive oportunidade de desfazer um equívoco acerca de famoso caso, em que o seu nome aparecia ligado a um pretenso crime de desvio de um bem patrimonial muito conhecido, devido ao local de muita passagem onde foi implantado.
Aqui vo-lo trago novamente, não só porque vem a propósito, pela circunstância da morte de Jorge de Mello, mas também pelo manifesto exemplo de fabricação de uma historieta, tão bem embrulhada, que foi capaz de induzir em grosseiro erro um conhecido escritor e professor. Faço-o, mais uma vez, com o objectivo de recordar o homem que, afinal, tanto apreciava esta terra.
Em Sintra, melhor fora se honrasse a sua memória, por exemplo, fazendo jus a uma dádiva que foi objecto de notícia do 'Jornal de Sintra' publicada em 29 de Novembro de 1969: "(...) O Dr. Jorge de Mello (...) ofereceu um terreno (no valor de 1.167.000 escudos) para a construção do novo Hospital de Sintra", situado no Vale de S. Martinho, entre o cemitério de S. Marçal e a povoação de Lourel (...)", conforme registo de Fernando Castelo no seu blogue 'Retalhos de Sintra' no passado dia 11 do corrente.
Então, passo à transcrição do meu artigo, também publicado no mesmo jornal em 13.04.12.
**********************Fonte Mourisca,
uma história mal contada
“(…) A história mais espantosa é a da fonte árabe, que agora está aqui. Os senhores Mello pegaram na fonte e levaram-na para a Quinta da Ribafria. Faltava lá uma fonte bonita… Levaram-na, com a alegação de que precisava de recuperação e, como a Câmara não tinha dinheiro e eles tinham, recuperam-na no seu palácio particular e ficam com ela. Só depois do 25 de Abril é que voltou para aqui. (…)”
[Miguel Real 'Somos portugueses – e depois?' Nº 992 da Revista Visão, 8 de Março de 2012]
Desta vez, lamentavelmente, coube a Miguel Real a desdita de cair na armadilha oportunamente urdida por incógnita gente que, convenhamos, sem grande imaginação, misturou alguns factos com falsidades resultantes da mais evidente efabulação, fazendo circular como real e verdadeira a história citada na epígrafe que, só aparentemente, tem todos os ingredientes de plausibilidade e verosimilhança.
Enfim, tendo-me munido de provas inequívocas da realidade dos factos, julgo ser tempo de repor a verdade dos episódios inerentes à trasladação da designada Fonte Mourisca. Manda a verdade que assim o faça, objectivo este ainda mais justificado por ter sido Miguel Real – que tantas e sobejas provas de apego à verdade tem manifestado – afinal, quem acabou por dar azo à adequação do conhecido provérbio no melhor pano cai a nódoa…
Feita a justa ressalva e libertando Miguel Real de qualquer responsabilidade na propalação de uma mentira que, ao longo de dezenas de anos, tem feito caminho e evitáveis estragos, passemos aos factos. Entre 1922 – data em que foi edificada, a partir de um projecto de pendor revivalista, da autoria de Mestre José da Fonseca* – e 1960, a citada Fonte Mourisca, esteve instalada, sensivelmente, no local onde, rematando a descendente Rua Visconde de Monserrate, na curva de acesso à Volta do Duche, hoje se encontra o chafariz fronteiro ao edifício onde funcionou o antigo quartel dos bombeiros, actual Museu do Brinquedo.
Ora bem, naquele citado ano de 1960, a Câmara Municipal de Sintra, sob a presidência do Prof. Joaquim Fontes, adjudicou os trabalhos de construção do tal chafariz, substituto da fonte em apreço, a Alfredo da Silva Ventura, ao tempo, um dos mais conhecidos e conceituados empresários sintrenses da construção civil. Para cabal entendimento da questão, cumpre assinalar que, para todos os efeitos, no contexto da concretização daquela obra e nos termos da prática então vigente, os materiais constantes da fonte apeada pelo empreiteiro passaram a propriedade sua.
Subsequentemente, com o intuito de preservar as peças que, entretanto, nos termos referidos, já eram do seu património pessoal, o Sr. Alfredo da Silva Ventura fê-las depositar numa sua pedreira, nas imediações da Capela de Santo Amaro, relativamente próximo da Quinta de Ribafria, pedreira aquela onde permaneceram sem que dano algum as tivesse molestado.
Passados cerca de vinte anos, o Vereador dos Serviços Culturais, Brigadeiro Machado de Souza, através do ofício 12704, datado de 25 de Julho de 1980 – cuja fotocópia, na sequência de investigação muito sumária, tenho em meu poder – dá conhecimento ao Sr. Ventura da intenção de a Câmara Municipal reaver a fonte, mostrando-se interessado em iniciar conversações.
A resposta seguiu célere. Datada de 4 de Agosto, logo no primeiro parágrafo e sem quaisquer condições, a carta do Sr. Alfredo Ventura informa “(…) ser com o maior prazer que coloco à disposição da Exma. Câmara Municipal de Sintra a Fonte Mourisca (…)”. Para que se ateste da nobreza de intenções daquele senhor, não resisto à transcrição do terceiro parágrafo da missiva:
“(…) Embora tendo tido muitas ofertas, sempre me recusei a vender esta Fonte, alimentando sempre a esperança de que um dia a poderia ver novamente colocada na Vila de Sintra e, porque assim é, não imponho a V. Exa. ou à Exma. Câmara quaisquer condições, mas, porque a minha idade já vai avançada (75 anos), muito honrado me sentiria, como verdadeiro Sintrense que sempre fui, e sempre serei, se V. Exa., em minha vida, se dignasse conceder-me tal satisfação. (…)”
E a verdade é que nem uma pedra faltou! Nesta história, em que os Mello jamais interferem, é o Sr. Alfredo Ventura, isso sim, quem intervém na condição de oportuno benemérito, acabando por devolver à comunidade um interessante bem patrimonial, sem que nada o obrigasse a gesto tão altruísta. O resto é do conhecimento geral. Infelizmente, em 1982, com a reposição da peça, ninguém achou por bem que, igualmente, se impunha repor a verdade dos factos.
Finalmente, com algum natural desapontamento, não posso deixar de registar que, durante tantos anos, uma descarada mentira tivesse andado de boca em boca, conspurcando um episódio com evidentes contornos de dignidade, nobreza de carácter e de amor a esta terra. Sintra bem merece todo o cuidado quando se trata de relatar o seu passado recente ou remoto. Isso se esperaria, afinal, dos historiadores locais que, infelizmente, no caso vertente, parece terem andado algo distraídos…
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*A propósito, lembrarei que, da autoria do mesmo mestre escultor e canteiro, são a Fonte dos Pisões, o Monumento ao Soldado Desconhecido, na Correnteza, o conjunto escultórico de homenagem ao Dr. Gregório de Almeida, também na Volta do Duche, e a cópia do Pelourinho manuelino, junto à igreja da Misericórdia.
Aqui vo-lo trago novamente, não só porque vem a propósito, pela circunstância da morte de Jorge de Mello, mas também pelo manifesto exemplo de fabricação de uma historieta, tão bem embrulhada, que foi capaz de induzir em grosseiro erro um conhecido escritor e professor. Faço-o, mais uma vez, com o objectivo de recordar o homem que, afinal, tanto apreciava esta terra.
Em Sintra, melhor fora se honrasse a sua memória, por exemplo, fazendo jus a uma dádiva que foi objecto de notícia do 'Jornal de Sintra' publicada em 29 de Novembro de 1969: "(...) O Dr. Jorge de Mello (...) ofereceu um terreno (no valor de 1.167.000 escudos) para a construção do novo Hospital de Sintra", situado no Vale de S. Martinho, entre o cemitério de S. Marçal e a povoação de Lourel (...)", conforme registo de Fernando Castelo no seu blogue 'Retalhos de Sintra' no passado dia 11 do corrente.
Então, passo à transcrição do meu artigo, também publicado no mesmo jornal em 13.04.12.
**********************Fonte Mourisca,
uma história mal contada
“(…) A história mais espantosa é a da fonte árabe, que agora está aqui. Os senhores Mello pegaram na fonte e levaram-na para a Quinta da Ribafria. Faltava lá uma fonte bonita… Levaram-na, com a alegação de que precisava de recuperação e, como a Câmara não tinha dinheiro e eles tinham, recuperam-na no seu palácio particular e ficam com ela. Só depois do 25 de Abril é que voltou para aqui. (…)”
[Miguel Real 'Somos portugueses – e depois?' Nº 992 da Revista Visão, 8 de Março de 2012]
Desta vez, lamentavelmente, coube a Miguel Real a desdita de cair na armadilha oportunamente urdida por incógnita gente que, convenhamos, sem grande imaginação, misturou alguns factos com falsidades resultantes da mais evidente efabulação, fazendo circular como real e verdadeira a história citada na epígrafe que, só aparentemente, tem todos os ingredientes de plausibilidade e verosimilhança.
Enfim, tendo-me munido de provas inequívocas da realidade dos factos, julgo ser tempo de repor a verdade dos episódios inerentes à trasladação da designada Fonte Mourisca. Manda a verdade que assim o faça, objectivo este ainda mais justificado por ter sido Miguel Real – que tantas e sobejas provas de apego à verdade tem manifestado – afinal, quem acabou por dar azo à adequação do conhecido provérbio no melhor pano cai a nódoa…
Feita a justa ressalva e libertando Miguel Real de qualquer responsabilidade na propalação de uma mentira que, ao longo de dezenas de anos, tem feito caminho e evitáveis estragos, passemos aos factos. Entre 1922 – data em que foi edificada, a partir de um projecto de pendor revivalista, da autoria de Mestre José da Fonseca* – e 1960, a citada Fonte Mourisca, esteve instalada, sensivelmente, no local onde, rematando a descendente Rua Visconde de Monserrate, na curva de acesso à Volta do Duche, hoje se encontra o chafariz fronteiro ao edifício onde funcionou o antigo quartel dos bombeiros, actual Museu do Brinquedo.
Ora bem, naquele citado ano de 1960, a Câmara Municipal de Sintra, sob a presidência do Prof. Joaquim Fontes, adjudicou os trabalhos de construção do tal chafariz, substituto da fonte em apreço, a Alfredo da Silva Ventura, ao tempo, um dos mais conhecidos e conceituados empresários sintrenses da construção civil. Para cabal entendimento da questão, cumpre assinalar que, para todos os efeitos, no contexto da concretização daquela obra e nos termos da prática então vigente, os materiais constantes da fonte apeada pelo empreiteiro passaram a propriedade sua.
Subsequentemente, com o intuito de preservar as peças que, entretanto, nos termos referidos, já eram do seu património pessoal, o Sr. Alfredo da Silva Ventura fê-las depositar numa sua pedreira, nas imediações da Capela de Santo Amaro, relativamente próximo da Quinta de Ribafria, pedreira aquela onde permaneceram sem que dano algum as tivesse molestado.
Passados cerca de vinte anos, o Vereador dos Serviços Culturais, Brigadeiro Machado de Souza, através do ofício 12704, datado de 25 de Julho de 1980 – cuja fotocópia, na sequência de investigação muito sumária, tenho em meu poder – dá conhecimento ao Sr. Ventura da intenção de a Câmara Municipal reaver a fonte, mostrando-se interessado em iniciar conversações.
A resposta seguiu célere. Datada de 4 de Agosto, logo no primeiro parágrafo e sem quaisquer condições, a carta do Sr. Alfredo Ventura informa “(…) ser com o maior prazer que coloco à disposição da Exma. Câmara Municipal de Sintra a Fonte Mourisca (…)”. Para que se ateste da nobreza de intenções daquele senhor, não resisto à transcrição do terceiro parágrafo da missiva:
“(…) Embora tendo tido muitas ofertas, sempre me recusei a vender esta Fonte, alimentando sempre a esperança de que um dia a poderia ver novamente colocada na Vila de Sintra e, porque assim é, não imponho a V. Exa. ou à Exma. Câmara quaisquer condições, mas, porque a minha idade já vai avançada (75 anos), muito honrado me sentiria, como verdadeiro Sintrense que sempre fui, e sempre serei, se V. Exa., em minha vida, se dignasse conceder-me tal satisfação. (…)”
E a verdade é que nem uma pedra faltou! Nesta história, em que os Mello jamais interferem, é o Sr. Alfredo Ventura, isso sim, quem intervém na condição de oportuno benemérito, acabando por devolver à comunidade um interessante bem patrimonial, sem que nada o obrigasse a gesto tão altruísta. O resto é do conhecimento geral. Infelizmente, em 1982, com a reposição da peça, ninguém achou por bem que, igualmente, se impunha repor a verdade dos factos.
Finalmente, com algum natural desapontamento, não posso deixar de registar que, durante tantos anos, uma descarada mentira tivesse andado de boca em boca, conspurcando um episódio com evidentes contornos de dignidade, nobreza de carácter e de amor a esta terra. Sintra bem merece todo o cuidado quando se trata de relatar o seu passado recente ou remoto. Isso se esperaria, afinal, dos historiadores locais que, infelizmente, no caso vertente, parece terem andado algo distraídos…
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*A propósito, lembrarei que, da autoria do mesmo mestre escultor e canteiro, são a Fonte dos Pisões, o Monumento ao Soldado Desconhecido, na Correnteza, o conjunto escultórico de homenagem ao Dr. Gregório de Almeida, também na Volta do Duche, e a cópia do Pelourinho manuelino, junto à igreja da Misericórdia.
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Gluck,
na efeméride do falecimento (Cont. I)
Na sequência do meu post de minutos atrás, eis Se mai senti spirarti sul volto da ópera La Clemenza di Tito, com libreto de Metastasio, estreada cerca de quarenta anos antes da primeira récita da homónima de Mozart.
Segue o texto para poderem acompanhar convenientemente:
Se mai senti spirarti sul volto
lieve fiato che lento s'aggiri,
di': Son questi gli estremi sospiri
del mio fido che more per me.
Al mio spirto dal seno disciolto
la memoria di tanti martiri
sarà dolce con questa mercé.
na efeméride do falecimento (Cont. I)
Na sequência do meu post de minutos atrás, eis Se mai senti spirarti sul volto da ópera La Clemenza di Tito, com libreto de Metastasio, estreada cerca de quarenta anos antes da primeira récita da homónima de Mozart.
Segue o texto para poderem acompanhar convenientemente:
Se mai senti spirarti sul volto
lieve fiato che lento s'aggiri,
di': Son questi gli estremi sospiri
del mio fido che more per me.
Al mio spirto dal seno disciolto
la memoria di tanti martiri
sarà dolce con questa mercé.
A interpretação é de Joyce Didonato, Orquestra da Ópera Nacional de Lyon, Maestro Kazushi Ono.
Boa audição!
http://youtu.be/p2n_ten76n8
GLUCK, Christoph Willibald
O compositor morreu em 15 de Novembro de 1787 (n. 1714). Passados dois dias, no seu funeral, foi interpretada De profundis, para Coro e Orquestra, obra que vos proponho aqui interpretada pelo Coro Ars Cantica e Ensemble Musica Rara, sob direcção de Arnold Bosman, em gravação ao vivo na Basilica di S, Maria presso San Satiro, Milano, em 10 de Abril de 1997.
2014 será ano das grandes comemorações do tricentenário do nascimento. Se Deus quiser, pela parte que me cabe, logo em Janeiro, começarei muito bem o programa pessoal das celebrações, assistindo à nova produção de Orfeo ed Eurídice de Marc Minkowsky, para a Mozartwoche de Salzburg. Naturalmente, como sempre, terão notícias em primeira mão, logo no dia da estreia.
Mas, para já, atenção a este De profundis tão subtil. É, de facto, uma daquelas peças que poderão fazer a diferença no funeral de qualquer melómano...
Boa audição!
http://youtu.be/nFR3Bayq9vw
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