Vinte e cinco de Abril
à moda de Sintra
(continuação)
Tão distraídos!...
Admirou-se Sua Excelência com o grau de ignorância dos jovens portugueses quando, em resposta a um inquérito promovido pela própria Presidência da República, evidenciaram como estão longe da vida política. Pois eu não percebo a surpresa e, muito menos, vinda de quem assim a expressa, ao não reconhecer a sua própria quota-parte de responsabilidade, em especial durante o período de dez anos em que foi Primeiro Ministro.
Por outro lado, tal admiração é tanto mais estranha quanto se revela impossível dissociá-la da ignorância que, não só os jovens mas também a generalidade dos cidadãos, igualmente revelam em muitos outros domínios, com certificação assegurada pela permanente cópia de índices estatísticos nacionais, dando razão àqueles que, normalmente, são apelidados de profetas da desgraça…
Quem prefere descurar a visão alargada e articulada deste tipo de questões fica altamente prejudicado nas suas conclusões. De facto, uma perspectiva devidamente integrada, permitiria aos aprendizes de analista que não se precipitassem em afirmações tão frágeis como as que remetem para os políticos a culpa do divórcio das jovens gerações em relação ao conhecimento que se passa na res publica.
No fundo, bem no fundo da questão – e por muito que me considerem repetitivo de tão maçador, sempre trazendo à colação o mesmo argumento – no fundo, a proverbial iliteracia, o analfabetismo pleno e funcional, afectando larguíssima percentagem da população portuguesa, sem comparação próxima com o que se passa na União Europeia a vinte e sete, constituem a matriz essencial deste aparente destempero, que só causa surpresa aos muito distraídos.
Razões profundas
Se não fossem a iliteracia e as diferentes vertentes do analfabetismo, onde iríamos buscar justificação para comportamentos tão desviantes como a instalada e, mais uma vez, acima aludida e tão abrangente cultura do desleixo? Ou como compreender o facto de sermos o país cuja média ponderada de consumo de bens culturais (frequências de teatro, cinema, aquisição de livros e de jornais, etc) é a mais baixa da Europa? Onde encontraríamos espalda para tanta irresponsabilidade no comportamento dos condutores nas estradas e ruas do país?
Tanto quanto, de momento, me ocorre, apenas num sector não se poderá invocar a ignorância como factor que afecte o cidadão comum. Claro que me reporto ao futebol. Num país com tão desfavoráveis sintomas de falta de qualidade de vida, onde tão pouco se lê, espantamo-nos com a existência de vários jornais diários, prática e totalmente afectos ao futebol embora se afirmem desportivos. Ver um cidadão a ler qualquer coisa, significa estar debruçado sobre qualquer notícia de futebol.
A propósito, se o inquérito que o PR citou, tivesse incluído questões sobre qualquer acontecimento futebolístico, recente ou longínquo, estou certo de que não haveria hesitações nem erros. Nesse domínio, não tenham dúvidas, o trabalho foi e continua a ser bem feito, a informação passa, é assumida, faz parte de um património comum que se partilha e discute acaloradamente, com desmedido empenho.
(continua)
[sempre de acordo com a antiga ortografia]
quarta-feira, 30 de abril de 2008
terça-feira, 29 de abril de 2008
Vinte e cinco de Abril,
à moda de Sintra
(continuação)
Na Estefânea, obras que ofendem
Todavia, não terminam por aqui as sintrenses e tão sui generis celebrações aprilinas. Senão, vejamos. Na semana passada, depois de generalizadas denúncias do pavoroso estado a que chegou o pavimento em paralelepípedo de algumas artérias do bairro da Estefânea, a Câmara Municipal de Sintra resolveu dar mais uma pública prova de como é expedita e perita no atamancar das intervenções.
Em vez de proceder ao correcto remédio do descalabro das lombas e valetas, ao longo de vias por onde circula elevadíssimo número de veículos ligeiros e pesados, a autarquia destacou para o local alguns trabalhadores que, no cumprimento de doutas instruções do Senhor Vereador do respectivo pelouro, se limitaram a atirar com areia e saibro por cima das pedras e… para os nossos olhos.
Não há aqui o mínimo exagero. As lombas e valetas continuam. Com a diferença de acumularem agora a areia e o saibro que restaram, depois da poeirada ter andado pelos ares, incomodando toda a gente na zona, em especial na Heliodoro Salgado e no início da Alfredo da Costa. Quem persista na dúvida, poderá verificar que análogas atitudes e práticas de trabalho estão bem enraizadas, e avaliar como se manifesta a cultura do desleixo, promovida pela própria Câmara Municipal, através de trabalhos à trouxe-mouxe, sem qualquer ponta de dignidade.
Naturalmente, está por demonstrar – mas eu permito-me avançar a hipótese – que um tal despautério apenas aconteceu com o benévolo propósito de proporcionar aos sintrenses e forasteiros um vislumbre de inesperado safari africano numa zona que, deste modo, acrescenta mais este ao privilégio de ter sido classificada como Paisagem Cultural da Humanidade…
Celebração em tempo recorde
Pois foi. Aconteceu em Sintra, em pleno centro vital do concelho, durante os quatro dias que precederam o Vinte e Cinco de Abril deste ano. Mas nem assim se consideraram razoavelmente tranquilizadas as autoridades de Sintra. Ainda não estava esgotado o pacote das asneiras afins de uma comemoração que, afinal, não podia deixar de acontecer de acordo com o que a casa gasta.
Por cá, as cerimónias oficiais para comemoração do trigésimo quarto aniversário do Vinte e Cinco de Abril demoraram cinco minutos e quatorze segundos. Não é preciosismo, não senhor. Trata-se de tempo cronometrado por um amigo que, pelo andar da carruagem, ao aperceber-se de que o ritual em perspectiva se limitaria ao mínimo dos mínimos, resolveu registar o facto, quanto mais não fosse, e como soe dizer-se, para memória futura.
Tanta presteza e tamanha celeridade – aliás, bem ilustrativas da dignidade que as autoridades concelhias consignam a um acto com a simbologia do caso presente – para além de constituírem facto digno do Guiness, adequam-se, que nem uma luva, às controversas referências que fez o Chefe de Estado no Parlamento durante a habitual homenagem da República pela passagem da efeméride.
(continua)
à moda de Sintra
(continuação)
Na Estefânea, obras que ofendem
Todavia, não terminam por aqui as sintrenses e tão sui generis celebrações aprilinas. Senão, vejamos. Na semana passada, depois de generalizadas denúncias do pavoroso estado a que chegou o pavimento em paralelepípedo de algumas artérias do bairro da Estefânea, a Câmara Municipal de Sintra resolveu dar mais uma pública prova de como é expedita e perita no atamancar das intervenções.
Em vez de proceder ao correcto remédio do descalabro das lombas e valetas, ao longo de vias por onde circula elevadíssimo número de veículos ligeiros e pesados, a autarquia destacou para o local alguns trabalhadores que, no cumprimento de doutas instruções do Senhor Vereador do respectivo pelouro, se limitaram a atirar com areia e saibro por cima das pedras e… para os nossos olhos.
Não há aqui o mínimo exagero. As lombas e valetas continuam. Com a diferença de acumularem agora a areia e o saibro que restaram, depois da poeirada ter andado pelos ares, incomodando toda a gente na zona, em especial na Heliodoro Salgado e no início da Alfredo da Costa. Quem persista na dúvida, poderá verificar que análogas atitudes e práticas de trabalho estão bem enraizadas, e avaliar como se manifesta a cultura do desleixo, promovida pela própria Câmara Municipal, através de trabalhos à trouxe-mouxe, sem qualquer ponta de dignidade.
Naturalmente, está por demonstrar – mas eu permito-me avançar a hipótese – que um tal despautério apenas aconteceu com o benévolo propósito de proporcionar aos sintrenses e forasteiros um vislumbre de inesperado safari africano numa zona que, deste modo, acrescenta mais este ao privilégio de ter sido classificada como Paisagem Cultural da Humanidade…
Celebração em tempo recorde
Pois foi. Aconteceu em Sintra, em pleno centro vital do concelho, durante os quatro dias que precederam o Vinte e Cinco de Abril deste ano. Mas nem assim se consideraram razoavelmente tranquilizadas as autoridades de Sintra. Ainda não estava esgotado o pacote das asneiras afins de uma comemoração que, afinal, não podia deixar de acontecer de acordo com o que a casa gasta.
Por cá, as cerimónias oficiais para comemoração do trigésimo quarto aniversário do Vinte e Cinco de Abril demoraram cinco minutos e quatorze segundos. Não é preciosismo, não senhor. Trata-se de tempo cronometrado por um amigo que, pelo andar da carruagem, ao aperceber-se de que o ritual em perspectiva se limitaria ao mínimo dos mínimos, resolveu registar o facto, quanto mais não fosse, e como soe dizer-se, para memória futura.
Tanta presteza e tamanha celeridade – aliás, bem ilustrativas da dignidade que as autoridades concelhias consignam a um acto com a simbologia do caso presente – para além de constituírem facto digno do Guiness, adequam-se, que nem uma luva, às controversas referências que fez o Chefe de Estado no Parlamento durante a habitual homenagem da República pela passagem da efeméride.
(continua)
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Vinte e cinco de Abril,
à moda de Sintra
Convém continuar a lembrar aos menos atentos que os jardins de Seteais permanecem encerrados. Invocando o pretexto da segurança, durante o período de obras de recuperação do interior do palácio, o grupo Espírito Santo, concessionário da exploração hoteleira, decidiu intempestiva e unilateralmente, vedar a entrada num espaço cuja manutenção, como terreiro de público usufruto, tem custado interessantes lutas ao povo de Sintra, desde os primeiros anos do século dezanove, portanto, há cerca de duzentos anos.
Seteais, a saga continua
Ninguém desconhece que as tais razões de segurança constituem esfarrapada desculpa para a perpetração de um acto arbitrário que ofende a comunidade. Só o habilidoso hoteleiro, habituado a manobras congéneres de encerramento daquele recinto, se poderia permitir apresentar o facto consumado em questão. Na realidade, é impossível demonstrar a incompatibilidade da concretização de obras, no interior do palácio, com o acesso de visitantes ao belveder, através de um corredor delimitado, sem qualquer risco para as pessoas.
Está à vista que o grupo Espírito Santo resolveu mandar areia para os olhos dos sintrenses. Também é visível que, apesar da poeira levantada, quem nos deveria representar na rápida resolução desta causa, parece não sentir o incómodo. Ou, na melhor das hipóteses, se sente, de facto não consegue pôr cobro a tão irregular situação. O que é lamentável num Estado Democrático de Direito. Há mais de três meses que deixou de ser possível entrar em Seteais, há mais de um mês que o Vereador da Cultura informou ter avocado o assunto pessoalmente e nada acontece que, a respeito do caso, nos satisfaça.
Comemorar o Vinte e Cinco de Abril, em Sintra, poderia ter coincidido, real e simbolicamente com a resolução do assunto. Se assim tivesse acontecido, teríamos um espaço que é livre, devolvido à liberdade de ali poder acontecer o gozo da beleza que, por exemplo, Eça de Queiroz registou em inesquecível página de Os Maias. Caramba! É tempo mais que suficiente. Só a inoperância dos serviços camarários, a falta de sentido de oportunidade, justificam que não haja correspondência ao nosso direito à indignação.
O que sucede, em termos de comemoração da efeméride, é um desanimador contraponto, mais afim do vinte e quatro de Abril. Como se preciso fosse ir buscá-lo a uma qualquer gaveta do esquecimento… Pois não senhor. Basta passar a Regaleira e subir um pouco mais para que cada um se confronte com o cenário, aparentemente do tempo da outra senhora.
Lá estão, lá continuam os portões encerrados, o aviso com o pretexto da segurança, as alamedas laterais, e inclusive, sem qualquer necessidade, um canto do relvado, transformados em estaleiro da iniquidade, porque um conhecido e poderoso abusador assim resolveu.
(continua)
* Nos últimos anos, por diversas vezes, o mesmo e actual concessionário vedou o acesso ao terreiro, por ocasião de eventos que obrigaram à instalação de pesadas estruturas metálicas, resultando em danos que o relvado acusou, de acordo com o que a imprensa regional divulgou.
à moda de Sintra
Convém continuar a lembrar aos menos atentos que os jardins de Seteais permanecem encerrados. Invocando o pretexto da segurança, durante o período de obras de recuperação do interior do palácio, o grupo Espírito Santo, concessionário da exploração hoteleira, decidiu intempestiva e unilateralmente, vedar a entrada num espaço cuja manutenção, como terreiro de público usufruto, tem custado interessantes lutas ao povo de Sintra, desde os primeiros anos do século dezanove, portanto, há cerca de duzentos anos.
Seteais, a saga continua
Ninguém desconhece que as tais razões de segurança constituem esfarrapada desculpa para a perpetração de um acto arbitrário que ofende a comunidade. Só o habilidoso hoteleiro, habituado a manobras congéneres de encerramento daquele recinto, se poderia permitir apresentar o facto consumado em questão. Na realidade, é impossível demonstrar a incompatibilidade da concretização de obras, no interior do palácio, com o acesso de visitantes ao belveder, através de um corredor delimitado, sem qualquer risco para as pessoas.
Está à vista que o grupo Espírito Santo resolveu mandar areia para os olhos dos sintrenses. Também é visível que, apesar da poeira levantada, quem nos deveria representar na rápida resolução desta causa, parece não sentir o incómodo. Ou, na melhor das hipóteses, se sente, de facto não consegue pôr cobro a tão irregular situação. O que é lamentável num Estado Democrático de Direito. Há mais de três meses que deixou de ser possível entrar em Seteais, há mais de um mês que o Vereador da Cultura informou ter avocado o assunto pessoalmente e nada acontece que, a respeito do caso, nos satisfaça.
Comemorar o Vinte e Cinco de Abril, em Sintra, poderia ter coincidido, real e simbolicamente com a resolução do assunto. Se assim tivesse acontecido, teríamos um espaço que é livre, devolvido à liberdade de ali poder acontecer o gozo da beleza que, por exemplo, Eça de Queiroz registou em inesquecível página de Os Maias. Caramba! É tempo mais que suficiente. Só a inoperância dos serviços camarários, a falta de sentido de oportunidade, justificam que não haja correspondência ao nosso direito à indignação.
O que sucede, em termos de comemoração da efeméride, é um desanimador contraponto, mais afim do vinte e quatro de Abril. Como se preciso fosse ir buscá-lo a uma qualquer gaveta do esquecimento… Pois não senhor. Basta passar a Regaleira e subir um pouco mais para que cada um se confronte com o cenário, aparentemente do tempo da outra senhora.
Lá estão, lá continuam os portões encerrados, o aviso com o pretexto da segurança, as alamedas laterais, e inclusive, sem qualquer necessidade, um canto do relvado, transformados em estaleiro da iniquidade, porque um conhecido e poderoso abusador assim resolveu.
(continua)
* Nos últimos anos, por diversas vezes, o mesmo e actual concessionário vedou o acesso ao terreiro, por ocasião de eventos que obrigaram à instalação de pesadas estruturas metálicas, resultando em danos que o relvado acusou, de acordo com o que a imprensa regional divulgou.
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Vinte e quatro de Abril…
Na sequência da denúncia que nos tem ocupado, relativamente ao intempestivo encerramento do terreiro de Seteais e, meus caros amigos, após várias tentativas no sentido de que, em nossa representação, para reposição da legalidade, actuassem os eleitos locais, só nos resta lamentar o modo como o poder autárquico se alheia desta causa.
De facto, no actual executivo municipal, não temos ninguém à altura da atitude que importaria assumir: o murro na mesa, evidenciando a indignação que sentimos perante a usurpação de um direito consuetudinário, conquistado ao longo de duzentos anos de manifestação inequívoca quanto ao usufruto daquele espaço.
Passam hoje quatro semanas sobre a data em que o Vereador Luís Patrício, anunciou que tinha avocado o assunto pessoalmente, e que estaria desenvolvendo negociações tendentes à resolução da questão a contento dos interesses da comunidade. Quatro semanas não é tempo bastante para pôr cobro ao desacato?
Por outro lado, coloca-se o problema da caricata necessidade de negociar. Mas negociar o quê? Pois se é uma questão de, tão somente, fazer cumprir uma obrigação decorrente do contrato de concessão que abrange o palácio mas não o espaço exterior… Que é feito da autoridade democrática? Que medo é este de exercer a autoridade que o povo lhes conferiu para sua representação em casos que tais?
Há, efectivamente, a necessidade de garantir a segurança de todos quantos pretendem visitar o local. Mas, em definitivo, a concretização das obras em curso não é, de modo algum, incompatível com o desejo de manter a possibilidade das visitas a um dos mais emblemáticos lugares de Portugal. O que adivinhamos e tememos é que, sob o pretexto da segurança, o espaço fique encerrado tanto tempo que, depois, o seu encerramento é um facto consumado…
Em tempo de obras, para o efeito de providenciar a total ausência de risco, não é necessário recorrer a quaisquer medidas sofisticadas. Haja bom senso! Fundamentalmente, está em causa o acesso ao belveder e, naturalmente, proporcionar a leitura da serra, com a Pena no cume, insinuando-se naquela dramática abertura, ao olhar de cada um, à medida que, deixando o miradouro, desce a rampa, e se aproxima do arco de triunfo…
Aí vai. Gozem com este excerto de belíssima descrição!. Perante tão grande desgosto, tenhamos, pelo menos, o consolo da Arte, que urge não permitir passe a letra morta:
“(…) No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao Sol como se fossem feitas de ouro (…)”
É uma cena assombrosa para a qual Eça nos chamou a atenção em Os Maias. Faz parte do património artístico e cultural desta terra que, unilateral, abusiva e ordinariamente o concessionário do hotel está impedindo que fruamos. Parece impossível, após noventa dias de ignomínia, que as autoridades continuem ainda agachadas diante do abusador.
Olhem, sabem que mais? Parece coisa do 24 de Abril! Todavia, estamos ainda perfeitamente a tempo de demonstrar que assim não é.
Na sequência da denúncia que nos tem ocupado, relativamente ao intempestivo encerramento do terreiro de Seteais e, meus caros amigos, após várias tentativas no sentido de que, em nossa representação, para reposição da legalidade, actuassem os eleitos locais, só nos resta lamentar o modo como o poder autárquico se alheia desta causa.
De facto, no actual executivo municipal, não temos ninguém à altura da atitude que importaria assumir: o murro na mesa, evidenciando a indignação que sentimos perante a usurpação de um direito consuetudinário, conquistado ao longo de duzentos anos de manifestação inequívoca quanto ao usufruto daquele espaço.
Passam hoje quatro semanas sobre a data em que o Vereador Luís Patrício, anunciou que tinha avocado o assunto pessoalmente, e que estaria desenvolvendo negociações tendentes à resolução da questão a contento dos interesses da comunidade. Quatro semanas não é tempo bastante para pôr cobro ao desacato?
Por outro lado, coloca-se o problema da caricata necessidade de negociar. Mas negociar o quê? Pois se é uma questão de, tão somente, fazer cumprir uma obrigação decorrente do contrato de concessão que abrange o palácio mas não o espaço exterior… Que é feito da autoridade democrática? Que medo é este de exercer a autoridade que o povo lhes conferiu para sua representação em casos que tais?
Há, efectivamente, a necessidade de garantir a segurança de todos quantos pretendem visitar o local. Mas, em definitivo, a concretização das obras em curso não é, de modo algum, incompatível com o desejo de manter a possibilidade das visitas a um dos mais emblemáticos lugares de Portugal. O que adivinhamos e tememos é que, sob o pretexto da segurança, o espaço fique encerrado tanto tempo que, depois, o seu encerramento é um facto consumado…
Em tempo de obras, para o efeito de providenciar a total ausência de risco, não é necessário recorrer a quaisquer medidas sofisticadas. Haja bom senso! Fundamentalmente, está em causa o acesso ao belveder e, naturalmente, proporcionar a leitura da serra, com a Pena no cume, insinuando-se naquela dramática abertura, ao olhar de cada um, à medida que, deixando o miradouro, desce a rampa, e se aproxima do arco de triunfo…
Aí vai. Gozem com este excerto de belíssima descrição!. Perante tão grande desgosto, tenhamos, pelo menos, o consolo da Arte, que urge não permitir passe a letra morta:
“(…) No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao Sol como se fossem feitas de ouro (…)”
É uma cena assombrosa para a qual Eça nos chamou a atenção em Os Maias. Faz parte do património artístico e cultural desta terra que, unilateral, abusiva e ordinariamente o concessionário do hotel está impedindo que fruamos. Parece impossível, após noventa dias de ignomínia, que as autoridades continuem ainda agachadas diante do abusador.
Olhem, sabem que mais? Parece coisa do 24 de Abril! Todavia, estamos ainda perfeitamente a tempo de demonstrar que assim não é.
quarta-feira, 23 de abril de 2008
Cronologia
Para que tenham uma aproximada ideia do que, em termos de denúncia, já senti necessidade de concretizar, só no que respeita este último assalto a Seteais, façam o favor de anotar:
11 de Março
Neste blogue, alerta para a situação;
12 de Março
Mensagem ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, solicitando intervenção pessoal e lembrando a longa luta de mais de duzentos anos do povo de Sintra a favor da manutenção do acesso livre ao recinto;
13 de Março
Continuação de denúncia da situação no blogue;
14 de Março
Idem
21 de Março
Artigo no Jornal de Sintra;
28 de Março
Intervenção na reunião da Assembleia Municipal de Sintra na sequência da qual o Vereador Marco Almeida informou a comunidade que o Vereador do Pelouro da Cultura tinha avocado pessoalmente o assunto, estando em negociações com o grupo Espírito Santo para a reabertura dos Jardins;
01 de Abril
O Jornal da Região reproduziu um excerto da minha intervenção na Assembleia Municipal e de inequívocas palavras do Vereador Luí Patrício a favor da reposição da legalidade;
14 de Abril
Mensagem ao Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra;
21 de Abril
Nova mensagem ao Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra;
22 de Abril
Nova mensagem ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, acompanhada da cópia das precedentes enviadas ao Vereador do Pelouro da Cultura;
22 de Abril
S O S no Blogue;
22 de Abril
Alagamatres reproduz S O S enviando-o a mais de novecentos destinatários;
23 de Abril
Cronologia.
Como não tenho o exclusivo da luta porque, felizmente, há mais gente a tomar posição, reparem como se impõe não perder tempo contra o interesse do concessionário do hotel que se permite tomar a atitude que todos conhecemos, habituado que está apenas aos contestários do costume a tomarem posição. Se não o fizermos, acabará por apresentar o encerramento definitivo como facto consumado...
Adiram a esta luta! Não desistam! Os nossos filhos e netos, os actuais estudantes das escolas de Sintra, todos precisam ter a percepção correcta do protesto em que estamos envolvidos. Só assim seremos dignos de quem nos precedeu e lutou no sentido de que aquele jardim seja um espaço da comunidade.
PS:
Não deixem de ler o comentário de Emília Reis acerca da mensagem de ontem. Também eu já tive necessidade, há uns anos, numa reunião pública do actual executivo municipal, de me socorrer dos escritos do saudoso José Alfredo, para lembrar e atestar a luta do povo de Sintra. Pelos vistos, o concessionário Ricardo Salgado está-se nas tintas!... Bem o demonstrou, aliás, quando casou a filha e deu uma festa de arromba, danificando o relvado que levou uns bons meses a recuperar.
Para que tenham uma aproximada ideia do que, em termos de denúncia, já senti necessidade de concretizar, só no que respeita este último assalto a Seteais, façam o favor de anotar:
11 de Março
Neste blogue, alerta para a situação;
12 de Março
Mensagem ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, solicitando intervenção pessoal e lembrando a longa luta de mais de duzentos anos do povo de Sintra a favor da manutenção do acesso livre ao recinto;
13 de Março
Continuação de denúncia da situação no blogue;
14 de Março
Idem
21 de Março
Artigo no Jornal de Sintra;
28 de Março
Intervenção na reunião da Assembleia Municipal de Sintra na sequência da qual o Vereador Marco Almeida informou a comunidade que o Vereador do Pelouro da Cultura tinha avocado pessoalmente o assunto, estando em negociações com o grupo Espírito Santo para a reabertura dos Jardins;
01 de Abril
O Jornal da Região reproduziu um excerto da minha intervenção na Assembleia Municipal e de inequívocas palavras do Vereador Luí Patrício a favor da reposição da legalidade;
14 de Abril
Mensagem ao Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra;
21 de Abril
Nova mensagem ao Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra;
22 de Abril
Nova mensagem ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, acompanhada da cópia das precedentes enviadas ao Vereador do Pelouro da Cultura;
22 de Abril
S O S no Blogue;
22 de Abril
Alagamatres reproduz S O S enviando-o a mais de novecentos destinatários;
23 de Abril
Cronologia.
Como não tenho o exclusivo da luta porque, felizmente, há mais gente a tomar posição, reparem como se impõe não perder tempo contra o interesse do concessionário do hotel que se permite tomar a atitude que todos conhecemos, habituado que está apenas aos contestários do costume a tomarem posição. Se não o fizermos, acabará por apresentar o encerramento definitivo como facto consumado...
Adiram a esta luta! Não desistam! Os nossos filhos e netos, os actuais estudantes das escolas de Sintra, todos precisam ter a percepção correcta do protesto em que estamos envolvidos. Só assim seremos dignos de quem nos precedeu e lutou no sentido de que aquele jardim seja um espaço da comunidade.
PS:
Não deixem de ler o comentário de Emília Reis acerca da mensagem de ontem. Também eu já tive necessidade, há uns anos, numa reunião pública do actual executivo municipal, de me socorrer dos escritos do saudoso José Alfredo, para lembrar e atestar a luta do povo de Sintra. Pelos vistos, o concessionário Ricardo Salgado está-se nas tintas!... Bem o demonstrou, aliás, quando casou a filha e deu uma festa de arromba, danificando o relvado que levou uns bons meses a recuperar.
terça-feira, 22 de abril de 2008
S O S por Seteais
Hoje é mesmo telegráfico e apenas com o objectivo de que contactem a Presidência da Câmara Municipal de Sintra
presidencia@cm-sintra.pt
e o Gabinete do Vereador da Cultura
gabver.lpatricio@cm-sintra.pt
solicitando esclarecimentos acerca do encerramento dos jardins públicos de Seteais, na sequência da controversa atitude do Grupo Espírito Santo há cerca de três meses.
Aquele é um terreiro de acesso público. O Grupo Espírito Santo, que inclui a rede de hotéis Tivoli, é apenas concessionário do palácio. Urge repor a legalidade. Muitos dos nossos antepassados sintrenses lutaram durante dois séculos para que permaneça franco o acesso. As obras em curso, com as devidas medidas de segurança, são perfeitamente compatíveis com a continuidade das visitas.
Não se demitam! Tomem posição!
Hoje é mesmo telegráfico e apenas com o objectivo de que contactem a Presidência da Câmara Municipal de Sintra
presidencia@cm-sintra.pt
e o Gabinete do Vereador da Cultura
gabver.lpatricio@cm-sintra.pt
solicitando esclarecimentos acerca do encerramento dos jardins públicos de Seteais, na sequência da controversa atitude do Grupo Espírito Santo há cerca de três meses.
Aquele é um terreiro de acesso público. O Grupo Espírito Santo, que inclui a rede de hotéis Tivoli, é apenas concessionário do palácio. Urge repor a legalidade. Muitos dos nossos antepassados sintrenses lutaram durante dois séculos para que permaneça franco o acesso. As obras em curso, com as devidas medidas de segurança, são perfeitamente compatíveis com a continuidade das visitas.
Não se demitam! Tomem posição!
segunda-feira, 21 de abril de 2008
Dias da Música,
sem Festa da Música...
Ontem, depois de ter engolido uma data de sapos, lá fui ao Centro Cultural de Belém para assistir a alguns dos concertos integrados nos denominados Dias da Música. Estarão recordados que se trata de uma iniciativa de Mega Ferreira, em sintonia com Isabel Pires de Lima, aquela senhora que veio do Norte, a convite de José Sócrates, para dar a machadada final a uma série de coisas muito interessantes que ainda havia por aí em termos culturais.
Se quiserem dar-se ao trabalho de lembrar parte do cardápio de asneiras a crédito da ministra da Cultura de tão triste memória, façam o favor de ler ou reler o texto que, neste mesmo blogue, publiquei no dia 14 de Fevereiro. Enfim, sem presunção, será minimamente esclarecedor…
Como terão reparado, através da consulta à lista que apresentei naquela altura, a sobredita ex-governante, de uma assentada, entre várias decisões eivadas de manifesto destempero, também acabou com a Festa da Música. Dando provas de uma falta de capacidade de negociação, dificilmente repetível por qualquer infeliz que venha a ocupar tal cargo, Pires de Lima não conseguiu encontrar um mecenas que cobrisse financeiramente uma necessidade de pouco mais de meio milhão de Euros.
Ora bem. Qual salvador da Pátria, habituado a situações analogamente complicadas, eis que aparece Mega Ferreira. Tão pressuroso quanto, na altura, era preciso actuar, retira da cartola a solução pífia que passou a designar como os tais Dias da Música. Não dou novidade nenhuma ao confirmar que se trata de algo perfeitamente ajustado ao Portugal dos Pequenitos, solução em que são peritos, aliás, tantos comissários políticos, que gravitam na área do poder.
Reduziu a escala, tendo adaptado o figurino dessa iniciativa generosa e bonita que era a Festa da Música à capacidade cá do burgo. Pois é, René Martin, Miguel Lobo Antunes, outra gente, outras possibilidades, outro brilho, outros contactos, fizeram do CCB, por alguns dias em sucessivos anos, aquilo de que, presentemente, temos uma sombra.
Lisboa que, em termos de Festa da Música, emparceirava com Nantes, Bilbao ou Tóquio, depois de um Sol que foi de pouca dura, acabou por cair nas mãos de Pires de Lima e de Mega Ferreira cuja mental pequenez reduziu a iniciativa à insignificante expressão que agora tem. Além de pequena, falta-lhe a vibração que outrora se sentia, bons fluidos, de manhã à noite, nos milhares de encontros de cada um com a Arte e a Beleza.
Mas, atenção. Nada do que acabo de expressar se articula com a inegável qualidade e alto gabarito de muitos dos intérpretes, solistas, agrupamentos e orquestras de câmara que fazem parte dos programas da responsabilidade de Mega Ferreira. Postos em causa, se bem me acompanham e entendem, estão não só a escala, completamente diferente, mas também o espírito, a alegria, a possibilidade do encontro e da partilha da Arte com cúmplices sintonizados na mesma onda.
Ontem, apesar de tudo, belos momentos musicais. Foi um dia de música, é verdade. Dia de música à Mega Ferreira. Não, não foi um dia de Festa da Música. Para isso é preciso outro fôlego que Mega Ferreira não tem…
sem Festa da Música...
Ontem, depois de ter engolido uma data de sapos, lá fui ao Centro Cultural de Belém para assistir a alguns dos concertos integrados nos denominados Dias da Música. Estarão recordados que se trata de uma iniciativa de Mega Ferreira, em sintonia com Isabel Pires de Lima, aquela senhora que veio do Norte, a convite de José Sócrates, para dar a machadada final a uma série de coisas muito interessantes que ainda havia por aí em termos culturais.
Se quiserem dar-se ao trabalho de lembrar parte do cardápio de asneiras a crédito da ministra da Cultura de tão triste memória, façam o favor de ler ou reler o texto que, neste mesmo blogue, publiquei no dia 14 de Fevereiro. Enfim, sem presunção, será minimamente esclarecedor…
Como terão reparado, através da consulta à lista que apresentei naquela altura, a sobredita ex-governante, de uma assentada, entre várias decisões eivadas de manifesto destempero, também acabou com a Festa da Música. Dando provas de uma falta de capacidade de negociação, dificilmente repetível por qualquer infeliz que venha a ocupar tal cargo, Pires de Lima não conseguiu encontrar um mecenas que cobrisse financeiramente uma necessidade de pouco mais de meio milhão de Euros.
Ora bem. Qual salvador da Pátria, habituado a situações analogamente complicadas, eis que aparece Mega Ferreira. Tão pressuroso quanto, na altura, era preciso actuar, retira da cartola a solução pífia que passou a designar como os tais Dias da Música. Não dou novidade nenhuma ao confirmar que se trata de algo perfeitamente ajustado ao Portugal dos Pequenitos, solução em que são peritos, aliás, tantos comissários políticos, que gravitam na área do poder.
Reduziu a escala, tendo adaptado o figurino dessa iniciativa generosa e bonita que era a Festa da Música à capacidade cá do burgo. Pois é, René Martin, Miguel Lobo Antunes, outra gente, outras possibilidades, outro brilho, outros contactos, fizeram do CCB, por alguns dias em sucessivos anos, aquilo de que, presentemente, temos uma sombra.
Lisboa que, em termos de Festa da Música, emparceirava com Nantes, Bilbao ou Tóquio, depois de um Sol que foi de pouca dura, acabou por cair nas mãos de Pires de Lima e de Mega Ferreira cuja mental pequenez reduziu a iniciativa à insignificante expressão que agora tem. Além de pequena, falta-lhe a vibração que outrora se sentia, bons fluidos, de manhã à noite, nos milhares de encontros de cada um com a Arte e a Beleza.
Mas, atenção. Nada do que acabo de expressar se articula com a inegável qualidade e alto gabarito de muitos dos intérpretes, solistas, agrupamentos e orquestras de câmara que fazem parte dos programas da responsabilidade de Mega Ferreira. Postos em causa, se bem me acompanham e entendem, estão não só a escala, completamente diferente, mas também o espírito, a alegria, a possibilidade do encontro e da partilha da Arte com cúmplices sintonizados na mesma onda.
Ontem, apesar de tudo, belos momentos musicais. Foi um dia de música, é verdade. Dia de música à Mega Ferreira. Não, não foi um dia de Festa da Música. Para isso é preciso outro fôlego que Mega Ferreira não tem…
sexta-feira, 18 de abril de 2008
O desconcerto da citação
Desta vez, foi o novo Ministro da Cultura. Não resistiu. Poucos dias depois da posse, aí estava ele, coitado, a cair na tentação de citar o que sempre produz o desejável e fácil efeito de impressionar, pela positiva tónica, um patriotismo generosamente expresso que não corre o risco de se conotar com qualquer ponta de nacionalismo de má memória saudosista.
Na realidade, para quem mais não domina que a descartável cartilha de umas citações, que, para o que der e vier, dá um jeitão ter à mão, deve ser difícil passar ao lado de Pessoa, em especial, da famosa tirada Minha Pátria é a língua portuguesa. No caso vertente,tratava-se da cerimónia em que o Ministro da Cultura do Brasil, Gilberto Gil, recebia o doutoramento honoris causa, por ocasião da sua recente visita a Portugal.
Aparentemente, tudo a propósito. Com efeito, na maior parte dos casos, aquela citação é especialmente adequada porque, com ela, se pretende dar a ideia de que a língua portuguesa é uma pátria comum – a um tempo virtual mas, de qualquer modo, bem real – de duzentos e não sei quantos milhões de falantes (e muito menos escreventes, porquanto, entre os espalhados pelos vários continentes, há um incrível contingente de analfabetos…) cidadãos proprietários desse inestimável património.
E, a fortiori, se o poeta – e que poeta!... – o afirmou, quem se atreve a contestá-lo? Ora bem, ninguém está aqui para o contestar mas, tão somente, para enquadrar as suas citadas palavras, e na presunção de considerar que são redutoramente aplicadas por quem, tão amiúde, a propósito e a despropósito, as cita e continua a citar. Eis-me, portanto, vindo a terreiro, com o pedido de que me acompanhem na tentativa de esclarecimento.
Pátria estética
As seis palavras em apreço constituem um inteiro período, uma ideia que, na sua inequívoca autonomia, não deixa de se articular com todo o parágrafo em que se insere, isto é, com as ideias precedentes e com as subsequentes. O melhor é mesmo transcrever todo o parágrafo:
“(…) Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. (…)”
Ora aqui está parte do contexto em que a famosa tirada não pode deixar de ser enquadrada, reinserida e reintegrada, para se articular, como imperioso se torna, com os discursos circunstantes. Se bem compreendem, a pátria de Pessoa (Bernardo Soares) nada tem a ver com um território de contornos definidos mas, isso sim, é o lugar geométrico de uma estética. De uma estética, repito. Nada de confusões!
Essa pátria é um lugar de tal modo definido, e exigente no contorno das suas fronteiras, que o poeta, recorrendo à sua máxima capacidade de expressivo convencimento do outro, não hesita em fazer uso de um discurso da maior virulência, sem papas na língua, para que dúvidas não restem quanto aos seus sentimentos. E então evidencia a revolta das entranhas, do artista que se ofende e sofre perante o produto defeituoso e degradado que não pode mas devia ser um artefacto.
Quando, nos discursos de circunstância, um qualquer oficiante de serviço se permite citar; quando em qualquer folheca ordinária, um ensaísta de segunda ou terceira classe se permite epigrafar o seu discurso com estas seis palavras do Livro do Desassossego,
pois não sei o que vos confesse em relação à revolta das minhas próprias tripas…
Ortografia como gente
Ultimamente, então, os defensores da necessidade de concretizar um acordo ortográfico, têm abusado, com o maior despudor – diria mesmo que têm manipulado – ultrajado a memória do poeta, no constante afã de trazer à colação a referida sentença. E, se assim o escrevo é porque não acredito que desconheçam o parágrafo imediatamente seguinte ao que acima transcrevi, que passo a reproduzir, para completa satisfação dos que, eventualmente, o desconheçam:
“(…) Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”
Deixem-me adivinhar. Aqueles de vós que já não se lembrariam e os outros, que desconheciam de todo este remate, estão agora atónitos perante esta confissão do poeta que se roja, deleitado, rendido à grandeza, à magnificência da ortografia, a visível vertente da língua em que comunicamos.
Como não perceber a omissão dos tais oficiantes e pseudo ensaístas? Convém-lhes, naturalmente. Convém-lhes que permaneça obscura, na sombra e reserva das estantes e do silêncio, a opinião de um dos maiores ícones da Arte Literária em Língua Portuguesa de todos os tempos, o nosso querido Fernando, cuja opinião, como acabo de lembrar através da transcrição supra, sempre seria frontalmente contrária a revisões ortográficas que escondessem a herança linguística que usamos a toda a hora e momento.
Certeza sinfónica
Finalmente, não vos deixaria sem que ficassem descansados quanto aos precedentes textuais daquela torrente de indignação de Pessoa-Bernardo Soares. A razão remota e imediata é fruto de fortíssima impressão estética, suscitada pela leitura de uma página de Vieira. Melhor será que, novamente, demos voz ao poeta, transcrevendo, portanto, o parágrafo anterior àquele em que está plasmada a citação em questão:
”(…) Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta, o passo célebre de Vieira sobre o Rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio…» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombroso vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância, de que não tenho saudades; é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de já não poder ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica(…)”
O trecho de Vieira, que tanto emocionou o desassossegado, é pura melopeia, na realidade, é o melhor português de todos os tempos, vertido em páginas que só permanecem mortas, que não se fazem ouvir em toda a sua riqueza e grande certeza sinfónica, nas nossas casas, nas nossas escolas, em todos os locais onde seria suposto enriquecerem-nos, porque andamos todos muito preocupados com assuntos de lana caprina e, enfim, muito distraídos do que é essencial.
Logo que vos for possível, do Livro do Desassossego de Bernardo Soares*, leiam o texto completo do qual extraí os três parágrafos. E quando vos sugiro a completa leitura, apenas vos peço o tempo bastante para uma, só uma página, a tanto se reduz a peça de Arte que, saboreada à mesa onde o trecho de Vieira certamente não faltará, vos concederá, estou certo, um dos máximos gozos estéticos que se podem dar ao luxo.
Verão a razão que assiste quando me insurjo contra esses videirinhos das citações…
NB: Este texto será publicado na próxima edição do Jornal de Sintra, no dia 24 de Abril.
*
O próprio Fernando Pessoa, em carta a João Gaspar Simões, datada de 28 de Julho de 1932, considerava Bernardo Soares não um heterónimo mas «personalidade literária». A propósito, leia-se, com grande proveito, o esquecido texto Fernando Pessoa e o seu «semi-heterónimo» Bernardo Soares, precisamente de João Gaspar Simões, que abre o I volume de Fernando Pessoa, Obras em prosa, edição de Círculo de Leitores, Lisboa, 1987.
Desta vez, foi o novo Ministro da Cultura. Não resistiu. Poucos dias depois da posse, aí estava ele, coitado, a cair na tentação de citar o que sempre produz o desejável e fácil efeito de impressionar, pela positiva tónica, um patriotismo generosamente expresso que não corre o risco de se conotar com qualquer ponta de nacionalismo de má memória saudosista.
Na realidade, para quem mais não domina que a descartável cartilha de umas citações, que, para o que der e vier, dá um jeitão ter à mão, deve ser difícil passar ao lado de Pessoa, em especial, da famosa tirada Minha Pátria é a língua portuguesa. No caso vertente,tratava-se da cerimónia em que o Ministro da Cultura do Brasil, Gilberto Gil, recebia o doutoramento honoris causa, por ocasião da sua recente visita a Portugal.
Aparentemente, tudo a propósito. Com efeito, na maior parte dos casos, aquela citação é especialmente adequada porque, com ela, se pretende dar a ideia de que a língua portuguesa é uma pátria comum – a um tempo virtual mas, de qualquer modo, bem real – de duzentos e não sei quantos milhões de falantes (e muito menos escreventes, porquanto, entre os espalhados pelos vários continentes, há um incrível contingente de analfabetos…) cidadãos proprietários desse inestimável património.
E, a fortiori, se o poeta – e que poeta!... – o afirmou, quem se atreve a contestá-lo? Ora bem, ninguém está aqui para o contestar mas, tão somente, para enquadrar as suas citadas palavras, e na presunção de considerar que são redutoramente aplicadas por quem, tão amiúde, a propósito e a despropósito, as cita e continua a citar. Eis-me, portanto, vindo a terreiro, com o pedido de que me acompanhem na tentativa de esclarecimento.
Pátria estética
As seis palavras em apreço constituem um inteiro período, uma ideia que, na sua inequívoca autonomia, não deixa de se articular com todo o parágrafo em que se insere, isto é, com as ideias precedentes e com as subsequentes. O melhor é mesmo transcrever todo o parágrafo:
“(…) Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. (…)”
Ora aqui está parte do contexto em que a famosa tirada não pode deixar de ser enquadrada, reinserida e reintegrada, para se articular, como imperioso se torna, com os discursos circunstantes. Se bem compreendem, a pátria de Pessoa (Bernardo Soares) nada tem a ver com um território de contornos definidos mas, isso sim, é o lugar geométrico de uma estética. De uma estética, repito. Nada de confusões!
Essa pátria é um lugar de tal modo definido, e exigente no contorno das suas fronteiras, que o poeta, recorrendo à sua máxima capacidade de expressivo convencimento do outro, não hesita em fazer uso de um discurso da maior virulência, sem papas na língua, para que dúvidas não restem quanto aos seus sentimentos. E então evidencia a revolta das entranhas, do artista que se ofende e sofre perante o produto defeituoso e degradado que não pode mas devia ser um artefacto.
Quando, nos discursos de circunstância, um qualquer oficiante de serviço se permite citar; quando em qualquer folheca ordinária, um ensaísta de segunda ou terceira classe se permite epigrafar o seu discurso com estas seis palavras do Livro do Desassossego,
pois não sei o que vos confesse em relação à revolta das minhas próprias tripas…
Ortografia como gente
Ultimamente, então, os defensores da necessidade de concretizar um acordo ortográfico, têm abusado, com o maior despudor – diria mesmo que têm manipulado – ultrajado a memória do poeta, no constante afã de trazer à colação a referida sentença. E, se assim o escrevo é porque não acredito que desconheçam o parágrafo imediatamente seguinte ao que acima transcrevi, que passo a reproduzir, para completa satisfação dos que, eventualmente, o desconheçam:
“(…) Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”
Deixem-me adivinhar. Aqueles de vós que já não se lembrariam e os outros, que desconheciam de todo este remate, estão agora atónitos perante esta confissão do poeta que se roja, deleitado, rendido à grandeza, à magnificência da ortografia, a visível vertente da língua em que comunicamos.
Como não perceber a omissão dos tais oficiantes e pseudo ensaístas? Convém-lhes, naturalmente. Convém-lhes que permaneça obscura, na sombra e reserva das estantes e do silêncio, a opinião de um dos maiores ícones da Arte Literária em Língua Portuguesa de todos os tempos, o nosso querido Fernando, cuja opinião, como acabo de lembrar através da transcrição supra, sempre seria frontalmente contrária a revisões ortográficas que escondessem a herança linguística que usamos a toda a hora e momento.
Certeza sinfónica
Finalmente, não vos deixaria sem que ficassem descansados quanto aos precedentes textuais daquela torrente de indignação de Pessoa-Bernardo Soares. A razão remota e imediata é fruto de fortíssima impressão estética, suscitada pela leitura de uma página de Vieira. Melhor será que, novamente, demos voz ao poeta, transcrevendo, portanto, o parágrafo anterior àquele em que está plasmada a citação em questão:
”(…) Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta, o passo célebre de Vieira sobre o Rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio…» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombroso vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância, de que não tenho saudades; é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de já não poder ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica(…)”
O trecho de Vieira, que tanto emocionou o desassossegado, é pura melopeia, na realidade, é o melhor português de todos os tempos, vertido em páginas que só permanecem mortas, que não se fazem ouvir em toda a sua riqueza e grande certeza sinfónica, nas nossas casas, nas nossas escolas, em todos os locais onde seria suposto enriquecerem-nos, porque andamos todos muito preocupados com assuntos de lana caprina e, enfim, muito distraídos do que é essencial.
Logo que vos for possível, do Livro do Desassossego de Bernardo Soares*, leiam o texto completo do qual extraí os três parágrafos. E quando vos sugiro a completa leitura, apenas vos peço o tempo bastante para uma, só uma página, a tanto se reduz a peça de Arte que, saboreada à mesa onde o trecho de Vieira certamente não faltará, vos concederá, estou certo, um dos máximos gozos estéticos que se podem dar ao luxo.
Verão a razão que assiste quando me insurjo contra esses videirinhos das citações…
NB: Este texto será publicado na próxima edição do Jornal de Sintra, no dia 24 de Abril.
*
O próprio Fernando Pessoa, em carta a João Gaspar Simões, datada de 28 de Julho de 1932, considerava Bernardo Soares não um heterónimo mas «personalidade literária». A propósito, leia-se, com grande proveito, o esquecido texto Fernando Pessoa e o seu «semi-heterónimo» Bernardo Soares, precisamente de João Gaspar Simões, que abre o I volume de Fernando Pessoa, Obras em prosa, edição de Círculo de Leitores, Lisboa, 1987.
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Hora dos independentes
Nos últimos dois dias, a pretexto da abordagem de problemas que afectam a Av. Heliodoro Salgado, partilhei convosco algumas preocupações acerca do modelo político de governação autárquica vigente, há trinta ou mais anos, em que a justa aspiração à melhoria de qualidade de vida, é quotidianamente posta em causa neste concelho desmesurado.
Pois o concelho de Sintra – ao fim e ao cabo tão português como os demais – cujas escala e características estão perfeitamente estudadas, onde difíceis questões de ordem cultural, educacional ou económica desafiam as mais altas competências de gestão, tem estado nas mãos de autarcas apenas tão medíocres como a generalidade da classe política que governa o país, tanto a nível central como local.
Enfim, nada mais natural. Durante anos e anos seguidos, nem um movimento digno de realce, que pudesse ser classificado como estratégico, só a mera gestão da multifacetada crise, que nunca cessou de aumentar, como resultado evidente e esperado de uma navegação à vista, sem qualquer centelha nem rasgo. Qualquer de nós terá a maior dificuldade em apontar algo que tenha melhorado inequivocamente ou que possa destacar-se como positivo.
Num pequeno parêntesis, e ao correr da pena, apenas me ocorre e apraz registar, como inequívoco sinal de esperança, as mudanças na Parques de Sintra Monte da Lua, cujo novo conselho de administração nos dá garantias suficientes de recuperação de um quadro altamente lesivo do património inestimável confiado à empresa, que o biólogo Serra Lopes comprometera de maneira tão significativa que a sua gestão até foi objecto de auditorias e de investigação judiciária.
E, justiça máxima seja feita, como verdadeiramente estratégica, a atitude de Fernando Seara se opor contra tudo e contra todos os poderosos promotores do já mencionado e famigerado projecto da Sintralândia. Ou, ainda, mas em escala menor, também a franca oposição aos sucessivos movimentos de tentativa de assalto ao Vale da Raposa.
Fecho o parêntesis e volto à questão central. Quando, em 2009, nos dispusermos a votar nas eleições autárquicas, já terão passado trinta e cinco anos sobre o Vinte e Cinco de Abril. A exemplo do que tem acontecido noutros lugares, com destaque para a própria capital do país, é tempo jogar noutro tabuleiro.
Cumpre propiciar o aparecimento de candidaturas credíveis, alternativas independentes das lógicas partidárias – as tais que apenas têm demonstrado como são incapazes de inovar e de renovar – conduzidas por cidadãos com provas dadas, de inequívoca entrega ao serviço desta terra, decididos e convencidos de que deles depende a recuperação do ânimo de tantos cidadãos desiludidos mas não desatentos.
Há gente a movimentar-se. Sabemo-lo. Penso ter chegado o momento de tais pessoas se apresentarem aos munícipes e de iniciarem o processo de conquista dos que ainda forem mobilizáveis, para a constituição de uma plataforma de base de sustentação, que leva tempo a radicar-se, sem a qual não é possível qualquer motivação de vontades.
Nos últimos dois dias, a pretexto da abordagem de problemas que afectam a Av. Heliodoro Salgado, partilhei convosco algumas preocupações acerca do modelo político de governação autárquica vigente, há trinta ou mais anos, em que a justa aspiração à melhoria de qualidade de vida, é quotidianamente posta em causa neste concelho desmesurado.
Pois o concelho de Sintra – ao fim e ao cabo tão português como os demais – cujas escala e características estão perfeitamente estudadas, onde difíceis questões de ordem cultural, educacional ou económica desafiam as mais altas competências de gestão, tem estado nas mãos de autarcas apenas tão medíocres como a generalidade da classe política que governa o país, tanto a nível central como local.
Enfim, nada mais natural. Durante anos e anos seguidos, nem um movimento digno de realce, que pudesse ser classificado como estratégico, só a mera gestão da multifacetada crise, que nunca cessou de aumentar, como resultado evidente e esperado de uma navegação à vista, sem qualquer centelha nem rasgo. Qualquer de nós terá a maior dificuldade em apontar algo que tenha melhorado inequivocamente ou que possa destacar-se como positivo.
Num pequeno parêntesis, e ao correr da pena, apenas me ocorre e apraz registar, como inequívoco sinal de esperança, as mudanças na Parques de Sintra Monte da Lua, cujo novo conselho de administração nos dá garantias suficientes de recuperação de um quadro altamente lesivo do património inestimável confiado à empresa, que o biólogo Serra Lopes comprometera de maneira tão significativa que a sua gestão até foi objecto de auditorias e de investigação judiciária.
E, justiça máxima seja feita, como verdadeiramente estratégica, a atitude de Fernando Seara se opor contra tudo e contra todos os poderosos promotores do já mencionado e famigerado projecto da Sintralândia. Ou, ainda, mas em escala menor, também a franca oposição aos sucessivos movimentos de tentativa de assalto ao Vale da Raposa.
Fecho o parêntesis e volto à questão central. Quando, em 2009, nos dispusermos a votar nas eleições autárquicas, já terão passado trinta e cinco anos sobre o Vinte e Cinco de Abril. A exemplo do que tem acontecido noutros lugares, com destaque para a própria capital do país, é tempo jogar noutro tabuleiro.
Cumpre propiciar o aparecimento de candidaturas credíveis, alternativas independentes das lógicas partidárias – as tais que apenas têm demonstrado como são incapazes de inovar e de renovar – conduzidas por cidadãos com provas dadas, de inequívoca entrega ao serviço desta terra, decididos e convencidos de que deles depende a recuperação do ânimo de tantos cidadãos desiludidos mas não desatentos.
Há gente a movimentar-se. Sabemo-lo. Penso ter chegado o momento de tais pessoas se apresentarem aos munícipes e de iniciarem o processo de conquista dos que ainda forem mobilizáveis, para a constituição de uma plataforma de base de sustentação, que leva tempo a radicar-se, sem a qual não é possível qualquer motivação de vontades.
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Ainda a propósito
da Heliodoro Salgado
Tornando-se indispensável proceder a obras de requalificação do pavimento, não seria esta a altura propícia à definitiva, pura e simples remoção do separador que tanta perturbação tem causado à circulação de determinado tipo de viaturas, especialmente alguns pesados e veículos de emergência?
Não será também de aproveitar a mesma circunstância para proceder à transferência da passagem de peões, actualmente entre o edifício do Museu e a Caixa Geral de Depósitos, para a zona que serve a travessia entre a Rua Câmara Pestana em direcção ao mercado?
Vem a propósito lembrar aquilo que já escrevi algures acerca do anúncio de radicais mudanças nesta artéria. A mais sonante ia no sentido de instalar os carris que permitiriam recuperar o circuito do eléctrico, primeiramente, a caminho da estação terminal dos comboios e, mais tarde, até à Vila Velha…
Em Maio de 2004, na sequência de umas Jornadas sobre a Estefânia, cheguei a ver várias fotografias, naturalmente, interessantes montagens virtuais, com o carro eléctrico, impante, rompendo entre as esplanadas das pastelarias Tirol e Monserrate, qual factor de evidente animação local, exactamente à imagem de conhecidos lugares noutros países.
E eu acreditei, porque conheço situações congéneres, porque sei como é perfeitamente possível e acessível concretizar tal objectivo. Tão ingénuo, tão bem intencionado, dei crédito a promessas de intervenção, daquelas que, sabem, se vão concretizar num futuro muito próximo… Escrevi sobre o projecto, alimentei conversas com interlocutores que, muito mais realistas do que eu, sorriam perante a minha credulidade.
Com esta provecta e sexagenária idade, já não vou a tempo de mudar. Portanto, continuo na esperança de que, mais cedo ou mais tarde, teremos um concelho de Sintra-Sintra, à imagem e semelhança da ideia que convosco tenho partilhado, onde será possível realizar aquilo que, de momento, não pode passar de anedótica utopia.
Para que tal venha a acontecer dentro de um prazo razoável, bem sei que, apesar de muita ingenuidade, o caminho não é curto nem fácil. E também sei que, entretanto, vai continuar, apenas com matizes de ligeiros pormenores, a mesma lógica de governação que enformou, que emoldurou a actuação do executivo municipal que, há oito anos, andava a alterar a Heliodoro Salgado…
A verdade é que, apesar das suas aparentes diferenças de matriz, os partidos que, a nível político, vão suportando e têm suportado os executivos municipais alternantes no poder local sintrense, desconhecem como aplicar outras lógicas de governação democrática. Aprenderam pela mesma cartilha e estão viciados pelo exercício prático de um poder que, fundamentalmente, não sabem temperar com o simultâneo exercício da autoridade democrática decorrente do voto popular.
da Heliodoro Salgado
Tornando-se indispensável proceder a obras de requalificação do pavimento, não seria esta a altura propícia à definitiva, pura e simples remoção do separador que tanta perturbação tem causado à circulação de determinado tipo de viaturas, especialmente alguns pesados e veículos de emergência?
Não será também de aproveitar a mesma circunstância para proceder à transferência da passagem de peões, actualmente entre o edifício do Museu e a Caixa Geral de Depósitos, para a zona que serve a travessia entre a Rua Câmara Pestana em direcção ao mercado?
Vem a propósito lembrar aquilo que já escrevi algures acerca do anúncio de radicais mudanças nesta artéria. A mais sonante ia no sentido de instalar os carris que permitiriam recuperar o circuito do eléctrico, primeiramente, a caminho da estação terminal dos comboios e, mais tarde, até à Vila Velha…
Em Maio de 2004, na sequência de umas Jornadas sobre a Estefânia, cheguei a ver várias fotografias, naturalmente, interessantes montagens virtuais, com o carro eléctrico, impante, rompendo entre as esplanadas das pastelarias Tirol e Monserrate, qual factor de evidente animação local, exactamente à imagem de conhecidos lugares noutros países.
E eu acreditei, porque conheço situações congéneres, porque sei como é perfeitamente possível e acessível concretizar tal objectivo. Tão ingénuo, tão bem intencionado, dei crédito a promessas de intervenção, daquelas que, sabem, se vão concretizar num futuro muito próximo… Escrevi sobre o projecto, alimentei conversas com interlocutores que, muito mais realistas do que eu, sorriam perante a minha credulidade.
Com esta provecta e sexagenária idade, já não vou a tempo de mudar. Portanto, continuo na esperança de que, mais cedo ou mais tarde, teremos um concelho de Sintra-Sintra, à imagem e semelhança da ideia que convosco tenho partilhado, onde será possível realizar aquilo que, de momento, não pode passar de anedótica utopia.
Para que tal venha a acontecer dentro de um prazo razoável, bem sei que, apesar de muita ingenuidade, o caminho não é curto nem fácil. E também sei que, entretanto, vai continuar, apenas com matizes de ligeiros pormenores, a mesma lógica de governação que enformou, que emoldurou a actuação do executivo municipal que, há oito anos, andava a alterar a Heliodoro Salgado…
A verdade é que, apesar das suas aparentes diferenças de matriz, os partidos que, a nível político, vão suportando e têm suportado os executivos municipais alternantes no poder local sintrense, desconhecem como aplicar outras lógicas de governação democrática. Aprenderam pela mesma cartilha e estão viciados pelo exercício prático de um poder que, fundamentalmente, não sabem temperar com o simultâneo exercício da autoridade democrática decorrente do voto popular.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Av. Heliodoro Salgado,
paradigma de governação
Aí está, bem patente no estado desgraçado a que chegou a desditosa Heliodoro Salgado, bem no centro vital da sede do concelho, como é de evitar uma certa forma de gerir a urbe. Mesmo que muito fraca fosse a nossa memória, não teríamos hipótese de esquecer como tal modo de tomar decisões e de concretizar projectos a nível local, afectou tão negativamente a nossa qualidade de vida.
Na realidade, basta que circulemos por esta artéria, a pé ou de automóvel, para perceber como o actual estado de coisas é o natural corolário de uma governação muito controversa, ao longo de oito anos, do partido que espaldou o anterior executivo municipal ao qual a população de Sintra recusou a continuação do mandato em Dezembro de dois mil e um. Decisões precipitadas, processos mal orientados, falta de controlo de qualidade de execução, são alguns dos factores ali presentes.
Aliás, faz parte de um cenário cujo estilo poderia incluir o famigerado projecto para a instalação de um parque de estacionamento subterrâneo na Volta do Duche, para além do horror que se preparava no âmbito da defunta Sintralândia que, depois muita luta, não chegaram sequer a nascer. Infelizmente, tal quadro acabou por acolher, por exemplo, o novo tribunal – a cuja construção os cidadãos não souberam opor-se – o tal mamarracho mastodôntico que o Arquitecto Leon Krier, perito da Unesco, classificou como “guerra a Sintra” …
Voltemos ao caso também muito concreto da Heliodoro Salgado. Efectivamente, quer a zona pedonal, transformada num cinzento, incaracterístico e impermeabilizado sarcófago quer, mais abaixo, a parte da mesma via que, a partir da Desidério Cambournac, se dirige a Nunes Carvalho, constituem o que pode existir de mais ordinário em termos de qualidade de obra pública.
Recentemente, o sistemático abatimento da calçada de paralelepípedo, devido a deficiências de construção, deu origem a lombas espectaculares e perigosas para as viaturas circulantes cujos condutores, perante a ausência de sinalização adequada, não conseguem evitar que os chassis batam no pavimento, fazendo saltar faíscas e alimentando os comentários dos transeuntes.
Foi péssima a decisão que resultou na actual zona pedonal, tal como foi concretizada. Por outro lado, gerou um labirinto de circulação ente a Estefânia e a Portela que, ao fim de sete anos, se traduz por muitas centenas de milhar de horas perdidas, de stress e poluição acumulada, atingindo valores dificilmente contabilizáveis. Brada aos céus tanta incapacidade de previsão das consequências da iniciativa!
paradigma de governação
Aí está, bem patente no estado desgraçado a que chegou a desditosa Heliodoro Salgado, bem no centro vital da sede do concelho, como é de evitar uma certa forma de gerir a urbe. Mesmo que muito fraca fosse a nossa memória, não teríamos hipótese de esquecer como tal modo de tomar decisões e de concretizar projectos a nível local, afectou tão negativamente a nossa qualidade de vida.
Na realidade, basta que circulemos por esta artéria, a pé ou de automóvel, para perceber como o actual estado de coisas é o natural corolário de uma governação muito controversa, ao longo de oito anos, do partido que espaldou o anterior executivo municipal ao qual a população de Sintra recusou a continuação do mandato em Dezembro de dois mil e um. Decisões precipitadas, processos mal orientados, falta de controlo de qualidade de execução, são alguns dos factores ali presentes.
Aliás, faz parte de um cenário cujo estilo poderia incluir o famigerado projecto para a instalação de um parque de estacionamento subterrâneo na Volta do Duche, para além do horror que se preparava no âmbito da defunta Sintralândia que, depois muita luta, não chegaram sequer a nascer. Infelizmente, tal quadro acabou por acolher, por exemplo, o novo tribunal – a cuja construção os cidadãos não souberam opor-se – o tal mamarracho mastodôntico que o Arquitecto Leon Krier, perito da Unesco, classificou como “guerra a Sintra” …
Voltemos ao caso também muito concreto da Heliodoro Salgado. Efectivamente, quer a zona pedonal, transformada num cinzento, incaracterístico e impermeabilizado sarcófago quer, mais abaixo, a parte da mesma via que, a partir da Desidério Cambournac, se dirige a Nunes Carvalho, constituem o que pode existir de mais ordinário em termos de qualidade de obra pública.
Recentemente, o sistemático abatimento da calçada de paralelepípedo, devido a deficiências de construção, deu origem a lombas espectaculares e perigosas para as viaturas circulantes cujos condutores, perante a ausência de sinalização adequada, não conseguem evitar que os chassis batam no pavimento, fazendo saltar faíscas e alimentando os comentários dos transeuntes.
Foi péssima a decisão que resultou na actual zona pedonal, tal como foi concretizada. Por outro lado, gerou um labirinto de circulação ente a Estefânia e a Portela que, ao fim de sete anos, se traduz por muitas centenas de milhar de horas perdidas, de stress e poluição acumulada, atingindo valores dificilmente contabilizáveis. Brada aos céus tanta incapacidade de previsão das consequências da iniciativa!
segunda-feira, 14 de abril de 2008
Expirar, aspirar e continuar a agilizar…
É quase uma anedota que conto em poucos parágrafos. Mas, desde já, ficarão sabendo que, para os devidos efeitos, me obriguei à espera de várias semanas, confirmando se a poderia partilhar convosco, com a segurança de corresponder a um facto inegável, como coisa que permanece no tempo, atitude e prática já assumidas que, garantidamente, continuarão vigentes.
Trata-se de habitual intervenção de limpeza na via pública, especificamente no troço da estrada que serve o acesso à Quinta da Regaleira, cada segunda-feira, manhã cedo, pouco depois das oito horas. Como recursos humanos e materiais em presença, temos um grande camion com dispositivo de aspiração de pavimentos, identificado com a sigla SUMA, ao serviço da HPEM, empresa municipal afecta à higiene pública, com o respectivo operador motorista, e um cantoneiro de limpeza munido de expirador portátil.
A cena, que podia fazer parte de um almanaque de ridículas curiosidades, é tão incrível quanto engraçada, roçando os foros do inimaginável. Num primeiro tempo, na berma da estrada, a pé, no meio de tremenda barulheira, o cantoneiro aponta a mangueira do tal expirador para o pavimento, fazendo saltar, de todos os interstícios, as folhas, o lixo e o pó que se acumularam durante uma semana, gerando uma nuvem de porcaria que se depositará estrategicamente…
Se bem estão acompanhando e compreendendo, todo aquele aranzel serve para que o lixo fique a jeito de, num segundo tempo, ser aspirado pelo camion, que também acrescenta os decibéis da ordem, transformando aquele que é sossegadíssimo lugar num recanto de infernais matinas. Hoje mesmo, passando no local, fazendo o seu jogging, um conhecido cidadão estrangeiro comigo comentou o natural desagrado perante o desconchavo.
Um expira, o outro aspira. E lá vão entretidos, impelidos e motivados por doutas instruções da referida municipal empresa, primeiro pelo lado direito e, depois, no sentido contrário da via. Pergunto-me se alguém fez contas. Terá sido comparado o custo da operação horária daqueles dispositivos e respectivos operadores, com os da mesma tarefa, executada manualmente, com vassoura e pá, também uma vez por semana e, pelo menos, com tão bons resultados, sem consumo de combustível e sem a poluição sonora que não é factor despiciendo?
Por outro lado, na Câmara Municipal de Sintra, haverá um iluminado estratega pronto a assumir a existência de locais cujas características ambientais e valores patrimoniais, desaconselham ou não permitem mesmo a utilização de certos equipamentos que, noutros contextos, são mais ou menos pacíficos?
Perguntas para quê? Está tudo dito e, há muito tempo, mais que sabido. É, apenas, mais um exemplo de gestão (?!?) de uma empresa municipal de Sintra. Reparem, daquelas que se constituíram para agilizar procedimentos. Pois não se lembram?
Ah, finalmente, e a propósito. Como se não bastassem as existentes, não é que inventaram mais uma, bem recente? Enfim, cá estaremos para avaliar quem expira e quem aspira (o quê, onde, quando, como e porquê) para além dos que, muito mais sacrificados, continuarão obrigados a agilizar procedimentos, coitados, nessa novel "Sintra Património", que já se adivinha empresa assaz reabilitante...
É quase uma anedota que conto em poucos parágrafos. Mas, desde já, ficarão sabendo que, para os devidos efeitos, me obriguei à espera de várias semanas, confirmando se a poderia partilhar convosco, com a segurança de corresponder a um facto inegável, como coisa que permanece no tempo, atitude e prática já assumidas que, garantidamente, continuarão vigentes.
Trata-se de habitual intervenção de limpeza na via pública, especificamente no troço da estrada que serve o acesso à Quinta da Regaleira, cada segunda-feira, manhã cedo, pouco depois das oito horas. Como recursos humanos e materiais em presença, temos um grande camion com dispositivo de aspiração de pavimentos, identificado com a sigla SUMA, ao serviço da HPEM, empresa municipal afecta à higiene pública, com o respectivo operador motorista, e um cantoneiro de limpeza munido de expirador portátil.
A cena, que podia fazer parte de um almanaque de ridículas curiosidades, é tão incrível quanto engraçada, roçando os foros do inimaginável. Num primeiro tempo, na berma da estrada, a pé, no meio de tremenda barulheira, o cantoneiro aponta a mangueira do tal expirador para o pavimento, fazendo saltar, de todos os interstícios, as folhas, o lixo e o pó que se acumularam durante uma semana, gerando uma nuvem de porcaria que se depositará estrategicamente…
Se bem estão acompanhando e compreendendo, todo aquele aranzel serve para que o lixo fique a jeito de, num segundo tempo, ser aspirado pelo camion, que também acrescenta os decibéis da ordem, transformando aquele que é sossegadíssimo lugar num recanto de infernais matinas. Hoje mesmo, passando no local, fazendo o seu jogging, um conhecido cidadão estrangeiro comigo comentou o natural desagrado perante o desconchavo.
Um expira, o outro aspira. E lá vão entretidos, impelidos e motivados por doutas instruções da referida municipal empresa, primeiro pelo lado direito e, depois, no sentido contrário da via. Pergunto-me se alguém fez contas. Terá sido comparado o custo da operação horária daqueles dispositivos e respectivos operadores, com os da mesma tarefa, executada manualmente, com vassoura e pá, também uma vez por semana e, pelo menos, com tão bons resultados, sem consumo de combustível e sem a poluição sonora que não é factor despiciendo?
Por outro lado, na Câmara Municipal de Sintra, haverá um iluminado estratega pronto a assumir a existência de locais cujas características ambientais e valores patrimoniais, desaconselham ou não permitem mesmo a utilização de certos equipamentos que, noutros contextos, são mais ou menos pacíficos?
Perguntas para quê? Está tudo dito e, há muito tempo, mais que sabido. É, apenas, mais um exemplo de gestão (?!?) de uma empresa municipal de Sintra. Reparem, daquelas que se constituíram para agilizar procedimentos. Pois não se lembram?
Ah, finalmente, e a propósito. Como se não bastassem as existentes, não é que inventaram mais uma, bem recente? Enfim, cá estaremos para avaliar quem expira e quem aspira (o quê, onde, quando, como e porquê) para além dos que, muito mais sacrificados, continuarão obrigados a agilizar procedimentos, coitados, nessa novel "Sintra Património", que já se adivinha empresa assaz reabilitante...
sexta-feira, 11 de abril de 2008
(Conclusão)
A título de exemplo, considerem o executivo autárquico de um dos tais concelhos resultantes da cisão do actual e ingovernável concelho de Sintra. Suponham que é maioritariamente constituído por urbanizações mais ou menos recentes, tantas vezes construídas em espaços onde não deveriam ter sido autorizadas, em vastas zonas betonadas, com terrenos indevidamente impermeabilizados.
A lógica da quotidiana gestão de um território com tal perfil, será compatível com a lógica de uma gestão, também quotidiana, de bens patrimoniais naturais e edificados, altamente sofisticados, com a classificação de interesse mundial? Por muito que determinadas competências de direcção e administração possam ser delegadas, estou em crer que não. Aliás, se alguma dúvida restasse, bastaria atentar na situação actual…
Baseado no conhecimento de algumas situações, tanto na Europa mediterrânica como central e mais a norte, permito-me afirmar que um território tão compósito e complexo como o de Sintra-Sintra – constituído pelas freguesias de Colares, São João das Lampas, São Martinho, São Pedro, Santa Maria e São Miguel, Montelavar, Pêro Pinheiro e Almargem do Bispo – já pressupõe um dificílimo exercício de compatibilização de internos contrastes, fruto da aludida e tão dinâmica diversidade.
Um concelho que, ultrapassando estes praticáveis contornos, inclui tudo aquilo que se sabe, é a perfeita loucura. Nós, que cá vivemos, sabemos bem o que a casa gasta… Estamos fartos desta situação que, para todos os efeitos, é perfeitamente remediável. Aqui, em Sintra-Sintra, para fazer bem feito, há um mundo de obras a concretizar, por um executivo que pretendemos exclusivamente dedicado, que não pode, não deve estar preocupado com outras realidades.
Todavia, não se pense que a alteração do actual quadro de referência, perspectivando a existência de mais um ou dois concelhos, não há-de pressupor o paralelo investimento numa cada vez maior autonomia das Juntas de Freguesia. É que, se assim não for, muito do que importa considerar, em termos de uma actuação articulada e integrada, ficaria altamente comprometido, tal como presentemente acontece.
Vem a propósito confessar-vos como, vezes sem conta, me sinto como a criança que aponta a nudez do rei. Só que, ao contrário do que acontece na alegoria, a multidão parece não querer ouvir o alerta...
A título de exemplo, considerem o executivo autárquico de um dos tais concelhos resultantes da cisão do actual e ingovernável concelho de Sintra. Suponham que é maioritariamente constituído por urbanizações mais ou menos recentes, tantas vezes construídas em espaços onde não deveriam ter sido autorizadas, em vastas zonas betonadas, com terrenos indevidamente impermeabilizados.
A lógica da quotidiana gestão de um território com tal perfil, será compatível com a lógica de uma gestão, também quotidiana, de bens patrimoniais naturais e edificados, altamente sofisticados, com a classificação de interesse mundial? Por muito que determinadas competências de direcção e administração possam ser delegadas, estou em crer que não. Aliás, se alguma dúvida restasse, bastaria atentar na situação actual…
Baseado no conhecimento de algumas situações, tanto na Europa mediterrânica como central e mais a norte, permito-me afirmar que um território tão compósito e complexo como o de Sintra-Sintra – constituído pelas freguesias de Colares, São João das Lampas, São Martinho, São Pedro, Santa Maria e São Miguel, Montelavar, Pêro Pinheiro e Almargem do Bispo – já pressupõe um dificílimo exercício de compatibilização de internos contrastes, fruto da aludida e tão dinâmica diversidade.
Um concelho que, ultrapassando estes praticáveis contornos, inclui tudo aquilo que se sabe, é a perfeita loucura. Nós, que cá vivemos, sabemos bem o que a casa gasta… Estamos fartos desta situação que, para todos os efeitos, é perfeitamente remediável. Aqui, em Sintra-Sintra, para fazer bem feito, há um mundo de obras a concretizar, por um executivo que pretendemos exclusivamente dedicado, que não pode, não deve estar preocupado com outras realidades.
Todavia, não se pense que a alteração do actual quadro de referência, perspectivando a existência de mais um ou dois concelhos, não há-de pressupor o paralelo investimento numa cada vez maior autonomia das Juntas de Freguesia. É que, se assim não for, muito do que importa considerar, em termos de uma actuação articulada e integrada, ficaria altamente comprometido, tal como presentemente acontece.
Vem a propósito confessar-vos como, vezes sem conta, me sinto como a criança que aponta a nudez do rei. Só que, ao contrário do que acontece na alegoria, a multidão parece não querer ouvir o alerta...
quinta-feira, 10 de abril de 2008
(continuação do texto publicado em 09.04.08)
É manifesta a impossibilidade de gestão de um concelho de Sintra com as actuais características e dimensões. Reparem que não escrevi incapacidade ou incompetência. E podia tê-lo feito. Na realidade, ao longo dos anos, independentemente dos partidos que sustentam os executivos municipais, sobejam provas de incapacidade, de incompetência, de inoperacionalidade, ao fim e ao cabo, de tudo o que pode haver de mais negativo nos domínios da direcção, gestão e administração municipal.
No entanto, sem que se coloque a questão da desculpabilização de flagrantes erros e omissões de sucessivos executivos autárquicos, importa reconhecer, repito, a impossibilidade decorrente da magnitude e diversidade de casos em presença, todos de urgente ou urgentíssima necessidade de resolução, num território que merece a simples possibilidade de ser gerido.
Quantos e quantos autarcas, cuja qualidade de trabalho jamais seria posta em causa num concelho governável, foram e são perfeitamente engolidos, aniquilados, pelo vórtice de problemas que deviam ser repartidos, por outros autarcas de outros concelhos, que já deviam vigorar para adequada abordagem dos problemas em presença?
Na sequência do que venho afirmando e propondo há tantos anos, uma tal evidência só se tornará operacional a partir do momento em que, ao mais alto nível legislativo, os decisores políticos considerarem oportuno aquilo que, há muito tempo, se revelou de inequívoca pertinência. Ou seja, a governabilidade de um tal território terá de passar pela sua divisão em duas ou três unidades, aglutinando cada um conjuntos coerentes de freguesias.
Naturalmente, um tal exercício de lucidez não pode articular-se com desígnios eleitoralistas. Por outro lado, não há que temer que cada um dos concelhos resultantes não mantenha a enorme diversidade contida no todo actual. É que a diversidade das actividades económicas em presença, as características sócio-culturais das populações residentes, as culturas e micro culturas locais, são de tal modo ricas e estão de tal modo dispersas que não há o perigo de, ao cindir o todo, vir a criar um concelho de primeira e outro/s de segunda classe…
Neste mesmo blogue e no Jornal de Sintra tenho apresentado inúmeros textos acerca do assunto. Se, por um lado, há inequívocos adeptos da solução que advogo, também há detractores que, na minha posição, apenas vislumbram a prova acabada de um elitismo militante. Na realidade, nada ganhando com a confusão das minhas intenções, gostaria de tudo poder fazer no sentido de demonstrar a bondade e boa fé desta posição.
Por isso, e para já, cumpre reafirmar e assinalar que a minha luta, tão somente, radica na convicção de que os processos de decisão ganham eficácia, se e quando as unidades dirigidas, geridas e administradas tiverem uma escala e coerência bastante que justifiquem as inerentes e necessárias lógicas de direcção, gestão e administração. Dir-me-ão que tal poderá significar uma certa especialização. Sou capaz de aceitar a observação, de a acolher sem reservas e de considerar que não há qualquer incompatibilidade com a proposta cujos contornos vão sendo definidos.
NB: conclusão em 11.04.08
É manifesta a impossibilidade de gestão de um concelho de Sintra com as actuais características e dimensões. Reparem que não escrevi incapacidade ou incompetência. E podia tê-lo feito. Na realidade, ao longo dos anos, independentemente dos partidos que sustentam os executivos municipais, sobejam provas de incapacidade, de incompetência, de inoperacionalidade, ao fim e ao cabo, de tudo o que pode haver de mais negativo nos domínios da direcção, gestão e administração municipal.
No entanto, sem que se coloque a questão da desculpabilização de flagrantes erros e omissões de sucessivos executivos autárquicos, importa reconhecer, repito, a impossibilidade decorrente da magnitude e diversidade de casos em presença, todos de urgente ou urgentíssima necessidade de resolução, num território que merece a simples possibilidade de ser gerido.
Quantos e quantos autarcas, cuja qualidade de trabalho jamais seria posta em causa num concelho governável, foram e são perfeitamente engolidos, aniquilados, pelo vórtice de problemas que deviam ser repartidos, por outros autarcas de outros concelhos, que já deviam vigorar para adequada abordagem dos problemas em presença?
Na sequência do que venho afirmando e propondo há tantos anos, uma tal evidência só se tornará operacional a partir do momento em que, ao mais alto nível legislativo, os decisores políticos considerarem oportuno aquilo que, há muito tempo, se revelou de inequívoca pertinência. Ou seja, a governabilidade de um tal território terá de passar pela sua divisão em duas ou três unidades, aglutinando cada um conjuntos coerentes de freguesias.
Naturalmente, um tal exercício de lucidez não pode articular-se com desígnios eleitoralistas. Por outro lado, não há que temer que cada um dos concelhos resultantes não mantenha a enorme diversidade contida no todo actual. É que a diversidade das actividades económicas em presença, as características sócio-culturais das populações residentes, as culturas e micro culturas locais, são de tal modo ricas e estão de tal modo dispersas que não há o perigo de, ao cindir o todo, vir a criar um concelho de primeira e outro/s de segunda classe…
Neste mesmo blogue e no Jornal de Sintra tenho apresentado inúmeros textos acerca do assunto. Se, por um lado, há inequívocos adeptos da solução que advogo, também há detractores que, na minha posição, apenas vislumbram a prova acabada de um elitismo militante. Na realidade, nada ganhando com a confusão das minhas intenções, gostaria de tudo poder fazer no sentido de demonstrar a bondade e boa fé desta posição.
Por isso, e para já, cumpre reafirmar e assinalar que a minha luta, tão somente, radica na convicção de que os processos de decisão ganham eficácia, se e quando as unidades dirigidas, geridas e administradas tiverem uma escala e coerência bastante que justifiquem as inerentes e necessárias lógicas de direcção, gestão e administração. Dir-me-ão que tal poderá significar uma certa especialização. Sou capaz de aceitar a observação, de a acolher sem reservas e de considerar que não há qualquer incompatibilidade com a proposta cujos contornos vão sendo definidos.
NB: conclusão em 11.04.08
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Rumo a Santa Eufémia
É bem verdade que a Pena, tão propício e especial lugar, nos está sempre no pensamento. Para muitos de nós, a Pena permanece, também constantemente, ao alcance de um olhar, apenas uns metros acima do quotidiano que, cá por baixo, afinal tão perto, neste doce baloiço de desníveis, não está à altura ou se alheia de tamanho privilégio.
Aos felizardos como eu, que moro no coração da Estefânia, basta chegar à varanda para logo ficar sob a protecção da verde parede da serra, impedindo as vistas menos propícias dos des(en)graçados e infelizes subúrbios das freguesias de betão que, em compreensíveis mas pungentes declarações de falta de identidade, se afirmam tão sintrenses como, por exemplo, São Martinho que, só para citar dois entre inúmeros bens patrimoniais ímpares, tem o Palácio da Vila e Seteais no seu seio…
Pois é, o betão está longe da vista porque a Serra, com a Pena vigilante, se encarrega do anteparo. Todavia, quem quiser ter a percepção do sufoco que ameaça o território que costumo designar como Sintra-Sintra, pois que se apetreche do seu binóculo, concedendo-se o tempo bastante para subir até Santa Eufémia, para ali realizar um simples exercício de observação. [Se querem um conselho de amigo, levem também umas vitualhas. Merendar no local é coisa indispensável].
Se nunca tiver visitado aquele terreiro, desde logo compreenderá o espantoso panorama que tem perdido. De Imediato perceberá a razão de ser do santuário. E, finalmente, correspondendo à minha sugestão do tal exercício de observação, não deixará de concluir que os amontoados de cimento armado, tantas vezes em sítios onde jamais se deveria ter construído sequer um casebre, nada têm a ver com a lógica de afinidades, cumplicidades e conluios da área que, vinda do Atlântico, muito naturalmente, vai terminar onde começa o desconchavo…
São as freguesias do betão. Porém, cumpre ter em consideração, que se trata dos lugares onde está concentrada uma larguíssima percentagem de cidadãos eleitores do actual tão gigantesco quanto ingovernável concelho «de Sintra». Na verdade, num futuro concelho de Sintra, sem aspas, tais lugares não terão lugar porque outra é a sua lógica de articulação e de integração.
Aos autarcas de curtas vistas, da direita e da pseudo esquerda que têm alternado no exercício do poder local, não convém pôr em causa um statu quo que tanto tem penalizado e seriamente prejudicado a gestão do território único e especialíssimo que acolhe a Paisagem Cultural da Humanidade. Bem se compreende que justificações de carácter eleitoralista, determinem desígnios que, no entanto, carecem de clarificação.
(continua)
É bem verdade que a Pena, tão propício e especial lugar, nos está sempre no pensamento. Para muitos de nós, a Pena permanece, também constantemente, ao alcance de um olhar, apenas uns metros acima do quotidiano que, cá por baixo, afinal tão perto, neste doce baloiço de desníveis, não está à altura ou se alheia de tamanho privilégio.
Aos felizardos como eu, que moro no coração da Estefânia, basta chegar à varanda para logo ficar sob a protecção da verde parede da serra, impedindo as vistas menos propícias dos des(en)graçados e infelizes subúrbios das freguesias de betão que, em compreensíveis mas pungentes declarações de falta de identidade, se afirmam tão sintrenses como, por exemplo, São Martinho que, só para citar dois entre inúmeros bens patrimoniais ímpares, tem o Palácio da Vila e Seteais no seu seio…
Pois é, o betão está longe da vista porque a Serra, com a Pena vigilante, se encarrega do anteparo. Todavia, quem quiser ter a percepção do sufoco que ameaça o território que costumo designar como Sintra-Sintra, pois que se apetreche do seu binóculo, concedendo-se o tempo bastante para subir até Santa Eufémia, para ali realizar um simples exercício de observação. [Se querem um conselho de amigo, levem também umas vitualhas. Merendar no local é coisa indispensável].
Se nunca tiver visitado aquele terreiro, desde logo compreenderá o espantoso panorama que tem perdido. De Imediato perceberá a razão de ser do santuário. E, finalmente, correspondendo à minha sugestão do tal exercício de observação, não deixará de concluir que os amontoados de cimento armado, tantas vezes em sítios onde jamais se deveria ter construído sequer um casebre, nada têm a ver com a lógica de afinidades, cumplicidades e conluios da área que, vinda do Atlântico, muito naturalmente, vai terminar onde começa o desconchavo…
São as freguesias do betão. Porém, cumpre ter em consideração, que se trata dos lugares onde está concentrada uma larguíssima percentagem de cidadãos eleitores do actual tão gigantesco quanto ingovernável concelho «de Sintra». Na verdade, num futuro concelho de Sintra, sem aspas, tais lugares não terão lugar porque outra é a sua lógica de articulação e de integração.
Aos autarcas de curtas vistas, da direita e da pseudo esquerda que têm alternado no exercício do poder local, não convém pôr em causa um statu quo que tanto tem penalizado e seriamente prejudicado a gestão do território único e especialíssimo que acolhe a Paisagem Cultural da Humanidade. Bem se compreende que justificações de carácter eleitoralista, determinem desígnios que, no entanto, carecem de clarificação.
(continua)
terça-feira, 8 de abril de 2008
Lucidez pf
(conclusão)
E regresso ao primeiro parágrafo deste mesmo texto ontem iniciado, aos que não se enxergam. A quem não souber interpretar a imagem que o espelho devolve, conviria, pelo menos, lembrar atitudes e circunstâncias que, em sectores muito diferentes, só aparentemente não se relacionam com a questão em apreço. Refiro-me, por exemplo, às razões que justificam o modo como, em Portugal, se conduz e se estaciona o automóvel, a elevadíssima sinistralidade na estrada ou a maneira como são maltratados os animais…
Citei apenas três entre inúmeros exemplos que poderia invocar como paradigmáticos, sintomáticos de um mal-estar social muito problemático. Há uma quantidade imensa de pais e encarregados de educação que, diariamente, na presença de crianças e jovens, dão péssimos e nefastos exemplos de falta de educação e de civismo, de sumária e condenável indisciplina.
São cidadãos que deitam fora a água do capote – porque, na realidade, não sabem, não podem, não entendem até que ponto vai a sua ignorância e indigência mental – incapazes de reconhecer, pobres coitados, a responsabilidade que lhes cabe pelas próprias culpas e omissões.
Entretanto, permitem-se opinar sobre disciplina e indisciplina, falta de respeito e violência. Como se eles próprios não as induzissem, como se também não fossem responsáveis pelo modelo de sociedade tão pouco propício à erradicação de tais fenómenos. Pelo meio de tanta falta de discernimento, como não entendê-los?
Aliás, quem dá prova de não entender tais cidadãos, que constituem a maior parte do contingente de pais e encarregados de educação de Portugal, é quem os governa como se governasse cidadãos de um país europeu, sem os gravíssimos problemas socioeconómicos por resolver como é o caso de Portugal…
Falta de lucidez? Sem dúvida! Contudo, implícita e tão pacífica como contundente, por ali perpassa a noção de que, na verdade, estão bem uns para os outros…
(conclusão)
E regresso ao primeiro parágrafo deste mesmo texto ontem iniciado, aos que não se enxergam. A quem não souber interpretar a imagem que o espelho devolve, conviria, pelo menos, lembrar atitudes e circunstâncias que, em sectores muito diferentes, só aparentemente não se relacionam com a questão em apreço. Refiro-me, por exemplo, às razões que justificam o modo como, em Portugal, se conduz e se estaciona o automóvel, a elevadíssima sinistralidade na estrada ou a maneira como são maltratados os animais…
Citei apenas três entre inúmeros exemplos que poderia invocar como paradigmáticos, sintomáticos de um mal-estar social muito problemático. Há uma quantidade imensa de pais e encarregados de educação que, diariamente, na presença de crianças e jovens, dão péssimos e nefastos exemplos de falta de educação e de civismo, de sumária e condenável indisciplina.
São cidadãos que deitam fora a água do capote – porque, na realidade, não sabem, não podem, não entendem até que ponto vai a sua ignorância e indigência mental – incapazes de reconhecer, pobres coitados, a responsabilidade que lhes cabe pelas próprias culpas e omissões.
Entretanto, permitem-se opinar sobre disciplina e indisciplina, falta de respeito e violência. Como se eles próprios não as induzissem, como se também não fossem responsáveis pelo modelo de sociedade tão pouco propício à erradicação de tais fenómenos. Pelo meio de tanta falta de discernimento, como não entendê-los?
Aliás, quem dá prova de não entender tais cidadãos, que constituem a maior parte do contingente de pais e encarregados de educação de Portugal, é quem os governa como se governasse cidadãos de um país europeu, sem os gravíssimos problemas socioeconómicos por resolver como é o caso de Portugal…
Falta de lucidez? Sem dúvida! Contudo, implícita e tão pacífica como contundente, por ali perpassa a noção de que, na verdade, estão bem uns para os outros…
segunda-feira, 7 de abril de 2008
Lucidez, pf
Não deixa de causar uma certa perplexidade a falta de discernimento de tantos cidadãos, nomeadamente pais e encarregados de educação que, nas últimas semanas, interpelados por trabalhadores da comunicação social escrita e audiovisual*, se pronunciaram acerca de causas e consequências da indisciplina de crianças e jovens em estabelecimentos de ensino, nomeadamente dos níveis básico e secundário.
Assinalo, sublinho e passo a explicitar aquilo que considero falta de discernimento. A perplexidade que manifesto, advém da circunstância de tais pessoas não perceberem ser a Escola não uma entidade isolada do todo mas, certamente, a instituição que melhor reflecte as características gerais e específicas da sociedade que lhe entrega os educandos.
Bem pode afirmar-se a assunção da Escola como duplo espelho social, ou seja, por um lado, da sociedade nacional em geral e, por outro, em sentido mais restrito, da comunidade educativa em que se insere. O espelho reflecte, em relação a cada uma das duas escalas, não apenas uma imagem mas tantas quantas, por exemplo, se articulam com os diferentes sectores sociais, culturais ou económicos.
Sem pretender generalizar em terreno tão difícil e compósito, sou daqueles que não receiam afirmar que, relativamente à disciplina, determinada escola funcionará tanto melhor quanto a comunidade com a qual se articula tiver menos problemas sociais por resolver, estiver mais bem rodeada e dotada de dispositivos culturais e, portanto, for mais feliz.
Ousaria afirmar este factor determinante, a felicidade, que é cada vez menos conjugado na apreciação de tais questões. Não estou a reportar-me a casos virtuais, hipotéticos, utópicos, refiro-me a casos reais, que os há, de comunidades medianamente felizes onde não existem ou mal se colocam os problemas das mais ou menos sistemáticas indisciplina e violência.
Isto que se afirma em relação a qualquer latitude, não pode deixar de revestir especiais contornos em Portugal. Efectivamente, como não perceber que, ao nível da Escola, haja sintomáticos casos de indisciplina juvenil, num país generalizadamente indisciplinado, desinformado, com preocupantes índices de pobreza, de iliteracia e de analfabetismo?
*
Ah como é difícil escrever a palavra jornalista, tendo que referir trabalhadores dos media a quem não reconheço o perfil de tão nobre profissão!...
(continua)
sexta-feira, 4 de abril de 2008
Acordo ortográfico
Enquanto filólogo, membro fundador da Associação de Cultura Lusófona (ACLUS), desde já vos afirmo e confirmo que a minha posição é contrária à necessidade de celebrar um qualquer Acordo Ortográfico entre os países cuja língua materna e/ou veicular é o Português. Há cerca de vinte anos, desde a altura em que trabalhava como Técnico Superior do Ministério da Educação no Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (anteriormente designado como Instituto de Alta Cultura e, mais recentemente, Instituto Camões), tenho tido oportunidade de manifestar tal opinião e sem razões para a alterar.
Na realidade, desde fins dos anos oitenta, que o rio de tinta não pára de engrossar nos meios afectos a esta problemática, em especial, entre membros da Academia das Ciências de Lisboa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, nas iniciativas promovidas pela própria ACLUS, ou noutras em que tem participado neste e no outro lado do Atlântico, não só no Brasil mas também em África.
Como acérrimo defensor de todas as causas que se articulem com a preservação do património cultural que, stricto sensu, apenas estamos habituados a relacionar com os bens edificados e naturais, considero que o linguístico, tanto na vertente fonética como na ortográfica, está sendo objecto de tantos e tão sistemáticos ataques, que as negativas consequências dos dislates em curso não são sequer previsíveis.
Tendo em consideração a necessidade de que nos entendamos a partir de uma boa base de partilha comum, proponho que nos socorramos do verbete subordinado ao título Acordos Ortográficos, elaborado pelo Prof. Doutor Ivo de Castro, professor catedrático de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, integrante do Dicionário Temático da Lusofonia*.
"(...)
Assim, o Brasil continua a reger-se por uma convenção ortográfica de 1943, e Portugal, com os países africanos, pelo acordo de 1945.
Ambas as ortografias vigentes têm espírito reunificador, mas a de 1943 aproxima-se mais da realidade sonora, suprimindo as consoantes não articuladas e acentuando de acordo com o vocalismo brasileiro. A de 1945 recupera consoantes etimológicas não articuladas e rejeita o uso do trema; no Brasil foi sentida como lusitanizante. O acordo de 1990 tem um espírito diferente, pois aceita a irreversível divergência das variantes nacionais no plano fonológico e propõe que elas sejam representadas por duplas grafias (na acentuação de vogais, nas consoantes articuladas ou não).
As principais inovações do acordo de 1990 situam-se em quatro àreas: as consoantes mudas (conservam-se quando são pronunciadas em todo o espaço geográfico da língua portuguesa: ficção, pacto, adepto, núpcias; suprimem-se quando não são proferidas em nenhuma das normas cultas: ação, afetivo, direção, adoção, ótimo; têm dupla grafia nos casos de pronúncia dupla: facto, receção em Portugal contra fato, recepção no Brasil); a acentuação gráfica (têm dupla grafia as vogais seguidas de m e de n, nas proparoxítonas e paroxítonas: cómodo, efémero, fenómeno, génio, ténis em Portugal, contra cômodo, efêmero, fenômeno, gênio, tênis no Brasil bem como as vogais finais nas oxítonas: bebé, cocó em Portugal, contra bebê, cocô no Brasil); a hifenação, que é reduzida (entre prefixo terminado por vogal e palavra começada por r ou s, o hífen é substituído pela duplicação da consoante: contrarregra, infrassom e deixa de se usar na flexão de há de, hão de); o alfabeto, que passa a acolher três novas letras: k, w, y."
Como acabam de verificar, trata-se de informação despida de qualquer opção, mais ou menos favorável à pertinência da adopção de um instrumento com as características do que está em causa, limitando-se a esclarecer o statu quo e as novidades emergentes.
Ora bem, verifiquem como a minha causa se basta a si própria. Se me acompanharem no recurso ao forte argumento que introduzo, a polémica cai logo pela base. Já repararam que nem os britânicos e outros anglófonos, nem os franceses e outros francófonos, nem espanhóis e outros hispanófonos alguma vez sentiram a necessidade ou se preocuparam com a celebração de semelhante protocolo?
Deixando a resposta em suspenso, aqui poderia terminar. Mas convém-me continuar, agora sublinhando a ideia de que, no Brasil, a convenção ortográfica de 1945 foi considerada lusitanizante, na medida em que recupera consoantes etimológicas não articuladas. Se bem tiverem em consideração que tais traços etimológicos são indispensáveis à preservação patrimonial visível das palavras que escrevemos, talvez se ganhe consciência da lesão que constituiria a sua supressão.
Aliás, ao contrário do que parece evidenciar uma inequívoca intenção facilitista do Acordo de 1990, a tal visibilidade da etimologia não deixa de oferecer trunfos muito interessantes aos professores de português. Não a todos, note-se. O docente bem preparado, esse conhece o espantoso efeito observado nos jovens alunos, quando conta a história de qualquer palavra, o seu percurso, desde o étimo até à actualidade, história baseada nos estudos linguísticos, no conhecimento da fonética, na semeogonia e semeologia, áreas científicas indispensáveis.
Abrir parêntesis:
[Todavia, o contrário, ou seja, o território dos ignorantes, não é particularmente surpreendente porquanto, hoje em dia, é possível fazer uma licenciatura (???) em Letras, Línguas e Literaturas, chegando à Faculdade de Letras sem qualquer conhecimento de Latim... Surpreende, isso sim, mas parece ninguém preocupar, como é que os jovens licenciados (???), entretanto já a leccionar, se permitem ensinar as línguas portuguesa, francesa, inglesa ou alemã...]
Fechar parêntesis.
Ainda a propósito, gostaria de chamar a atenção de todos os interessados para A língua portuguesa em tratos de polé, ensaio absolutamente notável do Prof. Doutor Vitorino Magalhães Godinho, publicado na última edição (26 de Março-8 de Abril) do JL, frontalmente contra o acordo ortográfico de 1990, agora ratificado por Portugal. Note-se que, a pedido do autor, o texto tem a particularidade de manter a sua ortografia.
........................................................................
*Dicionário Temático da Lusofonia, CRISTÓVÃO, Fernando (dir. e Coord.), AMORIM, Maria Adelina, MARQUES, Maria Lúcia Garcia, MOITA,Susana Brites, Texto Editores ed., Lisboa, 2005
Enquanto filólogo, membro fundador da Associação de Cultura Lusófona (ACLUS), desde já vos afirmo e confirmo que a minha posição é contrária à necessidade de celebrar um qualquer Acordo Ortográfico entre os países cuja língua materna e/ou veicular é o Português. Há cerca de vinte anos, desde a altura em que trabalhava como Técnico Superior do Ministério da Educação no Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (anteriormente designado como Instituto de Alta Cultura e, mais recentemente, Instituto Camões), tenho tido oportunidade de manifestar tal opinião e sem razões para a alterar.
Na realidade, desde fins dos anos oitenta, que o rio de tinta não pára de engrossar nos meios afectos a esta problemática, em especial, entre membros da Academia das Ciências de Lisboa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, nas iniciativas promovidas pela própria ACLUS, ou noutras em que tem participado neste e no outro lado do Atlântico, não só no Brasil mas também em África.
Como acérrimo defensor de todas as causas que se articulem com a preservação do património cultural que, stricto sensu, apenas estamos habituados a relacionar com os bens edificados e naturais, considero que o linguístico, tanto na vertente fonética como na ortográfica, está sendo objecto de tantos e tão sistemáticos ataques, que as negativas consequências dos dislates em curso não são sequer previsíveis.
Tendo em consideração a necessidade de que nos entendamos a partir de uma boa base de partilha comum, proponho que nos socorramos do verbete subordinado ao título Acordos Ortográficos, elaborado pelo Prof. Doutor Ivo de Castro, professor catedrático de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, integrante do Dicionário Temático da Lusofonia*.
"(...)
Assim, o Brasil continua a reger-se por uma convenção ortográfica de 1943, e Portugal, com os países africanos, pelo acordo de 1945.
Ambas as ortografias vigentes têm espírito reunificador, mas a de 1943 aproxima-se mais da realidade sonora, suprimindo as consoantes não articuladas e acentuando de acordo com o vocalismo brasileiro. A de 1945 recupera consoantes etimológicas não articuladas e rejeita o uso do trema; no Brasil foi sentida como lusitanizante. O acordo de 1990 tem um espírito diferente, pois aceita a irreversível divergência das variantes nacionais no plano fonológico e propõe que elas sejam representadas por duplas grafias (na acentuação de vogais, nas consoantes articuladas ou não).
As principais inovações do acordo de 1990 situam-se em quatro àreas: as consoantes mudas (conservam-se quando são pronunciadas em todo o espaço geográfico da língua portuguesa: ficção, pacto, adepto, núpcias; suprimem-se quando não são proferidas em nenhuma das normas cultas: ação, afetivo, direção, adoção, ótimo; têm dupla grafia nos casos de pronúncia dupla: facto, receção em Portugal contra fato, recepção no Brasil); a acentuação gráfica (têm dupla grafia as vogais seguidas de m e de n, nas proparoxítonas e paroxítonas: cómodo, efémero, fenómeno, génio, ténis em Portugal, contra cômodo, efêmero, fenômeno, gênio, tênis no Brasil bem como as vogais finais nas oxítonas: bebé, cocó em Portugal, contra bebê, cocô no Brasil); a hifenação, que é reduzida (entre prefixo terminado por vogal e palavra começada por r ou s, o hífen é substituído pela duplicação da consoante: contrarregra, infrassom e deixa de se usar na flexão de há de, hão de); o alfabeto, que passa a acolher três novas letras: k, w, y."
Como acabam de verificar, trata-se de informação despida de qualquer opção, mais ou menos favorável à pertinência da adopção de um instrumento com as características do que está em causa, limitando-se a esclarecer o statu quo e as novidades emergentes.
Ora bem, verifiquem como a minha causa se basta a si própria. Se me acompanharem no recurso ao forte argumento que introduzo, a polémica cai logo pela base. Já repararam que nem os britânicos e outros anglófonos, nem os franceses e outros francófonos, nem espanhóis e outros hispanófonos alguma vez sentiram a necessidade ou se preocuparam com a celebração de semelhante protocolo?
Deixando a resposta em suspenso, aqui poderia terminar. Mas convém-me continuar, agora sublinhando a ideia de que, no Brasil, a convenção ortográfica de 1945 foi considerada lusitanizante, na medida em que recupera consoantes etimológicas não articuladas. Se bem tiverem em consideração que tais traços etimológicos são indispensáveis à preservação patrimonial visível das palavras que escrevemos, talvez se ganhe consciência da lesão que constituiria a sua supressão.
Aliás, ao contrário do que parece evidenciar uma inequívoca intenção facilitista do Acordo de 1990, a tal visibilidade da etimologia não deixa de oferecer trunfos muito interessantes aos professores de português. Não a todos, note-se. O docente bem preparado, esse conhece o espantoso efeito observado nos jovens alunos, quando conta a história de qualquer palavra, o seu percurso, desde o étimo até à actualidade, história baseada nos estudos linguísticos, no conhecimento da fonética, na semeogonia e semeologia, áreas científicas indispensáveis.
Abrir parêntesis:
[Todavia, o contrário, ou seja, o território dos ignorantes, não é particularmente surpreendente porquanto, hoje em dia, é possível fazer uma licenciatura (???) em Letras, Línguas e Literaturas, chegando à Faculdade de Letras sem qualquer conhecimento de Latim... Surpreende, isso sim, mas parece ninguém preocupar, como é que os jovens licenciados (???), entretanto já a leccionar, se permitem ensinar as línguas portuguesa, francesa, inglesa ou alemã...]
Fechar parêntesis.
Ainda a propósito, gostaria de chamar a atenção de todos os interessados para A língua portuguesa em tratos de polé, ensaio absolutamente notável do Prof. Doutor Vitorino Magalhães Godinho, publicado na última edição (26 de Março-8 de Abril) do JL, frontalmente contra o acordo ortográfico de 1990, agora ratificado por Portugal. Note-se que, a pedido do autor, o texto tem a particularidade de manter a sua ortografia.
........................................................................
*Dicionário Temático da Lusofonia, CRISTÓVÃO, Fernando (dir. e Coord.), AMORIM, Maria Adelina, MARQUES, Maria Lúcia Garcia, MOITA,Susana Brites, Texto Editores ed., Lisboa, 2005
quinta-feira, 3 de abril de 2008
Seteais a negociar
Depois de, no passado mês de Março, directamente junto do Presidente da Câmara, também neste mesmo espaço, no Jornal de Sintra e na Assembleia Municipal, no dia 28, ter feito a denúncia da situação de encerramento ilegal do terreiro de Seteais, tive a satisfação de me ter sido respondido que o Vereador Luís Patrício, do Pelouro da Cultura, avocou o assunto para urgente resolução.
Há anos que venho lutando contra a sobranceria com que o Grupo Espírito Santo, sempre que lhe dá jeito, se permite fechar aquele espaço público. Sistematicamente, incorre num procedimento que, segundo a Direcção-Geral do Turismo me informou por ofício, está sujeito a contra-ordenação.
O poder que detém é incompatível com tal atitude já que aquele espaço é do domínio público, não faz parte da concessão da exploração do palácio para a actividade hoteleira que ali se processa.
Entretanto, a Câmara Municipal de Sintra já dispõe de um dossiê que lhe permitirá negociar a imediata reabertura do jardim.
Rendido à evidência do que a casa gasta, eu próprio afirmei, na minha intervenção na Assembleia Municipal, que era necessário negociar. Civilizadamente, é assim que deve acontecer. Mas custa aceitar que atitude civilizada não tivesse sido a do Grupo Espírito Santo. Depois de prejudicar milhares e milhares de pessoas, ainda não se sabe qual o desfecho da situação.
Em idênticas circunstâncias, num qualquer país civilizado, nunca um concessionário se permitiria tal ofensa à comunidade e, enfim, perante a eventualidade de um facto consumado como tal, não haveria qualquer negociação mas a imediata reposição da legalidade. Talvez que, futuramente, cheguemos a esse apuro, neste Estado que continuamos a considerar de Direito...
Depois de, no passado mês de Março, directamente junto do Presidente da Câmara, também neste mesmo espaço, no Jornal de Sintra e na Assembleia Municipal, no dia 28, ter feito a denúncia da situação de encerramento ilegal do terreiro de Seteais, tive a satisfação de me ter sido respondido que o Vereador Luís Patrício, do Pelouro da Cultura, avocou o assunto para urgente resolução.
Há anos que venho lutando contra a sobranceria com que o Grupo Espírito Santo, sempre que lhe dá jeito, se permite fechar aquele espaço público. Sistematicamente, incorre num procedimento que, segundo a Direcção-Geral do Turismo me informou por ofício, está sujeito a contra-ordenação.
O poder que detém é incompatível com tal atitude já que aquele espaço é do domínio público, não faz parte da concessão da exploração do palácio para a actividade hoteleira que ali se processa.
Entretanto, a Câmara Municipal de Sintra já dispõe de um dossiê que lhe permitirá negociar a imediata reabertura do jardim.
Rendido à evidência do que a casa gasta, eu próprio afirmei, na minha intervenção na Assembleia Municipal, que era necessário negociar. Civilizadamente, é assim que deve acontecer. Mas custa aceitar que atitude civilizada não tivesse sido a do Grupo Espírito Santo. Depois de prejudicar milhares e milhares de pessoas, ainda não se sabe qual o desfecho da situação.
Em idênticas circunstâncias, num qualquer país civilizado, nunca um concessionário se permitiria tal ofensa à comunidade e, enfim, perante a eventualidade de um facto consumado como tal, não haveria qualquer negociação mas a imediata reposição da legalidade. Talvez que, futuramente, cheguemos a esse apuro, neste Estado que continuamos a considerar de Direito...
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Maria Gabriela Llansol, voz contundente
“(…) E percebi também melhor o sentido daquela frase de Spinosa sobre a qual tantas vezes tinha reflectido, e que a lição de Deleuze me ensinara a entender, mas não a viver em experiência: «Sentimos e experimentamos que somos eternos» (…)”
João Barrento*
Em nome de uma luta, que também foi ganha com a sua voz, trago hoje a lembrança de Maria Gabriela Llansol. Sete anos passados sobre o desafio que lançou, está em sossego a Volta do Duche. Foi necessário e certeiro o seu grito. Veio à rua, ao terreiro do paço da vila, veio pela mão de palavras, desenhando a vontade de não deixar acontecer a barbárie. Fê-lo, como só os poetas sabem.
O texto que vão (re)ler, foi publicado no dia oito de Dezembro de dois mil e um, pelo Público. Antes de o enviar ao jornal, a Maria Gabriela quis ter a gentileza de mo ler. Para mim, o inesperado, duplo e comovido privilégio das palavras escritas, ditas na voz empenhada da primeira pessoa-autora.
Sem mais demora, com a devida vénia àquele diário, eis a transcrição total, de um artigo de opinião de quem, há poucos dias, nos precedeu na viagem grande. Concordarão, estou certo, que tratando-se de um dos mais veementes testemunhos em defesa de Sintra, consegue ultrapassar tal dimensão, para funcionar como labéu contra todos quantos se permitem ofender a dignidade, a memória e o espírito dos lugares.
*
(Prof. Doutor João Barrento, conhecido filólogo, germanista, tradutor, grande amigo da falecida escritora, 07.03.08, http://espacollansol.blogspot.com)
…………………….....................................
Não haverá diálogo entre mortos
(A propósito do projecto de “parking” subterrâneo
na Volta do Duche de Sintra)
Começo pelos factos. Domingo à tarde fui ao encontro de informação organizado, no terreiro do Palácio de Sintra, por algumas associações ambientalistas. Estávamos umas 200 pessoas. Foi então que percebi o que o executivo camarário planeava, com o acordo do programa Polis II, para a Volta do Duche. Isto: construir, exactamente por baixo da estrada que serpenteia a colina, um parque de estacionamento subterrâneo. Vista do palácio a ideia é simplesmente aberrante. Que espécie de humanos foi capaz de sequer imaginar uma coisa daquelas? Foi-me então explicado que o projecto iria criar uns 300 lugares de estacionamento, iria custar (para começar!) mais de um milhão de contos, poria em risco as árvores que sobrevivessem, além das que seriam abatidas. Ouvi ler extractos de um relatório do Instituto Português do Património Arquitectónico emitindo críticas severas ao projecto. Ouvi dizer que não fora feito nenhum estudo geológico, nem de impacto ambiental. Ouvi dizer que não fora organizada nenhuma consulta pública. Ouvi dizer que os lugares de estacionamento, além de caríssimos, ainda seriam menos dos que actualmente existentes.
Ouvi dizer. Ouvi dizer. Projecto inútil, faraónico, destruidor. Praticamente infantil. Na realidade, a informação era escassa. Fora obtida à revelia da edilidade instituída. Que esta se recusava a colocar à disposição da população os elementos necessários a uma aprovação (ou desaprovação) informada. Não ouvi nenhum “slogan”. Nenhum partido político foi aplaudido, nem, aliás, apupado. Apenas foi pedido aos presentes (e ausentes) que assinassem um abaixo-assinado a exigir uma discussão pública sobre a questão. O que assinei.
Saí dali com o sentimento de que, na minha “cidade”, onde se desenrolam tantos dos meus livros, eleitos, estranhamente afastados do vivo e do belo, decidiam e devastavam. De que era prudentemente fundada a desconfiança generalizada pelos políticos. De que estes eram um perigo. Que não deixavam sangue nas ruas, mas ferida mortais nos lugares, nas paisagens, nas sensibilidades, na simples e antiquíssima boa-fé. Que interpretavam o voto que lhes fora transitoriamente concedido como um direito a desprezar a inteligência e a estima dos seus concidadãos.
Não vou discutir com ninguém o que não pode ser objecto de discussão. Não vou aceitar a morte de árvores, em troco da precária sobrevivência de outras. Não aceito que se anule uma paisagem que não fez mal a ninguém, excepto o dom quotidiano que nos faz de uma beleza de que os paisagistas (assim chamados!) perderam o segredo. Não quero ouvir dizer que o homem pode destruir o que os outros edificaram, sobretudo quando os que assim falam são mentes sem lampejo. Não aceito promessas a troco de atentados irrecuperáveis. Discutir isso seria discutir entre mortos. Repito: só os mortos poderão ter imaginado que as suas ambições desvairadas não teriam consequências.
Quando me sentar na Volta do Duche, como tantas vezes faço, que vou dizer às árvores, aos arbustos, aos pássaros, às estações, à vida?
Que vos vou dizer? Que não tive forças para respeitar um simples pacto de bondade? Que, mais uma vez, a minha espécie planificou friamente o desastre? Que, juntos, somos mais frágeis do que um punhado de edis, de paisagistas, de construtores civis, sem alma para sentir a santidade da paisagem?
E, desta vez, não me serve de consolo constatar o que sempre soube: onde os interesses materiais vingarem como fim, o homem não será. É aterrador pensar, mas é a realidade: sem o dom poético, sem a simples capacidade de sermos maravilhados pelo vivo, a liberdade de consciência está condenada a definhar. Por mim e por vós, foi essa liberdade que fui defender no terreiro do Palácio de Sintra.
Maria Gabriela Llansol
.....................................................
PS:
Considero conveniente recordar em que enquadramento surgiu o texto supra, que terá constituído a machadada final e decisiva no propósito da recandidatura de Edite Estrela à presidência da Câmara Municipal de Sintra. As eleições locais realizaram-se uma semana depois da publicação do artigo de opinião de Maria Gabriela Llansol que teve um impacto enorme.
Como sabem, MGL é um dos mais notáveis nomes das Letras portuguesas, não só dos nossos dias mas também, ouso dizê-lo – e estou muito bem acompanhado, por exemplo, pelo Prof. Barrento – de todos os tempos. Pois, como se verifica, através de um discurso do maior alcance, com toda a acutilância, sem qualquer eufemismo, acabou a escritora por desmascarar quem se perfilava para permanecer no poder.
Por exemplo, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, dezenas e dezenas de conhecidos académicos subscreveram o abaixo-assinado de que fala a autora do artigo que, com a sua pública tomada de posição, um verdadeiro manifesto de Cultura contra a barbárie, induziu muita gente a segui-la, num dos mais interessantes movimentos de cidadãos que Sintra conheceu.
Não é muito frequente que intelectuais da craveira de Maria Gabriela Llansol se exponham desta maneira. Subscrever um abaixo-assinado, a favor de uma causa nobre e elevada, é uma coisa. Em idênticas circunstâncias, outra coisa é subscrever um texto com esta força.
“(…) E percebi também melhor o sentido daquela frase de Spinosa sobre a qual tantas vezes tinha reflectido, e que a lição de Deleuze me ensinara a entender, mas não a viver em experiência: «Sentimos e experimentamos que somos eternos» (…)”
João Barrento*
Em nome de uma luta, que também foi ganha com a sua voz, trago hoje a lembrança de Maria Gabriela Llansol. Sete anos passados sobre o desafio que lançou, está em sossego a Volta do Duche. Foi necessário e certeiro o seu grito. Veio à rua, ao terreiro do paço da vila, veio pela mão de palavras, desenhando a vontade de não deixar acontecer a barbárie. Fê-lo, como só os poetas sabem.
O texto que vão (re)ler, foi publicado no dia oito de Dezembro de dois mil e um, pelo Público. Antes de o enviar ao jornal, a Maria Gabriela quis ter a gentileza de mo ler. Para mim, o inesperado, duplo e comovido privilégio das palavras escritas, ditas na voz empenhada da primeira pessoa-autora.
Sem mais demora, com a devida vénia àquele diário, eis a transcrição total, de um artigo de opinião de quem, há poucos dias, nos precedeu na viagem grande. Concordarão, estou certo, que tratando-se de um dos mais veementes testemunhos em defesa de Sintra, consegue ultrapassar tal dimensão, para funcionar como labéu contra todos quantos se permitem ofender a dignidade, a memória e o espírito dos lugares.
*
(Prof. Doutor João Barrento, conhecido filólogo, germanista, tradutor, grande amigo da falecida escritora, 07.03.08, http://espacollansol.blogspot.com)
…………………….....................................
Não haverá diálogo entre mortos
(A propósito do projecto de “parking” subterrâneo
na Volta do Duche de Sintra)
Começo pelos factos. Domingo à tarde fui ao encontro de informação organizado, no terreiro do Palácio de Sintra, por algumas associações ambientalistas. Estávamos umas 200 pessoas. Foi então que percebi o que o executivo camarário planeava, com o acordo do programa Polis II, para a Volta do Duche. Isto: construir, exactamente por baixo da estrada que serpenteia a colina, um parque de estacionamento subterrâneo. Vista do palácio a ideia é simplesmente aberrante. Que espécie de humanos foi capaz de sequer imaginar uma coisa daquelas? Foi-me então explicado que o projecto iria criar uns 300 lugares de estacionamento, iria custar (para começar!) mais de um milhão de contos, poria em risco as árvores que sobrevivessem, além das que seriam abatidas. Ouvi ler extractos de um relatório do Instituto Português do Património Arquitectónico emitindo críticas severas ao projecto. Ouvi dizer que não fora feito nenhum estudo geológico, nem de impacto ambiental. Ouvi dizer que não fora organizada nenhuma consulta pública. Ouvi dizer que os lugares de estacionamento, além de caríssimos, ainda seriam menos dos que actualmente existentes.
Ouvi dizer. Ouvi dizer. Projecto inútil, faraónico, destruidor. Praticamente infantil. Na realidade, a informação era escassa. Fora obtida à revelia da edilidade instituída. Que esta se recusava a colocar à disposição da população os elementos necessários a uma aprovação (ou desaprovação) informada. Não ouvi nenhum “slogan”. Nenhum partido político foi aplaudido, nem, aliás, apupado. Apenas foi pedido aos presentes (e ausentes) que assinassem um abaixo-assinado a exigir uma discussão pública sobre a questão. O que assinei.
Saí dali com o sentimento de que, na minha “cidade”, onde se desenrolam tantos dos meus livros, eleitos, estranhamente afastados do vivo e do belo, decidiam e devastavam. De que era prudentemente fundada a desconfiança generalizada pelos políticos. De que estes eram um perigo. Que não deixavam sangue nas ruas, mas ferida mortais nos lugares, nas paisagens, nas sensibilidades, na simples e antiquíssima boa-fé. Que interpretavam o voto que lhes fora transitoriamente concedido como um direito a desprezar a inteligência e a estima dos seus concidadãos.
Não vou discutir com ninguém o que não pode ser objecto de discussão. Não vou aceitar a morte de árvores, em troco da precária sobrevivência de outras. Não aceito que se anule uma paisagem que não fez mal a ninguém, excepto o dom quotidiano que nos faz de uma beleza de que os paisagistas (assim chamados!) perderam o segredo. Não quero ouvir dizer que o homem pode destruir o que os outros edificaram, sobretudo quando os que assim falam são mentes sem lampejo. Não aceito promessas a troco de atentados irrecuperáveis. Discutir isso seria discutir entre mortos. Repito: só os mortos poderão ter imaginado que as suas ambições desvairadas não teriam consequências.
Quando me sentar na Volta do Duche, como tantas vezes faço, que vou dizer às árvores, aos arbustos, aos pássaros, às estações, à vida?
Que vos vou dizer? Que não tive forças para respeitar um simples pacto de bondade? Que, mais uma vez, a minha espécie planificou friamente o desastre? Que, juntos, somos mais frágeis do que um punhado de edis, de paisagistas, de construtores civis, sem alma para sentir a santidade da paisagem?
E, desta vez, não me serve de consolo constatar o que sempre soube: onde os interesses materiais vingarem como fim, o homem não será. É aterrador pensar, mas é a realidade: sem o dom poético, sem a simples capacidade de sermos maravilhados pelo vivo, a liberdade de consciência está condenada a definhar. Por mim e por vós, foi essa liberdade que fui defender no terreiro do Palácio de Sintra.
Maria Gabriela Llansol
.....................................................
PS:
Considero conveniente recordar em que enquadramento surgiu o texto supra, que terá constituído a machadada final e decisiva no propósito da recandidatura de Edite Estrela à presidência da Câmara Municipal de Sintra. As eleições locais realizaram-se uma semana depois da publicação do artigo de opinião de Maria Gabriela Llansol que teve um impacto enorme.
Como sabem, MGL é um dos mais notáveis nomes das Letras portuguesas, não só dos nossos dias mas também, ouso dizê-lo – e estou muito bem acompanhado, por exemplo, pelo Prof. Barrento – de todos os tempos. Pois, como se verifica, através de um discurso do maior alcance, com toda a acutilância, sem qualquer eufemismo, acabou a escritora por desmascarar quem se perfilava para permanecer no poder.
Por exemplo, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, dezenas e dezenas de conhecidos académicos subscreveram o abaixo-assinado de que fala a autora do artigo que, com a sua pública tomada de posição, um verdadeiro manifesto de Cultura contra a barbárie, induziu muita gente a segui-la, num dos mais interessantes movimentos de cidadãos que Sintra conheceu.
Não é muito frequente que intelectuais da craveira de Maria Gabriela Llansol se exponham desta maneira. Subscrever um abaixo-assinado, a favor de uma causa nobre e elevada, é uma coisa. Em idênticas circunstâncias, outra coisa é subscrever um texto com esta força.
terça-feira, 1 de abril de 2008
(conclusão)
Autoridade e Formação
“(…) Aulas más são as aulas que os rapazes não querem ouvir. Mas então – poderia eu defender-me – que culpa temos nós de os rapazes serem barulhentos, desinquietos e desatentos? É verdade que às vezes a culpa não é nossa: é toda deles, a quem mais apetecia estar na rua que estar na escola. Mas para isso justamente é que serve o bom professor – e o meu drama resulta de que a mim só interessa ser bom professor. Ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estar interessados; a não se lembrarem de que lá fora é melhor. E foi o que eu ontem não consegui. (…)”
25 de Março de 1949
Sebastião da Gama, Diário
Depois de, tão resumidamente, ter referido algumas das questões que devem ser tidas em consideração – se não quisermos incorrer em precipitadas e grosseiras conclusões, quando nos deparamos com cenas análogas às que foram divulgadas no YouTube – gostaria de lembrar quão importante se revela a necessidade de, na Escola, os agentes educativos dominarem a possibilidade de resolução de comportamentos desviantes por parte dos jovens adolescentes que integram os grupos.
Formar para disciplinar
Para tanto, impõe-se que, também de uma vez por todas, os próprios professores, os seus representantes de classe, o Sistema Educativo, em geral, e os decisores políticos assumam a pertinência de concretizar um específico programa de formação, cuja importância nunca foi devidamente enfatizada e reivindicada, em especial – o que não deixa de revestir alguma gravidade – no quadro da aquisição de créditos para promoção na carreira, de acordo com o vigente estatuto da carreira docente.
Se, a respeito do que afirmo houvesse qualquer dúvida, o documento audiovisual que desencadeou estas e quantas mais notas de apreciação, bem atesta que aquela professora é um protótipo. Ela representa muitos milhares de professores – profissionais cuja inequívoca competência na gestão de grupos seria sempre supostamente inquestionável – mas que, provavelmente, jamais tiveram um minuto de competente formação em técnicas de dinâmica de grupos, gestão de conflitos, análise transaccional e outras disciplinas de capital importância para quem intervém diariamente com grupos.
Não, não vou afirmar que a senhora só fez asneiras, embora tivesse permitido que se misturassem estatutos e não conseguisse resolver um problema que não era apenas um problema com aquela aluna mas, isso sim, um problema de articulação com todo o grupo. Tal não significa, de modo algum, que a atitude da estudante tenha qualquer desculpa e, como tal, não devesse merecer a sanção apropriada.
Apenas uma achega, acerca das estratégias mais convenientes à condução de problemas habituais e inerentes à vida dos grupos, que podem desaguar em situações de conflito se não forem devidamente tratados, em tempo oportuno. Trata-se da necessidade de detecção das lideranças que, naquele caso, se evidenciava com particular acuidade.
Todo o trabalho no sentido de tal despiste é importantíssimo para que, em muitos casos, seja o próprio grupo, através da intervenção dos seus líderes informais, a resolver qualquer comportamento insólito, desviante, que não convém ao grupo deixar passar, libertando o professor para o exercício de uma autoridade, de acordo com o seu estatuto.
Mesmo sem aquilo que costuma designar-se como autoridade natural, mesmo desprovido da autoridade conferida pelo estatuto social de que gozou outrora, o professor só pode estar à altura do desempenho de uma profissão de inegável e ímpar peso social. E o próprio Sistema Educativo dispõe de recursos humanos e materiais que, apesar de não terem sido oportuna e devidamente aproveitados, podem acudir à resolução deste problema da formação dos docentes para uma actividade que, cada vez mais, se desenvolve num território de grande risco.
E, a terminar, não poderei deixar de, mais uma vez, chamar a vossa atenção para a epígrafe que precede este artigo, para a tocante sinceridade da confissão do professor que Sebastião da Gama também foi. E não deixem de ter em consideração as dezenas de milhar de horas de aulas que todos os dias acontecem, durante as quais professores e alunos trabalham, trabalham em bom entendimento, com rendimento.
Não esqueçam que o mais habitual e comum é a normalidade, sem aspas, de aulas capazes, cujo detalhe não alimenta nem a selva do YouTube nem a mórbida avidez de certa comunicação social, escrita e audiovisual, em geral muito mal preparada para tratar assuntos tão complexos, que não se compadecem com artigos cheios de equívocos que mais confundem do que elucidam os cidadãos.
Autoridade e Formação
“(…) Aulas más são as aulas que os rapazes não querem ouvir. Mas então – poderia eu defender-me – que culpa temos nós de os rapazes serem barulhentos, desinquietos e desatentos? É verdade que às vezes a culpa não é nossa: é toda deles, a quem mais apetecia estar na rua que estar na escola. Mas para isso justamente é que serve o bom professor – e o meu drama resulta de que a mim só interessa ser bom professor. Ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estar interessados; a não se lembrarem de que lá fora é melhor. E foi o que eu ontem não consegui. (…)”
25 de Março de 1949
Sebastião da Gama, Diário
Depois de, tão resumidamente, ter referido algumas das questões que devem ser tidas em consideração – se não quisermos incorrer em precipitadas e grosseiras conclusões, quando nos deparamos com cenas análogas às que foram divulgadas no YouTube – gostaria de lembrar quão importante se revela a necessidade de, na Escola, os agentes educativos dominarem a possibilidade de resolução de comportamentos desviantes por parte dos jovens adolescentes que integram os grupos.
Formar para disciplinar
Para tanto, impõe-se que, também de uma vez por todas, os próprios professores, os seus representantes de classe, o Sistema Educativo, em geral, e os decisores políticos assumam a pertinência de concretizar um específico programa de formação, cuja importância nunca foi devidamente enfatizada e reivindicada, em especial – o que não deixa de revestir alguma gravidade – no quadro da aquisição de créditos para promoção na carreira, de acordo com o vigente estatuto da carreira docente.
Se, a respeito do que afirmo houvesse qualquer dúvida, o documento audiovisual que desencadeou estas e quantas mais notas de apreciação, bem atesta que aquela professora é um protótipo. Ela representa muitos milhares de professores – profissionais cuja inequívoca competência na gestão de grupos seria sempre supostamente inquestionável – mas que, provavelmente, jamais tiveram um minuto de competente formação em técnicas de dinâmica de grupos, gestão de conflitos, análise transaccional e outras disciplinas de capital importância para quem intervém diariamente com grupos.
Não, não vou afirmar que a senhora só fez asneiras, embora tivesse permitido que se misturassem estatutos e não conseguisse resolver um problema que não era apenas um problema com aquela aluna mas, isso sim, um problema de articulação com todo o grupo. Tal não significa, de modo algum, que a atitude da estudante tenha qualquer desculpa e, como tal, não devesse merecer a sanção apropriada.
Apenas uma achega, acerca das estratégias mais convenientes à condução de problemas habituais e inerentes à vida dos grupos, que podem desaguar em situações de conflito se não forem devidamente tratados, em tempo oportuno. Trata-se da necessidade de detecção das lideranças que, naquele caso, se evidenciava com particular acuidade.
Todo o trabalho no sentido de tal despiste é importantíssimo para que, em muitos casos, seja o próprio grupo, através da intervenção dos seus líderes informais, a resolver qualquer comportamento insólito, desviante, que não convém ao grupo deixar passar, libertando o professor para o exercício de uma autoridade, de acordo com o seu estatuto.
Mesmo sem aquilo que costuma designar-se como autoridade natural, mesmo desprovido da autoridade conferida pelo estatuto social de que gozou outrora, o professor só pode estar à altura do desempenho de uma profissão de inegável e ímpar peso social. E o próprio Sistema Educativo dispõe de recursos humanos e materiais que, apesar de não terem sido oportuna e devidamente aproveitados, podem acudir à resolução deste problema da formação dos docentes para uma actividade que, cada vez mais, se desenvolve num território de grande risco.
E, a terminar, não poderei deixar de, mais uma vez, chamar a vossa atenção para a epígrafe que precede este artigo, para a tocante sinceridade da confissão do professor que Sebastião da Gama também foi. E não deixem de ter em consideração as dezenas de milhar de horas de aulas que todos os dias acontecem, durante as quais professores e alunos trabalham, trabalham em bom entendimento, com rendimento.
Não esqueçam que o mais habitual e comum é a normalidade, sem aspas, de aulas capazes, cujo detalhe não alimenta nem a selva do YouTube nem a mórbida avidez de certa comunicação social, escrita e audiovisual, em geral muito mal preparada para tratar assuntos tão complexos, que não se compadecem com artigos cheios de equívocos que mais confundem do que elucidam os cidadãos.
Subscrever:
Mensagens (Atom)