Da Música,
usos & abusos
A propósito da proposta de audição de uma peça de Arvo Pärt, que a minha amiga Teresa Botelho de Medeiros colocou no facebook* para partilha com todos os interessados, tive de lhe confessar a minha incapacidade de ouvir a obra à mistura com as imagens do documento audiovisual de que a música era uma das vertentes.
De facto, aquilo que a minha amiga propôs, não foi a partilha de Lamentate, obra musical de Arvo Pärt mas, isso sim, a de uma montagem audiovisual, durante a qual se sucedem fotografias crepusculares e nocturnas da grande metrópole, cuja componente audio é uma peça daquele autor.
Tanto assim é que, na minha modesta opinião, de acordo com a sua específica economia, o documento anunciado, no YouTube, como «Arvo Pärt: Lamentate – Hilliard Ensemble», deveria ter um título totalmente diferente, ou seja, algo como «New York, o som cósmico da metrópole», com a indicação da autoria de Arvo Pärt quanto à música de fundo.
Sujeito-me à avaliação dos demais, nomeadamente à possibilidade de me considerarem muito fundamentalista. Porém, o sofisticadíssimo apuro das propostas musicais, tanto daquele como doutros compositores, é tão absoluto que, na minha cabeça, não admite as conotações que alguém concebeu como imagens obviamente articuláveis.
Com a Música, estar ou não estar…
Aliás, em relação a toda a música substantiva, permito-me repudiar esta e outras atitudes. Por exemplo, algo que, relativamente a este caso, é considerado, digamos, muito mais pacífico, ou seja, a prática de ter de a ouvir a Música como música de fundo, enquanto se lê, como se a música fosse uma arte subsidiária, secundária, apenas muito sugestiva para criar ambiente...
Perante a grande Música, reduzo-me à duplicidade da insignificância e simultânea grandeza da minha condição de destinatário, que o compositor remetente pretendeu atingir. Tento estar com ele tanto quanto me é possível. O autor merece o respeito que me conduz a evitar misturas.
Volto à questão inicial para considerar que, pois claro, coisa bem diferente daquele exemplo de mistura de imagens com música, é aceder à reprodução de um documento audiovisual resultante da gravação da interpretação de determinada peça num auditório.
Naturalmente, não é a mesma coisa do que estar lá, no auditório, partilhando e vivendo o momento em que a música se faz. É que, para todos os efeitos de avaliação, tal documento já está afectado pela perspectiva conceptual do realizador que, de acordo com os objectivos que terá proposto, escolheu registar aquelas e não outras imagens.
É por isso que, apesar de dispor de bons registos, prefiro a frequência dos auditórios, desfazendo-me em despesas, sempre muito contidas, na subscrição das assinaturas que se impuserem. É por isso que, tantas quantas as vezes que a bolsa me permite, lá estou em Salzburg, Bayreuth e noutros santuários, onde tudo é propício ao usufruto da música.
É também por isso – mesmo com o risco de me considerarem bicho do mato – que, igualmente, sempre que possível, evito e me afasto mesmo do convívio social dos malditos intervalos, durante os quais, a menos que esteja devidamente acompanhado, raro é ouvir algo que ultrapasse o nível da baboseira rasteira.
Pela estrada fora…
Percebem, certamente, a ideia que pretendo partilhar convosco. Contudo, para que não fique uma dúvida, ainda darei mais um exemplo. Eu só posso e quero ouvir, em perfeito exclusivo – como, efectivamente, merecem – o Miserere de Pärt, o Ave Verum Corpus de Mozart, o Parsifal de Wagner, o Falstaf de Verdi, ou a Missa em Si de Bach, tal como não posso deixar de gozar, em perfeito exclusivo, a leitura das páginas de Guerra e Paz de Tolstoi, ou beneficiar do David, na Accademia de Florença ou do Genesis do tecto da Capela Sistina, em Roma, ambas de MichelAngelo.
Tal não significa que, conduzindo o automóvel, não ouça os CD que me apetece ou a música, nomeadamente erudita, transmitida pelos postos de rádio nacionais e estrangeiros. Quando o faço, e faço-o sempre que conduzo, assumo perfeitamente tratar-se de uma audição outra.
Embora, na sua essência, a Música continue a mesma, sempre e, portanto, também na altura em que conduzo, apesar de aquela Música me gratificar, a esmagadora maioria das minhas capacidades essenciais está projectada na condução e, apenas em percentagem residual, muito secundariamente, na Arte que me chega aos ouvidos.
Pela estrada fora, o que eu faço é menorizar, apoucar a peça de Arte que ali se faz ouvir, passando-lhe um estatuto que não merece. É tão simples quanto isto e as coisas devem ser chamadas pelos seus nomes…
*Portanto, de acordo com os elementos que forneço, o melhor será consultarem o documento no Youtube.
[sempre de acordo com a antiga ortografia]
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Se fosse só na Madeira...
Normalmente, no regime de Estado Democrático de Direito onde a Democracia é apenas formal, como, manifestamente, acontece em Portugal, sem participação cívica, sem controlo efectivo dos cidadãos, o terreno é fértil para que se sucedam fenómenos de caciquismo, nepotismo e corrupção.
Como tudo se passa com o recurso aos mecanismos democráticos, a situação é paradoxal e perversa. Naturalmente, quanto mais baixos forem os índices da Educação, quanto menores forem os consumos culturais, pois tanto mais preocupante será a situação a nível local, regional e nacional. Tão simples como isto e sem qualquer margem para equívoco.
Enquanto não melhorarem os índices socioeconómicos, a única esperança que resta - aliás, coisa que deveria sempre acontecer, fosse qual fosse o estado de desenvolvimento da população - é que os decisores políticos exerçam, sem tibiezas, de facto e de jure, a autoridade democrática de que estão investidos.
Se bem entendem, este é o factor determinante que, sistematicamente, tem falhado entre nós. Por um lado, a nível central, os sucessivos Governos, por outro, localmente, na esfera autárquica, a autoridade democrática ou não se exerce ou se exerce suscitando e favorecendo a cultura do desleixo.
Parece que os cidadãos eleitos confundem e/ou receiam que a sua actuação, na gestão da coisa pública - afinal, o tal exercício da autoridade democrática que corta a direito, na defesa do interesse geral - seja entendida com o autoritarismo, de memória ainda tão recente, dos tempos da ditadura. Ou seja, por palavras, actos e omissões, eleitos e eleitores, estão bem uns para os outros...
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Mentecapto?
- obviamente…
Na penúltima edição de O Eixo do Mal do canal televisivo Sic Notícias, mais precisamente, em 17 do corrente, Clara Ferreira Alves, chamando os bois pelos nomes, classificou António José Seguro como mentecapto. Aqui-del-rei! A Sic até o adjectivo substituiu por um conveniente(?!) piiiii… Claro que concordo com a Clara. Neste episódio, aliás, a sempre clarividente Clara apenas confirmou uma ideia que tem veiculado com toda a pertinência. De facto, o actual Secretário-Geral do Partido Socialista é o acabado protótipo daquilo que ela afirmou.
O rei vai nu? Não. Nem sequer disso se trata. Se tal fosse o caso, durante um determinado período, António José Seguro teria andado a enganar os cidadãos, escondendo a sua real falta de gabarito ou, eventualmente, dando a entender ou fazendo-se passar por aquilo que, efectivamente, não é. António José Seguro nunca enganou fosse quem fosse. Na realidade, ele é o deserto, a secura, a ausência de qualquer ideia promissora da mudança de paradigma que cumpre adoptar para promover a esperança num futuro melhor.
Quem me tem acompanhado durante estes anos de partilha de escrita, tanto neste suporte informático como na imprensa regional, sabe que António José Seguro nunca me enganou. Para não vos incomodar com mais referências, apenas me socorrerei de Obviamente, sejam eleitos, texto aqui publicado em 17 de Junho deste ano, do qual destacarei os seguintes excertos:
“(…) Provindo de cinzentas paragens, sabiamente e com florentinas pinças gerindo seus tempo e espaço, eis que, impoluto, surge António José que até Seguro tem o nome propício aos mais infantis e óbvios trocadilhos. O saldo de Sócrates, no partido e no país, é tão negativo que difícil não é ser substituído por quem não conheço um rasgo, uma centelha, uma ideia. Nem sequer uma peregrina ideia, por onde pegar. É a aposta no óbvio. Tudo neste sujeito é óbvio, fastidiosa, tendencial e intencionalmente óbvio. (…)
Nunca pensei que um óbvio sentimento de orfandade pudesse afectar tantos socialistas – ou, melhor, tantos militantes do Partido Socialista, o que não é bem a mesma coisa... – ao ponto de, tão manifestamente, se envolverem numa aventura em que não há ponta de carisma, onde nem há palavras nem obras. Que mistério é este, que deserto, que miragem? Será que, no Largo do Rato, uma série de boas cabeças aceitam encolherem-se, autorizando o contento da maioria com esta indigência? (…)
Entretanto, numa estratégica e sábia reserva, as boas cabeças esperam pelo momento de aparecerem. Compreensivelmente, trata-se de uma elite que recusa partilhar o poder com os folclóricos pacóvios que vão proliferando como cogumelos. Ora bem, é neste túnel de desmedida e negra ignorância que, por enquanto, vamos esperando a luz que, fatalmente, surgirá. Por enquanto, ainda é o tempo dos Seguro e Passos Coelho. Obviamente, pois que sejam eleitos! Um dia destes, obviamente, serão demitidos… “
Entretanto, como seria de esperar, os dois ilustres políticos foram eleitos. Em tão pouco tempo, já podemos extrair conclusões resultantes do modo como estes sujeitos têm exercido as funções que assumiram. Se, com todas as suas limitações, P. P. Coelho tem crescido no que não pode deixar de fazer, determinado pelo quadro dos compromissos que apertam o país – pelo que surpreende pela positiva – já A. J. Seguro mais não faz do que confirmar até que ponto aquele piiii é sintomático...
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
No Palácio Valenças,
Educação metropolitana
No passado dia 21, no Palácio Valenças, na minha qualidade de sindicalista*, participei numa reunião da Comissão Permanente de Educação, Cultura, Desporto, Juventude, Ciência e Tecnologia da Assembleia Metropolitana de Lisboa, cujo objectivo era a análise dos problemas relacionados com as atribuições próprias da Área Metropolitana de Lisboa em relação ao domínio da Educação e sua importância para o desenvolvimento da região.
Entre outras, foram abordadas questões relacionadas com o reordenamento da rede escolar e a transferência de competências do Ministério da Educação para as autarquias, em especial, no que concerne a gestão do pessoal do apoio educativo, assunto que acabou por dominar uma boa parte do tempo de intervenção dos participantes, entre os quais se contavam vereadores da Educação, deputados municipais, sindicalistas da FNE e da FENPROF, representantes da Direcção Regional da Educação de Lisboa e Presidente do Conselho de Escolas.
Acontece que, neste momento de início do ano escolar, perante a manifesta falta de preenchimento de vagas de pessoal de apoio educativo, nomeadamente, de assistentes operacionais, as escolas estão a recrutar pessoal indiferenciado, recorrendo aos desempregados inscritos nos centros de emprego, como, aliás, determina a legislação vigente. Em princípio, haveria alguém que pusesse em questão uma hipótese de recrutamento que até poderia solucionar problemas de excesso de oferta de emprego?
Pois, a verdade é que, tão sumariamente descrito, o que parece perfeitamente pacífico, deixa de o ser quando se consciencializa que, a estes trabalhadores da Educação, está confiado um sofisticado conjunto de competências que, fora das salas de aula, passa pela gestão de conflitos e exigência do cumprimento da disciplina, além da segurança de pessoas e bens. Hoje em dia, de modo algum, pode prevalecer a ideia de que este continua a ser o pessoal menor, da limpeza das instalações e pouco mais.
Tendo-se evidenciado uma franca, viva e muito participada troca de impressões, apraz registar como o município de Sintra, representado pelo Vice-Presidente e Vereador da Educação, Dr. Marco Almeida, tem assumido boas práticas de articulação, por um lado, com as comunidades escolares e, por outro, com as comunidades educativas. Quem me conhece como munícipe que se pauta por intervenções cívicas responsáveis , acreditará que, ao subscrever estas palavras, conheço o testemunho de muitos membros dos sindicatos que represento cuja opinião é, na realidade, muito positiva, mesmo quando comparada com a das melhores práticas da Área Metropolitana de Lisboa.
Esta reunião contou ainda com uma intervenção do Senhor Presidente da Câmara que, de surpresa, nos quis acolher, também como colega professor. As suas palavras, nas críticas circunstâncias actuais, tanto a nível nacional como europeu, não poderiam ter sido mais lúcidas e certeiras. Lembrou o Prof. Fernando Seara que, num concelho que é tão diversificado e compósito, em termos das comunidades de origem dos alunos que frequentam os estabelecimentos de educação e de ensino, é possível que tenhamos de começar a pensar em negociar, com os países de origem, modalidades sui generis de envolvimento e partilha no financiamento de algumas actividades.
A exemplo do que tive oportunidade de propor e partilhar, no que respeita à questão da limpeza nas escolas – domínio em que, também os professores e alunos, devem ser envolvidos e responsabilizados, tal como acontece nos sistemas educativos de vários países da União Europeia – considero ser da máxima importância que estejamos abertos a todas as mudanças de paradigma que se impuserem, sejam elas de carácter financeiro, pedagógico, administrativo, comportamental, etc, já que muitas soluções do passado dificilmente poderão ser replicadas no futuro.
*Ex presidente da FNE/UGT. Actualmente, Secretário Nacional da FNE e Vice-Presidente do STAAE, Sul e Regiões Autónomas, em representação dos Técnicos Superiores, Técnicos, Administrativos e Assistentes Técnicos e Operacionais.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Duzentos e quarenta anos depois...
Em Milão, no dia 23 de Setembro de 1771, apenas com quinze anos de idade, Amadé completava a Serenata Dramatica que designou como Festa Teatrale, com libretto de Giuseppe Parini "Ascanio in Alba"*. Naquele dia também se iniciou o ensaio do primeiro recitativo.
Passados duzentos e quarenta anos, para assinalar a data, proponho que ouçamos a ária Cara, lontano ancora que tive o privilégio de ouvir, interpretada por este mesmo contratenor, Phillippe Jaroussky, este ano, num extra a um seu recital em Salzburg. É uma autêntica festa do canto lírico. Este homem é uma benção!
E, mais uma vez fica o aviso: por favor, não esqueçam que Jaroussky estará na Gulbenkian, no dia 14 de Novembro de 2011, com o Appolo's Fire Ensemble, sob a direcção da maestrina Jeanette Sorell, com um repertório de peças de Vivaldi e Händel.
*Para aceder reprodução da peça (do YouTube) basta pressionar sobre o título.
PS: sugestão de audição também proposta na minha página do facebook.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Madeira,
caso de polícia
A única e mais adequada classificação que encontro para o designado buraco das contas da Madeira – neste momento, de mil e seiscentos milhões de Euros, que parece poder aumentar substancialmente – é a de caso de polícia. É mesmo a única hipótese de tentar refrear e, de uma vez por todas, acabar com qualquer veleidade que esse senhor ainda mantenha de permanecer no poder, numa terra de cegos em que tudo fez para poder ser rei.
Bem vistas as coisas, aquele adágio popular até nem convirá a esta figura de truão. Muito mais a propósito, dir-se-ia que, isso sim, poderia ser o presidente de uma autêntica república de bananas – e a Madeira até as tem, bem saborosas embora pequeninas!... – se tivéssemos a sorte de que, finalmente, tão perniciosa personagem liderasse o tal movimento independentista insular, a ideia com que tem chantageado a medíocre classe política portuguesa do contnente, sem que, sintomaticamente, jamais alguém o tivesse posto no seu devido lugar.
Estamos perante um caso de polícia. Como decisor e gestor político, permitiu-se não só guardar mas também, verdadeiramente, sonegar informações absolutamente fulcrais e vitais para a República no seu todo. Jardim encheu o seu armário com tantos esqueletos que o transformou em incontida caixa de Pandora. Num dos momentos de maior aflição nacional, quando, goste-se ou não do modus faciendi, o país esbraceja por todo o lado, tentando dar a entender que actua com seriedade, eis que se solta a mentira e todo o mal escondido na caixa…
Perante tão lamentável e tremendo episódio, de acordo com o qual é todo um país que fica em causa, perdendo a face e o crédito, tanto a nível nacional como internacional, ainda é possível a actuação do Primeiro Ministro, Presidente da República, Parlamento, órgãos de soberania que não podem deixar de dizer ao povo que as instituições funcionam no Estado Democrático de Direito que reclamamos ser o nosso.
Quero eu dizer que, pelo menos, poderiam transmitir a todo uma população escandalizada que, apesar da sua vontade, não é possível impedir o indivíduo de se apresentar a sufrágio regional. Claro que conheço a Lei, conheço o caso do Isaltino… Mas, de todo em todo, em trabalho de bastidores, não é possível fazê-lo desistir, dando a entender ao país que lhe foi sugerida a óbvia demissão?
Imperioso se revela demonstrar publicamente que os interesses do PSD não se sobrepõem aos do país. É preciso dar sinais e satisfações a quem está a sofrer o que não deve e a arcar com as consequências de um desgoverno inaudito protagonizado por uma figura inclassificável.
PS:
Eis a transcrição da resposta que remeti a um comentário, sobre este mesmo texto, publicado na minha página do facebook:
" Ignorância! Primeiramente a ignorância descarada em que esse cacique ordinário tem apostado manter as populações madeirenses. O epifenómeno Jardim , meu caro LMCL, não tem nada de particularmente especial. Caciquismo, por um lado, a componente de demagogia barata, por outro, uma capacidade histriónica adequada aos 'grunhos' votantes, a democracia pervertida por todos estes ingredientes aos quais ainda se junta uma estratégia de chantagista, ameaçando a possibilidade de independentizar a ilha.
Tudo isto já teria sido devidamente desmascarado se, ao longo de mais de trinta anos, este senhor tivesse encontrado, entre os detentores dos órgãos de soberania da República, alguém que tivesse sabido pô-lo no devido lugar. Lá na ilha, a ignorância, e aqui, no continente, a falta de coragem para o exercício da autoridade democrática foram elementos bastantes para criarem esta situação tão constrangedora.
Deixaram que um paranóico, mitómano, esbanjador, se mantivesse incólume à frente de um governo, em roda livre, sem qualquer evidência de controlo democrático. Tem sido tratado como legítimo representante de um povo livre, que nele tem sucessivamente votado quando, afinal - e como tantos de nós ainda não nos cansámos de evidenciar - não passa de um truão. Teve artes de ridicularizar os poucos adversários que se lhe opuseram como o Padre Martins do Machico.
Quem se lhe opôs, aliás, mais não fez do que armar-se em Don Quichote, num terreno minado como aquele. Como nunca me abandona uma réstea de optimismo e crença na possibilidade de a verdade acabar por vir à luz do dia, creio que, desta vez, é capaz de acontecer qualquer coisa que modifique o quadro que tem vigorado. Enfim, veremos.
Sábado,18.09.2011, às 21:13"
sábado, 17 de setembro de 2011
Rafael Marques,
coragem na primeira pessoa
Assisti ontem à noite a uma entrevista que Rafael Marques, jornalista angolano, concedeu a Mário Crespo a propósito do seu livro Diamantes de Sangue que ainda não li. Fiquei impressionadíssimo com a coragem, o desassombro deste homem que, sem papas na língua, denunciou, com todas as letras, os nomes dos grandes agentes da corrupção em Angola.
Não é que eu já não soubesse... Claro que sabia. O que me espantou foi a nobreza do carácter de quem, placidamente, deu mostras de tanta determinação na luta de denúncia que emprendeu, naturalmente, com tanto perigo para a sua própria segurança. Infelizmente, sabemos como, naquelas latitudes da corrupção institucionalizada, estes assomos de coragem costumam acabar, ou seja, com o denunciante arrumado em qualquer rua ou beco.
O mínimo que podemos fazer é ler esta obra. Daqui a pouco, vou passar pelo meu livreiro. E querem saber? Pois confirmem na minha página do facebook que até já tenho uma encomenda a enviar para Münster...
coragem na primeira pessoa
Assisti ontem à noite a uma entrevista que Rafael Marques, jornalista angolano, concedeu a Mário Crespo a propósito do seu livro Diamantes de Sangue que ainda não li. Fiquei impressionadíssimo com a coragem, o desassombro deste homem que, sem papas na língua, denunciou, com todas as letras, os nomes dos grandes agentes da corrupção em Angola.
Não é que eu já não soubesse... Claro que sabia. O que me espantou foi a nobreza do carácter de quem, placidamente, deu mostras de tanta determinação na luta de denúncia que emprendeu, naturalmente, com tanto perigo para a sua própria segurança. Infelizmente, sabemos como, naquelas latitudes da corrupção institucionalizada, estes assomos de coragem costumam acabar, ou seja, com o denunciante arrumado em qualquer rua ou beco.
O mínimo que podemos fazer é ler esta obra. Daqui a pouco, vou passar pelo meu livreiro. E querem saber? Pois confirmem na minha página do facebook que até já tenho uma encomenda a enviar para Münster...
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Karita Mattila,
na Gulbenkian
A cantora Karita Mattila, soprano, e o pianista Martin Katz, apresentarão, já no próximo sábado, pelas 19,00h, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, o seguinte programa:
-Alban Berg
Sieben frühe Lieder
- Johannes Brahms
Mein Liebe ist grün, op. 63 no.5
Wiegenlied, op. 49 no. 4
Von ewiger Liebe, op. 43 no.1
Vergebliches Ständchen, op. 84 no.4
-Claude Debussy
Harmonie du soir
Le jet déau
Recueillement
-Richard Strauss
Der Stern, op. 69 no.1
Wiegenlied, op. 41 no.1
Allerseelen, op.10 no. 8
Frühlingsfeier, op. 56 no.5
Eis o que Kate Molleson escreve no jornal Guardian acerca de um programa muito semelhante ao que será apresentado na rentrée da temporada Gulbenkian Música, na data supra. Passo a transcrever:
"Malcolm Martineau ao piano nunca esteve melhor como acompanhante de superlativos, mas não restou qualquer dúvida de quem estava bem ao centro do palco neste recital. Tanto pela sua personalidade como pela sua voz, a soprano finlandesa Karita Mattila sagrou-se como grande dame do palco de concertos. Trazia um vestido justíssimo em azul-marinho na primeira metade, e outro vestido branco não menos justo na segunda metade, o cabelo arranjado ao alto num bouffant platinado. Teve a plateia verdadeiramente na palma da mão.
Agora nos seus cinquentas, a voz de Karita Mattila destaca-se por uma maturidade sedutora e macia, com acentos harmoniosos, matizes de seda e um legato extremamente suave. Emana o calor telúrico de um mezzosoprano, mas com um registo superior que continua poderoso. O seu hábito de sombrear as notas por baixo manteve-se a um palmo da monotonia e vincou a palete sombria. O que foi absolutamente notável foi a sua capacidade de dar forma a frases infindáveis: demonstrou um espantoso controlo da respiração.
O repertório estava escolhido a dedo para dar relevo a estas qualidades: só duas das dezassete canções eram rápidas. As expressivas Seven Early Songs [trad. do alemão, Sieben frühe Lieder]de Berg e quatro Lieder de Brahms foram seguidas pelas adaptações de Baudelaire de Debussy (sendo que o facto de o seu francês soar igual ao seu alemão não trouxe qualquer prejuízo à sua prestação), cinco do seu compatriota Sibelius e quatro de Strauss.
Houve algumas reminiscências das prestações operáticas de Karita Mattila – foi o caso da amante ébria no Vergebliches Ständchen de Brahms e da sua interpretação insinuante da peça Spring Passes Swiftly de Sibelius. Na Frühlingsfeier de Strauss, com as suas imprecações elementares a Adonis, ela desencadeou a temível energia que torna tão arrebatadoras as suas interpretações de Electra e Salomé.
No final, deixou-se cair para o chão num gesto grandioso de exaustão e, nesse processo, acabou por fazer saltar uma grande jóia do seu anel. Debruçou-se graciosamente para a recuperar e com um piscar de olho fê-la cair no seu decote. Atitude que apenas as divas mais seguras de si se podem permitir.
Ainda acerca do próximo recital:
«A minha profissão é como o golf: se não tiver aprendido o valor da repetição, não se consegue sentir fascinação pelo jogo. O sucesso não o torna mais fácil: a natureza do 'performer' é nunca ser suficientemente bom.» A finlandesa Karita Mattila regressa a Lisboa para dar voz a um exigente programa de canções. «Os bons compositores são aqueles que deixam aos artistas um certo grau de liberdade. Por outras palavras, deixam as portas abertas», disse ela. [transcrição da nota constante do Programa geral da temporada Gulbenkian 2011/2012].
Vai começar a temporada desta casa a quem tanto devo. O programa, como sempre, é estupendo ou não fosse a Gulbenkian uma das entidades que, a nível mundial, programa e promove da melhor música. O preço dos bilhetes, em relação à categoria das propostas, é perfeitamente ridículo. Não ir à Gulbenkian, durante a temporada, é um escândalo! Vão por mim...
PS: Na minha página do facebook, o mesmo texto e um video com a interpretação de Lieder de Richard Strauss por Karita Mattila.
na Gulbenkian
A cantora Karita Mattila, soprano, e o pianista Martin Katz, apresentarão, já no próximo sábado, pelas 19,00h, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, o seguinte programa:
-Alban Berg
Sieben frühe Lieder
- Johannes Brahms
Mein Liebe ist grün, op. 63 no.5
Wiegenlied, op. 49 no. 4
Von ewiger Liebe, op. 43 no.1
Vergebliches Ständchen, op. 84 no.4
-Claude Debussy
Harmonie du soir
Le jet déau
Recueillement
-Richard Strauss
Der Stern, op. 69 no.1
Wiegenlied, op. 41 no.1
Allerseelen, op.10 no. 8
Frühlingsfeier, op. 56 no.5
Eis o que Kate Molleson escreve no jornal Guardian acerca de um programa muito semelhante ao que será apresentado na rentrée da temporada Gulbenkian Música, na data supra. Passo a transcrever:
"Malcolm Martineau ao piano nunca esteve melhor como acompanhante de superlativos, mas não restou qualquer dúvida de quem estava bem ao centro do palco neste recital. Tanto pela sua personalidade como pela sua voz, a soprano finlandesa Karita Mattila sagrou-se como grande dame do palco de concertos. Trazia um vestido justíssimo em azul-marinho na primeira metade, e outro vestido branco não menos justo na segunda metade, o cabelo arranjado ao alto num bouffant platinado. Teve a plateia verdadeiramente na palma da mão.
Agora nos seus cinquentas, a voz de Karita Mattila destaca-se por uma maturidade sedutora e macia, com acentos harmoniosos, matizes de seda e um legato extremamente suave. Emana o calor telúrico de um mezzosoprano, mas com um registo superior que continua poderoso. O seu hábito de sombrear as notas por baixo manteve-se a um palmo da monotonia e vincou a palete sombria. O que foi absolutamente notável foi a sua capacidade de dar forma a frases infindáveis: demonstrou um espantoso controlo da respiração.
O repertório estava escolhido a dedo para dar relevo a estas qualidades: só duas das dezassete canções eram rápidas. As expressivas Seven Early Songs [trad. do alemão, Sieben frühe Lieder]de Berg e quatro Lieder de Brahms foram seguidas pelas adaptações de Baudelaire de Debussy (sendo que o facto de o seu francês soar igual ao seu alemão não trouxe qualquer prejuízo à sua prestação), cinco do seu compatriota Sibelius e quatro de Strauss.
Houve algumas reminiscências das prestações operáticas de Karita Mattila – foi o caso da amante ébria no Vergebliches Ständchen de Brahms e da sua interpretação insinuante da peça Spring Passes Swiftly de Sibelius. Na Frühlingsfeier de Strauss, com as suas imprecações elementares a Adonis, ela desencadeou a temível energia que torna tão arrebatadoras as suas interpretações de Electra e Salomé.
No final, deixou-se cair para o chão num gesto grandioso de exaustão e, nesse processo, acabou por fazer saltar uma grande jóia do seu anel. Debruçou-se graciosamente para a recuperar e com um piscar de olho fê-la cair no seu decote. Atitude que apenas as divas mais seguras de si se podem permitir.
Ainda acerca do próximo recital:
«A minha profissão é como o golf: se não tiver aprendido o valor da repetição, não se consegue sentir fascinação pelo jogo. O sucesso não o torna mais fácil: a natureza do 'performer' é nunca ser suficientemente bom.» A finlandesa Karita Mattila regressa a Lisboa para dar voz a um exigente programa de canções. «Os bons compositores são aqueles que deixam aos artistas um certo grau de liberdade. Por outras palavras, deixam as portas abertas», disse ela. [transcrição da nota constante do Programa geral da temporada Gulbenkian 2011/2012].
Vai começar a temporada desta casa a quem tanto devo. O programa, como sempre, é estupendo ou não fosse a Gulbenkian uma das entidades que, a nível mundial, programa e promove da melhor música. O preço dos bilhetes, em relação à categoria das propostas, é perfeitamente ridículo. Não ir à Gulbenkian, durante a temporada, é um escândalo! Vão por mim...
PS: Na minha página do facebook, o mesmo texto e um video com a interpretação de Lieder de Richard Strauss por Karita Mattila.
domingo, 11 de setembro de 2011
Um outro 11 de Setembro
Em 11 de Setembro de 1790, Emmanuel Schikaneder – como sabem, Irmão Maçon de Mozart, empresário e também autor do libretto de “Die Zauberflöte”, que estrearia um ano mais tarde – tinha em cena a sua ópera “Der Stein der Weise” ou, também, noutra conhecida designação, “Die Zauberinsel”, no Freihaustheater auf der Wieden em Viena.
Acontecia, com bastante frequência, que determinada ópera de um compositor acolhesse uma Ária composta por outro e, como seria de prever, Mozart não escapou a essa prática, contando-se oito peças que compôs em tais circunstâncias. Embora não esteja autenticada, nem WAM a tenha inserido no seu próprio catálogo manuscrito, tudo leva a crer que o dueto, em Re Maior, inscrito no catálogo Köchel como K 625 (k.6.592a) Nun liebes Weibschen, ziehst mit mir, para soprano, barítono e orquestra é, de facto, obra de Mozart.
Independentemente da controvérsia suscitada pelo crítico e musicólogo Alfred Einstein, que põe em causa a atribuição da autoria a WAM, parece-me muito interessante poderem aceder à peça, uma autêntica gracinha. Aí fica a referência do documento. Eis uma diferente maneira de lembrar uma data, outro 11 de Setembro.
http://youtu.be/RrmLDMYQZu4
PS: Devido a qualquer problema de ordem técnica não consegui proporcionar-vos a gravação que, na minha página do facebook (João de Oliveira Cachado) está disponível.
Em 11 de Setembro de 1790, Emmanuel Schikaneder – como sabem, Irmão Maçon de Mozart, empresário e também autor do libretto de “Die Zauberflöte”, que estrearia um ano mais tarde – tinha em cena a sua ópera “Der Stein der Weise” ou, também, noutra conhecida designação, “Die Zauberinsel”, no Freihaustheater auf der Wieden em Viena.
Acontecia, com bastante frequência, que determinada ópera de um compositor acolhesse uma Ária composta por outro e, como seria de prever, Mozart não escapou a essa prática, contando-se oito peças que compôs em tais circunstâncias. Embora não esteja autenticada, nem WAM a tenha inserido no seu próprio catálogo manuscrito, tudo leva a crer que o dueto, em Re Maior, inscrito no catálogo Köchel como K 625 (k.6.592a) Nun liebes Weibschen, ziehst mit mir, para soprano, barítono e orquestra é, de facto, obra de Mozart.
Independentemente da controvérsia suscitada pelo crítico e musicólogo Alfred Einstein, que põe em causa a atribuição da autoria a WAM, parece-me muito interessante poderem aceder à peça, uma autêntica gracinha. Aí fica a referência do documento. Eis uma diferente maneira de lembrar uma data, outro 11 de Setembro.
http://youtu.be/RrmLDMYQZu4
PS: Devido a qualquer problema de ordem técnica não consegui proporcionar-vos a gravação que, na minha página do facebook (João de Oliveira Cachado) está disponível.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Padre Manuel Antunes,
o portento
No passado domingo, na última edição do programa Ponto Contraponto, do canal televisivo Sic Notícias, José Pacheco Pereira chamou a atenção para um curso, sobre a Grécia Antiga, ministrado pelo historiador americano, Prof. Donald Kagan, da Universidade de Yale. E, para o efeito, passou um excerto da aula de introdução em que o académico fala sobre os motivos pelos quais é suposto que o cidadão comum se interesse pelos antigos gregos, não só em função dos imensos contributos para a Civilização Ocidental, por exemplo, no domínio da Ciência, Direito e Política, mas também devido à sua concepção única da Humanidade.
Adiantou mais uma ou outra generalidade e, santo Deus, tudo aquilo me soube imenso a muito pouco… Imediatamente, a minha mulher, que comigo assistia, me tirou da boca as palavras que eu estava prestes a dizer: ”Coitado do Pacheco Pereira, não teve a nossa sorte…” Lembrava as «nossas» aulas de História da Cultura Clássica, em 1965, na Faculdade de Letras de Lisboa, comparando com aquela amostra da prestação de Kagan. Que diferença entre estas quase banalidades do professor americano e o rigor, a profundidade científica das extraordinárias lições do Padre Manuel Antunes!
Felizmente há centenas de jovens da nossa geração, muitos e conhecidos intelectuais, artistas e homens de letras, tal como nós, também seus antigos alunos, que podem e têm dado testemunho inequívoco do altíssimo gabarito de Manuel Antunes, por muitos considerado o maior erudito e intelectual português do século vinte. Assim sendo, se a minha opinião por alguma coisa peca, é por manifesto defeito.
Bem imagino que opinião seria a do exigentíssimo Manuel Antunes acerca da wikipedia, essa bíblia da informação mastigada, qual espécie de Reader’s Digest... No entanto, sabendo que a maioria dos leitores não dispensa este fácil recurso, cometo o sacrilégio de aconselhar a consulta. Lá irão encontrar dois curiosos depoimentos de dois queridos e saudosos companheiros, Eduardo Prado Coelho e João Bénard da Costa, que vale a pena ter em consideração acerca da personalidade de Manuel Antunes.
Permitir-me-ia deixar um conselho a José Pacheco Pereira e a quem estiver interessado no estudo da herança grega, em particular, e dos clássicos, em geral. A Fundação Calouste Gulbenkian (Serviço de Educação e Bolsas) publica a Obra Completa do Padre Manuel Antunes. No Tomo I, Volume II, Parte I, pode aceder-se à famosa Sebenta da História da Cultura Clássica, numa Edição Crítica extremamente escrupulosa cuja coordenação científica foi confiada ao Prof. Doutor Arnaldo Espírito Santo.
Trata-se de obra absolutamente fundamental, lições de uma Academia que só está acessível por esta via, em que cada página é o deslumbramento perante a concretizada ideia de que o conhecimento é o maior bem. Se quiserem acreditar na humilde opinião de um aluno, eternamente grato pelo privilégio que foi o seu, pois fiquem com a certeza de Manuel Antunes ser o paradigma do professor que, constantemente, desafia os talentos de cada um, arruma, sistematiza conceitos, para abrir todas as portas possíveis. Um espanto, uma surpresa, ainda hoje, quase cinquenta anos depois…
Finalmente, ainda mais uma nota que não deixa de ser outro conselho. Interessem-se pelas actividades do Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes. Verão como tenho razão em vo-lo aconselhar.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
O meu francês
e as outras línguas
Há alguns minutos, numa reportagem televisiva captada em Vilar de Perdizes, por ocasião da Feira de Medicinas Alternativas, ouvi o testemunho de um médico francês que ali se tinha deslocado, integrado num grupo de mais cinco colegas seus compatriotas. Para a economia deste texto, nada interessa o que disse o homem mas, isso sim, o facto de se ter expressado não no seu idioma natal mas em Inglês.
É provável que o fizesse porque, naturalmente, terá sido interpelado em Inglês. Na realidade, hoje em dia, é muito raro que jovens trabalhadores da comunicação social * saibam qualquer coisinha de francês. Apenas constato o facto. Como filólogo, professor e técnico de Educação, tenho obrigação de saber que motivos estão a montante deste fenómeno, tanto a nível nacional como mundial, mas isso é matéria para outro fórum.
Quanto à língua francesa, o que não posso deixar de lembrar é a diferença em relação ao quadro em que nasci e cresci. Em casa dos meus pais, por exemplo, os grandes clássicos da cultura europeia, bem como uma boa parte da biblioteca eram, invariavelmente, em francês. E, se assim acontecia, era porque o francês, para todos os efeitos, funcionava como segunda língua.
E, de tal modo assim foi que, a partir dos treze, quatorze anos, eu li em francês, Guerra e Paz, A la Recherche du Temps Perdu, Don Quichote, Werther, Montanha Mágica, entre muitas outras obras, sem qualquer problema. Tolstoi, Proust, Cervantes, Goethe, Mann, são autores que, desde a adolescência, muito naturalmente, me habituei a amar, em francês. Contudo, de modo algum, o meu caso foi especial.
No meu tempo, aos dez anos, à entrada no Liceu, os miúdos das famílias burguesas falavam fluentemente o francês. Em muitas casas havia a mademoiselle que iniciava os meninos na língua francesa. Na nossa, muito antes de aprendermos a ler e a escrever em português, passámos a ter um professor de francês, coisa nada habitual.
Tão bizarra circunstância, aliava o facto de o senhor ser mariquinhas. O Sérgio Monteiro – licenciado em Românicas, professor de instrução primária por opção, sujeito muito conhecido em Belém, geralmente considerado um bom pedagogo – era amigo pessoal e de longa data da casa dos meus avós e daí que se tivesse tornado na nossa mademoiselle.
A propósito, como esquecer que uma das minhas irmãs, muito pequena, nos seus quatro anos, tivesse tentado gozar com os modos efeminados do Sérgio? E como o meu pai lhe chamou a atenção dizendo que o Sérgio era um amigo da família, mariquinhas, sim senhor, o que não significava que admitisse que a menina fizesse pouco dele. E falou tão a sério que a mana nunca mais repetiu a gracinha de imitar o gesto amaricado com que, por exemplo, o Sérgio acompanhava o la chambre a coucher…
Para os meus pais, falar e escrever várias línguas, o melhor possível, sempre em articulação com a cultura dos respectivos países, era um objectivo maior da educação dos filhos. Além do ensino, mais ou menos formal, em família e na escola, também beneficiei da disponibilidade de outras famílias como, por exemplo, acontecia em tempo de férias, em São Martinho do Porto, no convívio com os Sommer de Andrade que tinham fraulein permanente.
Não é de admirar que, por volta dos quinze anos, quase naturalmente, também por via da minha opção pela Filologia Germânica, não só tivesse progredido no domínio do inglês e do alemão, mas também do latim, do castelhano e do italiano. De qualquer modo, o francês já se tinha insinuado e instalado como matriz, grelha profunda que determinava e permitia o acesso a outros saberes.
Tanto assim aconteceu que os próprios estudos avançados de Inglês, em especial quanto ao Inglês na América, os fiz com base em material didáctico francês, como se fosse um jovem estudante francês de 1ère ou classes terminales, nomeadamente, recorrendo ao La Vie en Amérique, dos Prof. P. M. Richard e Wendy Hall, dos Classiques Hachette.
E, já na Faculdade de Letras, no terceiro ano do curso, em Literatura Alemã II, todo o meu Chamisso de Peter Schlemihls Wundersame Geschichte, o Lessing, de Nathan Der Weise, ou Die Erziehung des Menschengeschlechts, o Hebbel de Gyges und sein Ring, o Novalis de Kleine Schriften, ou o Fichte de todos os discursos à nação alemã e uma boa quantidade de outros autores e obras se me tornaram bem mais acessíveis, através das Éditions Montaigne da Aubier, na Collection Bilingue (francês/alemão), que sempre ajudavam quando qualquer dificuldade maior se interpunha no original alemão.
Tendo em consideração toda esta experiência de contacto tão intenso com um idioma ao qual estou tão indissociavelmente ligado e tanto devo, ao ponto de se ter confundido com a minha própria língua-mãe, não será difícil de entender como é algo estranho ouvir um cidadão, cuja língua materna ainda dominava o mundo, há cerca de meio século, obrigado a estas constantes cenas de expressão noutra língua que, entretanto, se tornou hegemónica. Sic transit gloria mundi…
________________________
*Poderia ter usado o termo jornalista? Pois podia. Mas, que querem os leitores, não é que, cada vez mais, tenho maior dificuldade em fazê-lo quando o quadro de referência é, não o da nobre actividade jornalística mas este em que não passam de jovens trabalhadores da comunicação social?
e as outras línguas
Há alguns minutos, numa reportagem televisiva captada em Vilar de Perdizes, por ocasião da Feira de Medicinas Alternativas, ouvi o testemunho de um médico francês que ali se tinha deslocado, integrado num grupo de mais cinco colegas seus compatriotas. Para a economia deste texto, nada interessa o que disse o homem mas, isso sim, o facto de se ter expressado não no seu idioma natal mas em Inglês.
É provável que o fizesse porque, naturalmente, terá sido interpelado em Inglês. Na realidade, hoje em dia, é muito raro que jovens trabalhadores da comunicação social * saibam qualquer coisinha de francês. Apenas constato o facto. Como filólogo, professor e técnico de Educação, tenho obrigação de saber que motivos estão a montante deste fenómeno, tanto a nível nacional como mundial, mas isso é matéria para outro fórum.
Quanto à língua francesa, o que não posso deixar de lembrar é a diferença em relação ao quadro em que nasci e cresci. Em casa dos meus pais, por exemplo, os grandes clássicos da cultura europeia, bem como uma boa parte da biblioteca eram, invariavelmente, em francês. E, se assim acontecia, era porque o francês, para todos os efeitos, funcionava como segunda língua.
E, de tal modo assim foi que, a partir dos treze, quatorze anos, eu li em francês, Guerra e Paz, A la Recherche du Temps Perdu, Don Quichote, Werther, Montanha Mágica, entre muitas outras obras, sem qualquer problema. Tolstoi, Proust, Cervantes, Goethe, Mann, são autores que, desde a adolescência, muito naturalmente, me habituei a amar, em francês. Contudo, de modo algum, o meu caso foi especial.
No meu tempo, aos dez anos, à entrada no Liceu, os miúdos das famílias burguesas falavam fluentemente o francês. Em muitas casas havia a mademoiselle que iniciava os meninos na língua francesa. Na nossa, muito antes de aprendermos a ler e a escrever em português, passámos a ter um professor de francês, coisa nada habitual.
Tão bizarra circunstância, aliava o facto de o senhor ser mariquinhas. O Sérgio Monteiro – licenciado em Românicas, professor de instrução primária por opção, sujeito muito conhecido em Belém, geralmente considerado um bom pedagogo – era amigo pessoal e de longa data da casa dos meus avós e daí que se tivesse tornado na nossa mademoiselle.
A propósito, como esquecer que uma das minhas irmãs, muito pequena, nos seus quatro anos, tivesse tentado gozar com os modos efeminados do Sérgio? E como o meu pai lhe chamou a atenção dizendo que o Sérgio era um amigo da família, mariquinhas, sim senhor, o que não significava que admitisse que a menina fizesse pouco dele. E falou tão a sério que a mana nunca mais repetiu a gracinha de imitar o gesto amaricado com que, por exemplo, o Sérgio acompanhava o la chambre a coucher…
Para os meus pais, falar e escrever várias línguas, o melhor possível, sempre em articulação com a cultura dos respectivos países, era um objectivo maior da educação dos filhos. Além do ensino, mais ou menos formal, em família e na escola, também beneficiei da disponibilidade de outras famílias como, por exemplo, acontecia em tempo de férias, em São Martinho do Porto, no convívio com os Sommer de Andrade que tinham fraulein permanente.
Não é de admirar que, por volta dos quinze anos, quase naturalmente, também por via da minha opção pela Filologia Germânica, não só tivesse progredido no domínio do inglês e do alemão, mas também do latim, do castelhano e do italiano. De qualquer modo, o francês já se tinha insinuado e instalado como matriz, grelha profunda que determinava e permitia o acesso a outros saberes.
Tanto assim aconteceu que os próprios estudos avançados de Inglês, em especial quanto ao Inglês na América, os fiz com base em material didáctico francês, como se fosse um jovem estudante francês de 1ère ou classes terminales, nomeadamente, recorrendo ao La Vie en Amérique, dos Prof. P. M. Richard e Wendy Hall, dos Classiques Hachette.
E, já na Faculdade de Letras, no terceiro ano do curso, em Literatura Alemã II, todo o meu Chamisso de Peter Schlemihls Wundersame Geschichte, o Lessing, de Nathan Der Weise, ou Die Erziehung des Menschengeschlechts, o Hebbel de Gyges und sein Ring, o Novalis de Kleine Schriften, ou o Fichte de todos os discursos à nação alemã e uma boa quantidade de outros autores e obras se me tornaram bem mais acessíveis, através das Éditions Montaigne da Aubier, na Collection Bilingue (francês/alemão), que sempre ajudavam quando qualquer dificuldade maior se interpunha no original alemão.
Tendo em consideração toda esta experiência de contacto tão intenso com um idioma ao qual estou tão indissociavelmente ligado e tanto devo, ao ponto de se ter confundido com a minha própria língua-mãe, não será difícil de entender como é algo estranho ouvir um cidadão, cuja língua materna ainda dominava o mundo, há cerca de meio século, obrigado a estas constantes cenas de expressão noutra língua que, entretanto, se tornou hegemónica. Sic transit gloria mundi…
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*Poderia ter usado o termo jornalista? Pois podia. Mas, que querem os leitores, não é que, cada vez mais, tenho maior dificuldade em fazê-lo quando o quadro de referência é, não o da nobre actividade jornalística mas este em que não passam de jovens trabalhadores da comunicação social?
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