Educação e indisciplina,
Que autoridade?
(continuação)
Apenas mais três ideias, cuja linearidade e evidência dispensariam referência, não fosse a grande confusão que continua a vigorar e que importa considerar antes de formular qualquer conclusão.
Primeiramente, para lembrar e contrariar a ideia de que a Escola é um lugar onde as aprendizagens se fazem num contexto lúdico. Este é um princípio que, entendido de forma fundamentalista, tem sido responsável por inúmeros mal-entendidos. É uma noção que urge rever em articulação com as mais-valias da pedagogia do esforço.
Tal não significa que deva caminhar-se para o entendimento de que a Escola é um lugar desagradável. Todavia, forçoso é que as crianças, jovens e famílias assumam como aquele é um espaço de trabalho, onde se adquirem hábitos de trabalho indispensáveis ao cumprimento dos objectivos, não só durante a escolaridade mas também como lastro para a vida futura.
Em segundo lugar, neste como noutros contextos relacionados com especificidades do Sistema Educativo português, não se pode pensar que a indisciplina à portuguesa e a quota parte de responsabilização das famílias para o enquadramento do fenómeno coincidem ou são análogos aos dos outros países da União Europeia.
Nalguns casos poderá haver factores de afinidade mas a verdade é que diferem em múltiplos aspectos. Bastará pensar na circunstância de Portugal ser o país, daquele grupo a vinte e sete, com mais elevados índices de iliteracia e analfabetismo para que não nos surpreendamos com as mais bizarras atitudes de incompreensão de certos pais e mães em relação ao exercício da autoridade dos professores quanto à proibição da utilização do telemóvel durante as aulas.
Por último, cumpre também não esquecer que Educação é, fundamentalmente, um processo de transmissão de valores, trabalhados nos domínios físico, intelectual e moral. Em determinada altura daquele processo, cerca dos três anos de idade da criança, a família entrega à Escola, ao Sistema Educativo, um indivíduo que, para todos os efeitos, foi e já é um educando.
Se, até esse momento, o educando não tiver adquirido, no seio da família, uma série de conhecimentos e atitudes afins da higiene, da disciplina, de uma certa socialização que implica um mínimo saber estar em grupo, então, o trabalho da Escola, que devia ser supletivo, vai ter de assumir um peso específico que já cai no domínio de estratégias de remediação, daquilo que não foi feito ou foi mal feito pelas famílias de origem.
Por outro lado, ao contrário da bondade da perspectiva da Educação como transmissão de valores, a família e, tantas vezes, a própria Escola, sem que explicitamente o propiciem, não deixam de fomentar outro modelo, tão só e redutoramente, visando a aquisição e acumulação de saberes académicos que, em última instância, a galope numa desenfreada competitividade, podem transformar um educando, não no cidadão de que a sociedade carece, mas numa pessoa execrável.
(continua)
[sempre de acordo com a antiga ortografia]
segunda-feira, 31 de março de 2008
sexta-feira, 28 de março de 2008
Educação e indisciplina,
que autoridade?
(continuação)
A autoridade e os modelos sociais de sucesso
A sociologia da Educação apenas veio reforçar a noção de que, hoje em dia, e de forma muito aguda, há um grave problema de exercício da autoridade perante os jovens, sejam eles encarados tanto individualmente como em grupo. Não há agente educativo que já não tenha experimentado a suja impotência. No entanto, no contexto destas considerações, apenas me interessa aflorar uma parte da questão relativa ao agente educativo que é o professor.
Repare-se como, em íntima articulação com este assunto, se coloca o problema dos modelos sociais de sucesso. Os professores dos ensinos básico e secundário, tal como outros profissionais detentores do saber, enquanto difusores e divulgadores de conhecimentos académicos, gozaram outrora de um reconhecimento social cujo estatuto só foi posto em causa a partir do momento em que, urbi et orbi, se instalaram e passaram a vigorar modelos de sucesso social que pouco ou nada têm a ver com a valorização do saber.
Ora bem, de uma vez por todas, é necessário ter em conta que, na realidade, tanto as crianças e jovens alunos como a maioria das suas famílias, não valorizam e, pior, em muitas circunstâncias, desvalorizam mesmo a aquisição de conhecimentos como condição indispensável ao enquadramento social e à felicidade dos cidadãos. Aliás, a própria ideia de felicidade, muito naturalmente, passou a obedecer ao paradigma do sucesso a qualquer custo, o mais depressa possível.
No entanto, praticamente até meados da década de setenta, a autoridade do professor – cuja profissão era apontada como modelo social de sucesso, paradigma da posse de bens e valores de carácter permanente e duradouro – foi suplantada pela autoridade de outros paradigmas de relevância tão sedutora quanto efémera. Mas isso é algo que nada ou muito pouco diz, a quem não adquiriu a mais-valia da prevalência e permanência dos valores, como factores de estabilidade emocional, no difícil caminho para a lucidez e para o bem-estar.
Se não incluirmos este factor de apreciação na análise do problema, deixaremos de, mais adequadamente, entender, em relação aos novos modelos de sucesso pessoal – grosso modo, indivíduos sempre muito belos e jovens, muito bem vestidos, muito bem acompanhados, com grande disponibilidade de dinheiro, com belíssimos automóveis, instalados em casas com piscina, etc – como os professores ficaram com uma imagem tão desguarnecida, tão desvalorizada, em suma, tão desautorizada.
Pede-se-lhes o exercício de um determinado tipo de autoridade que, aparentemente todos sabem o que seja, esquecendo que os professores já não detêm aquela que, basicamente, era uma autoridade natural, decorrente de um estatuto que suscitava as inerentes provas de respeito social, nomeadamente por parte de estudantes e respectivas famílias. Enfim, um cenário obsoleto.
Quadro tão problemático evidenciou-se com particular pertinência e, de modo especial, praticamente sem a contestação de qualquer quadrante, a partir do momento em que se concretizou a grande campanha de massificação, traduzida pelo acesso ao ensino de estratos sociais que, há muitas gerações, dele estiveram afastados. Todavia, a marcha para a democratização não foi acompanhada das medidas que se impunham, nomeadamente, de preparação dos agentes em domínios indispensáveis à condução de grupos com tais características.
(continua)
que autoridade?
(continuação)
A autoridade e os modelos sociais de sucesso
A sociologia da Educação apenas veio reforçar a noção de que, hoje em dia, e de forma muito aguda, há um grave problema de exercício da autoridade perante os jovens, sejam eles encarados tanto individualmente como em grupo. Não há agente educativo que já não tenha experimentado a suja impotência. No entanto, no contexto destas considerações, apenas me interessa aflorar uma parte da questão relativa ao agente educativo que é o professor.
Repare-se como, em íntima articulação com este assunto, se coloca o problema dos modelos sociais de sucesso. Os professores dos ensinos básico e secundário, tal como outros profissionais detentores do saber, enquanto difusores e divulgadores de conhecimentos académicos, gozaram outrora de um reconhecimento social cujo estatuto só foi posto em causa a partir do momento em que, urbi et orbi, se instalaram e passaram a vigorar modelos de sucesso social que pouco ou nada têm a ver com a valorização do saber.
Ora bem, de uma vez por todas, é necessário ter em conta que, na realidade, tanto as crianças e jovens alunos como a maioria das suas famílias, não valorizam e, pior, em muitas circunstâncias, desvalorizam mesmo a aquisição de conhecimentos como condição indispensável ao enquadramento social e à felicidade dos cidadãos. Aliás, a própria ideia de felicidade, muito naturalmente, passou a obedecer ao paradigma do sucesso a qualquer custo, o mais depressa possível.
No entanto, praticamente até meados da década de setenta, a autoridade do professor – cuja profissão era apontada como modelo social de sucesso, paradigma da posse de bens e valores de carácter permanente e duradouro – foi suplantada pela autoridade de outros paradigmas de relevância tão sedutora quanto efémera. Mas isso é algo que nada ou muito pouco diz, a quem não adquiriu a mais-valia da prevalência e permanência dos valores, como factores de estabilidade emocional, no difícil caminho para a lucidez e para o bem-estar.
Se não incluirmos este factor de apreciação na análise do problema, deixaremos de, mais adequadamente, entender, em relação aos novos modelos de sucesso pessoal – grosso modo, indivíduos sempre muito belos e jovens, muito bem vestidos, muito bem acompanhados, com grande disponibilidade de dinheiro, com belíssimos automóveis, instalados em casas com piscina, etc – como os professores ficaram com uma imagem tão desguarnecida, tão desvalorizada, em suma, tão desautorizada.
Pede-se-lhes o exercício de um determinado tipo de autoridade que, aparentemente todos sabem o que seja, esquecendo que os professores já não detêm aquela que, basicamente, era uma autoridade natural, decorrente de um estatuto que suscitava as inerentes provas de respeito social, nomeadamente por parte de estudantes e respectivas famílias. Enfim, um cenário obsoleto.
Quadro tão problemático evidenciou-se com particular pertinência e, de modo especial, praticamente sem a contestação de qualquer quadrante, a partir do momento em que se concretizou a grande campanha de massificação, traduzida pelo acesso ao ensino de estratos sociais que, há muitas gerações, dele estiveram afastados. Todavia, a marcha para a democratização não foi acompanhada das medidas que se impunham, nomeadamente, de preparação dos agentes em domínios indispensáveis à condução de grupos com tais características.
(continua)
quinta-feira, 27 de março de 2008
Educação e indisciplina,
que autoridade?
(continuação)
Muito haveria a dizer, não só quanto ao modo como os jovens adolescentes se relacionam com a imagem, mas também por ter sido gravada por um aluno da mesma turma, perante o gáudio geral, com o objectivo de ser vista no ytube e que, posteriormente, tem sido aproveitada pela comunicação social até à náusea. No meio de tudo isto, o fenómeno do voyeurismo não é menos preocupante.
A cena é o que é, vale o que vale. Para todos os efeitos, naquele perfeito despautério, há um grupo a funcionar em condições que suscitam a maior apreensão. Muito me interessa colocar a tónica na questão do grupo que (escrevo no dia 25.03) não vi sequer aludida. O grupo é uma entidade fascinante mas muito complexa, operando de acordo com regras que os educadores bem deveriam conhecer. Até que ponto seria esse o caso daquela professora é algo que merece atenção sem que, para já, não nos precipitemos nas avaliações. É que estamos altamente prejudicados por défice de informação.
Desde logo, por exemplo, desconhecemos se aquele grupo, tem ou não permanecido ao longo de vários anos lectivos, se é ou não a primeira vez que trabalha com aquela professora. Independentemente do teor da resposta – importante para perceber alguns perfis das actuações em presença – cumpriria esclarecer o que terá acontecido e corrido tão mal naquela turma, entre os jovens estudantes e a professora, para que tanto se tenham degradado e extremado as relações, ao ponto de ser tão flagrante a incapacidade de diálogo, resultando naquela indisciplina e violência inusitada.
Outras questões igualmente se perfilam. A tipologia dos comportamentos não só daquela jovem mas também dos seus colegas, será idêntica à que manifestam com todos os professores da turma? Seria possível o registo de cena análoga com qualquer dos outros professores da turma? Tudo isto é demasiado importante considerar, para não cair em evitáveis generalizações e, igualmente, no sentido de opinar quanto ao carácter, esporádico ou permanente, dos factores em presença e em análise.
(continua)
que autoridade?
(continuação)
Muito haveria a dizer, não só quanto ao modo como os jovens adolescentes se relacionam com a imagem, mas também por ter sido gravada por um aluno da mesma turma, perante o gáudio geral, com o objectivo de ser vista no ytube e que, posteriormente, tem sido aproveitada pela comunicação social até à náusea. No meio de tudo isto, o fenómeno do voyeurismo não é menos preocupante.
A cena é o que é, vale o que vale. Para todos os efeitos, naquele perfeito despautério, há um grupo a funcionar em condições que suscitam a maior apreensão. Muito me interessa colocar a tónica na questão do grupo que (escrevo no dia 25.03) não vi sequer aludida. O grupo é uma entidade fascinante mas muito complexa, operando de acordo com regras que os educadores bem deveriam conhecer. Até que ponto seria esse o caso daquela professora é algo que merece atenção sem que, para já, não nos precipitemos nas avaliações. É que estamos altamente prejudicados por défice de informação.
Desde logo, por exemplo, desconhecemos se aquele grupo, tem ou não permanecido ao longo de vários anos lectivos, se é ou não a primeira vez que trabalha com aquela professora. Independentemente do teor da resposta – importante para perceber alguns perfis das actuações em presença – cumpriria esclarecer o que terá acontecido e corrido tão mal naquela turma, entre os jovens estudantes e a professora, para que tanto se tenham degradado e extremado as relações, ao ponto de ser tão flagrante a incapacidade de diálogo, resultando naquela indisciplina e violência inusitada.
Outras questões igualmente se perfilam. A tipologia dos comportamentos não só daquela jovem mas também dos seus colegas, será idêntica à que manifestam com todos os professores da turma? Seria possível o registo de cena análoga com qualquer dos outros professores da turma? Tudo isto é demasiado importante considerar, para não cair em evitáveis generalizações e, igualmente, no sentido de opinar quanto ao carácter, esporádico ou permanente, dos factores em presença e em análise.
(continua)
quarta-feira, 26 de março de 2008
Educação e indisciplina,
que autoridade?
Após breve ausência, e, uma vez regressado às lides, é o caso da cena de violência, numa aula da disciplina de Francês na Escola Carolina Michaelis de Vasconcelos, que se me impõe como facto inevitável de abordagem. Depois de muitos anos como Técnico de Educação, professor e formador de professores, Presidente da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) e continuando ainda ligado ao sector, natural é que, a propósito do episódio, me considere obrigado a partilhar convosco algumas opiniões.
Nestes termos, porque se trata de assunto cujo recorte não se compadece com pressas, a partir de hoje, venho propor-vos um texto, a repartir por vários dias, através do qual tentarei focar os diversos aspectos que se me afiguram mais pertinentes, no sentido de definir os contornos da problemática envolvida que, é inegável, radica em factores que estão a montante do modo como em geral, e, neste específico caso, a autoridade se ausenta ou exerce.
No entanto, para além do tema da autoridade, outros assuntos com ela intimamente relacionados se nos oferecem como indispensáveis momentos de análise. Tais são, a título de mero exemplo, os casos da turma enquanto grupo, da gestão dos conflitos, da formação dos docentes, do modo como a Escola é encarada pela sociedade, das competências e das omissões das famílias enquanto parte indissociável do processo educativo, temas que, inevitavelmente, aqui estarão presentes.
Neste primeiro texto, que funcionará como preâmbulo, gostaria de expressar não o estupor perante a situação – não é caso para isso, na medida em que, infelizmente, cenas análogas são muito mais frequentes do que supõe a maioria dos cidadãos – mas, muito mais, convidar à reflexão acerca de questões prévias, cuja ausência de resposta comprometeria o meu e o vosso trabalho.
(continua)
que autoridade?
Após breve ausência, e, uma vez regressado às lides, é o caso da cena de violência, numa aula da disciplina de Francês na Escola Carolina Michaelis de Vasconcelos, que se me impõe como facto inevitável de abordagem. Depois de muitos anos como Técnico de Educação, professor e formador de professores, Presidente da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) e continuando ainda ligado ao sector, natural é que, a propósito do episódio, me considere obrigado a partilhar convosco algumas opiniões.
Nestes termos, porque se trata de assunto cujo recorte não se compadece com pressas, a partir de hoje, venho propor-vos um texto, a repartir por vários dias, através do qual tentarei focar os diversos aspectos que se me afiguram mais pertinentes, no sentido de definir os contornos da problemática envolvida que, é inegável, radica em factores que estão a montante do modo como em geral, e, neste específico caso, a autoridade se ausenta ou exerce.
No entanto, para além do tema da autoridade, outros assuntos com ela intimamente relacionados se nos oferecem como indispensáveis momentos de análise. Tais são, a título de mero exemplo, os casos da turma enquanto grupo, da gestão dos conflitos, da formação dos docentes, do modo como a Escola é encarada pela sociedade, das competências e das omissões das famílias enquanto parte indissociável do processo educativo, temas que, inevitavelmente, aqui estarão presentes.
Neste primeiro texto, que funcionará como preâmbulo, gostaria de expressar não o estupor perante a situação – não é caso para isso, na medida em que, infelizmente, cenas análogas são muito mais frequentes do que supõe a maioria dos cidadãos – mas, muito mais, convidar à reflexão acerca de questões prévias, cuja ausência de resposta comprometeria o meu e o vosso trabalho.
(continua)
quinta-feira, 20 de março de 2008
AVISO:
O texto ontem publicado deveria ter sido precedido dos parágrafos que, entretanto, já foram supridos. Aceitem as minhas desculpas pelo erro. Portanto, para boa compreensão da totalidade do artigo, queiram repetir a leitura do escrito de 19 de Março antes de prosseguirem com o de hoje.
Enterro de Mozart
(conclusão)
Acresce o facto de nenhum dos regulamentos, vigentes ao tempo, impedir a colocação de uma cruz ou lápide. O decreto imperial de 12 de Agosto de 1788 estabelecia que “(…) cada pessoa é autorizada a ter sobre a campa o símbolo adequado à sua religião (…)”. Sem qualquer margem para dúvida, os contemporâneos de Mozart consideraram apropriada a colocação de uma lápide tumular cujo epitáfio [simplesmente assinado “K”, provavelmente Leopold Kozeluch] publicado nos jornais Wiener Zeitung, de 31 de Dezembro de 1791, e Grazer Burgerzeitung, de 3 de Janeiro de 1792, assim rezava:
MOZARDI
TUMULO INSCRIBENDUM.
Qui jacet hic,
Chordis Infans Miracula Mundi
Auxit;
et Orpheum Vir superavit.
Abi !
Et animae ejus bene precare!
[A MOZART
UMA INSCRIÇÂO PARA O TÚMULO
Que aqui descansa,
enquanto criança
Aumentou as maravilhas do mundo
Com as cordas da sua lira;
Como homem, suplantou Orfeu.
E rezai com fervor à sua alma!]
O funeral de terceira classe nada tinha a ver com um Armenbegrabniss, isto é, um enterro de pobre. Na realidade, correspondia à categoria de ritual habitual na classe média, que o próprio Barão Gottfried van Swieten, grande amigo e Irmão maçon do próprio Mozart, completamente integrado na etiqueta da Corte, considerou adequado à condição do compositor. Não foram, portanto, razões de dinheiro que dominaram os arranjos para este funeral mas preconceitos ainda muito enraizados contra os que levavam vida de artista. Até na morte, Mozart era despachado pelos lacaios imperiais a quem julgava ter escapado ao deixar Salzburg dez anos antes.
Ainda que, neste domínio, haja mesmo muito mais informação a disponibilizar, terminaria com uma referência às duas grandes homenagens, na semana seguinte ao enterro, em especial as exéquias levadas a cabo na igreja de São Miguel, junto ao Hofburg, em Viena, no dia 10 de Dezembro de 1791 – com elevadas despesas de serviço religioso, sem mais encargos porque os músicos não cobraram - e, quatro dias depois, em Praga, com um brilho absolutamente invulgar, contando com grande orquestra, três coros, perante uma audiência de mais de quatro mil pessoas.
Não esqueçam os leitores o que nos trouxe até aqui: apagar a ideia, fabricada durante o período romântico, posteriormente aproveitada e divulgada como verdade adquirida, segundo a qual a Mozart só convém a aura do pobre artista sofredor, sempre infeliz, explorado por tudo e por todos, desgraçado na morte e, até no próprio enterro, um indigente que teria ido parar à vala comum.
Nada mais falso!
Quod erat demonstrandum!
PS:
Terei o maior prazer em desfazer quaisquer dúvidas que subsistam. Não hesitem. Contactem através do espaço para comentários.
Apenas um exemplo, acerca da verdadeira relação que ligava Mozart e Salieri. O compositor italiano venerava Mozart e este retribuía com a admiração resultante da grande reputação que o italiano gozava em Viena já que foi professor dos mais destacados e promissores vultos musicais, como de Beethoven (que ainda foi contemporâneo de Mozart em Viena, para quem tocou em 1787 e, provavelmente, de quem também terá recebido lições), Shubert e Liszt.
Rivalizavam, é verdade, não devido a qualquer mesquinha inveja mas, isso sim, lutando pela imposição dos paradigmas musicais de que eram o máximo expoente. Salieri não precisava de muito lutar a favor dos padrões italianos, então em voga por toda a Europa. Todavia, Mozart tudo fazia para impor os cânones germânicos e a língua alemã, apesar de cultivar e de continuar a cultivar os figurinos italianos até à morte, e de que maneira absolutamente genial!...
Há vários aspectos a ter em consideração, como a noção de naturalidade germânica, para um Mozart cuja pátria austríaca é algo que, para nós, nos séculos vinte e vinte e um, nada tem de equívoco, mas que não coincide com o que se considerava no século dezoito. Por outro lado, em referência ao caso da pseudo disputa Mozart-Salieri, em que medida é que, por exemplo, não foi perfeitamente pré-determinada, a atitude do Imperador José II, o grande Habsburg, Senhor do Império Austro-Húngaro, ao propor a ambos o desafio da composição das duas óperas em que assumiram os padrões que acima aludi?
Há, efectivamente, provas da tal mútua admiração. Ao lutar por repor a verdade em relação a Mozart, um e outro saem beneficiados para a realidade histórica. É um serviço que se presta à verdade, em detrimento das erradas noções propaladas pelo filme Amadeus, cujo realizador é um grande cineasta que, no entanto, nada tinha de obedecer à verdade histórica, já que o seu argumento partiu de uma peça teatral que também não respeitava nem tinha de respeitar a verdade histórica.
Querem saber mais? Naquilo que eu puder dar uma ajuda, já sabem o que fazer.
O texto ontem publicado deveria ter sido precedido dos parágrafos que, entretanto, já foram supridos. Aceitem as minhas desculpas pelo erro. Portanto, para boa compreensão da totalidade do artigo, queiram repetir a leitura do escrito de 19 de Março antes de prosseguirem com o de hoje.
Enterro de Mozart
(conclusão)
Acresce o facto de nenhum dos regulamentos, vigentes ao tempo, impedir a colocação de uma cruz ou lápide. O decreto imperial de 12 de Agosto de 1788 estabelecia que “(…) cada pessoa é autorizada a ter sobre a campa o símbolo adequado à sua religião (…)”. Sem qualquer margem para dúvida, os contemporâneos de Mozart consideraram apropriada a colocação de uma lápide tumular cujo epitáfio [simplesmente assinado “K”, provavelmente Leopold Kozeluch] publicado nos jornais Wiener Zeitung, de 31 de Dezembro de 1791, e Grazer Burgerzeitung, de 3 de Janeiro de 1792, assim rezava:
MOZARDI
TUMULO INSCRIBENDUM.
Qui jacet hic,
Chordis Infans Miracula Mundi
Auxit;
et Orpheum Vir superavit.
Abi !
Et animae ejus bene precare!
[A MOZART
UMA INSCRIÇÂO PARA O TÚMULO
Que aqui descansa,
enquanto criança
Aumentou as maravilhas do mundo
Com as cordas da sua lira;
Como homem, suplantou Orfeu.
E rezai com fervor à sua alma!]
O funeral de terceira classe nada tinha a ver com um Armenbegrabniss, isto é, um enterro de pobre. Na realidade, correspondia à categoria de ritual habitual na classe média, que o próprio Barão Gottfried van Swieten, grande amigo e Irmão maçon do próprio Mozart, completamente integrado na etiqueta da Corte, considerou adequado à condição do compositor. Não foram, portanto, razões de dinheiro que dominaram os arranjos para este funeral mas preconceitos ainda muito enraizados contra os que levavam vida de artista. Até na morte, Mozart era despachado pelos lacaios imperiais a quem julgava ter escapado ao deixar Salzburg dez anos antes.
Ainda que, neste domínio, haja mesmo muito mais informação a disponibilizar, terminaria com uma referência às duas grandes homenagens, na semana seguinte ao enterro, em especial as exéquias levadas a cabo na igreja de São Miguel, junto ao Hofburg, em Viena, no dia 10 de Dezembro de 1791 – com elevadas despesas de serviço religioso, sem mais encargos porque os músicos não cobraram - e, quatro dias depois, em Praga, com um brilho absolutamente invulgar, contando com grande orquestra, três coros, perante uma audiência de mais de quatro mil pessoas.
Não esqueçam os leitores o que nos trouxe até aqui: apagar a ideia, fabricada durante o período romântico, posteriormente aproveitada e divulgada como verdade adquirida, segundo a qual a Mozart só convém a aura do pobre artista sofredor, sempre infeliz, explorado por tudo e por todos, desgraçado na morte e, até no próprio enterro, um indigente que teria ido parar à vala comum.
Nada mais falso!
Quod erat demonstrandum!
PS:
Terei o maior prazer em desfazer quaisquer dúvidas que subsistam. Não hesitem. Contactem através do espaço para comentários.
Apenas um exemplo, acerca da verdadeira relação que ligava Mozart e Salieri. O compositor italiano venerava Mozart e este retribuía com a admiração resultante da grande reputação que o italiano gozava em Viena já que foi professor dos mais destacados e promissores vultos musicais, como de Beethoven (que ainda foi contemporâneo de Mozart em Viena, para quem tocou em 1787 e, provavelmente, de quem também terá recebido lições), Shubert e Liszt.
Rivalizavam, é verdade, não devido a qualquer mesquinha inveja mas, isso sim, lutando pela imposição dos paradigmas musicais de que eram o máximo expoente. Salieri não precisava de muito lutar a favor dos padrões italianos, então em voga por toda a Europa. Todavia, Mozart tudo fazia para impor os cânones germânicos e a língua alemã, apesar de cultivar e de continuar a cultivar os figurinos italianos até à morte, e de que maneira absolutamente genial!...
Há vários aspectos a ter em consideração, como a noção de naturalidade germânica, para um Mozart cuja pátria austríaca é algo que, para nós, nos séculos vinte e vinte e um, nada tem de equívoco, mas que não coincide com o que se considerava no século dezoito. Por outro lado, em referência ao caso da pseudo disputa Mozart-Salieri, em que medida é que, por exemplo, não foi perfeitamente pré-determinada, a atitude do Imperador José II, o grande Habsburg, Senhor do Império Austro-Húngaro, ao propor a ambos o desafio da composição das duas óperas em que assumiram os padrões que acima aludi?
Há, efectivamente, provas da tal mútua admiração. Ao lutar por repor a verdade em relação a Mozart, um e outro saem beneficiados para a realidade histórica. É um serviço que se presta à verdade, em detrimento das erradas noções propaladas pelo filme Amadeus, cujo realizador é um grande cineasta que, no entanto, nada tinha de obedecer à verdade histórica, já que o seu argumento partiu de uma peça teatral que também não respeitava nem tinha de respeitar a verdade histórica.
Querem saber mais? Naquilo que eu puder dar uma ajuda, já sabem o que fazer.
quarta-feira, 19 de março de 2008
Enterro de Mozart (III)
O vil metal
A tabela em questão tinha sido inspirada num decreto análogo, destinado ao Arquiducado da Baixa Áustria, nos termos do qual um cidadão com bens, independentemente da sua classe social, poderia optar, entre as diferentes categorias de preço, conforme lhe aprouvesse, “(…) de tal modo que ninguém fosse obrigado a pagar despesas superiores às que, livremente, tinha escolhido (…)”.
Os pobres, cuja situação podia ser documentalmente atestada, por declaração ajuramentada ou por um juiz, não tinham de pagar quaisquer despesas. Por outro lado, as classes altas eram obrigadas a despender o dobro do total dos preços estabelecidos. Por altura da morte do compositor ainda vigorava a tabela em questão. Foi Gottfried van Swieten quem se encarregou de tratar do enterro de terceira classe que importou em oito Florins e cinquenta e seis Cruzados.
Se tivermos em consideração que cada Florim tinha sessenta Cruzados, pode afirmar-se que as despesas foram de quase nove Florins. Por outro lado, para que se fique com uma ideia aproximada da equivalência actual dos valores em causa, cada Florim valia cerca de trinta e cinco Euros. Portanto, o enterro teria custado trezentos e quinze Euros, ou seja, apenas um pouco menos que o ordenado anual pago por Wolfgang Mozart e sua mulher Constanze à criada Liserl Schwemmer, em 1784.
Avanço com estes pormenores porque correspondem a matéria investigada, absolutamente inequívoca. Mas não introduzirei mais valores e equivalências à moeda hoje em circulação porque sempre haverá grandes discrepâncias. No entanto, reparem. Se o vencimento da empregada fosse actualizado, mesmo em termos do ordenado mínimo nacional (português…), para se estabelecer o termo de comparação com o enterro, teríamos 450,00 Euros/mês x (apenas) 12 meses = 5.400,00 Euros!...
A propósito, um pequeno aparte para perceber como, em Viena, os grandes artistas eram apreciados e bem pagos. Por exemplo, um soprano tão conhecido como Nancy Storace - a quem Mozart dedicou a famosíssima ária de concerto Ch’io mi scordi di te?... Non temer, amato bene, K. 505 - recebia quatro mil e quinhentos Florins, em 1787. Num único evento, um bom solista podia ganhar tanto como quatrocentos e cinquenta Florins!
Cortejo fúnebre e cerimónias religiosas
Voltemos ao cerne da questão. Tendo em consideração as normas da praxe, é perfeitamente possível reconstituir o cortejo fúnebre da tarde de 6 de Dezembro, no percurso entre a casa da Rauhensteingasse onde Mozart morreu e a Catedral de Santo Estêvão. À cabeça, o porta crucifixo seguido pelos quatro homens com o caixão, coberto por tecido negro do cerimonial, flanqueados por mais quatro acólitos transportando lanternas.
Constanze estaria acompanhada por outros membros da sua família (Weber). É dada como certa a presença de Johann Georg Albrechtsberger e dos alunos do compositor, Franz Jacob Freystädtler e Otto Harwig que, assim o confirmaram. Anselm Huttenbrenner, aluno de António Salieri, afiançou que o seu mestre participou na cerimónia. Finalmente, como não podia deixar de ser, Franz Xaver Sussmayr, o aluno de Mozart que terminou o Requiem após a morte do compositor, também se incorporou.
Conhecem-se todos os pormenores da encomendação da alma, através da compilação dos rituais do ano de 1791, da autoria de Johann Schwerding, sabendo-se que, de acordo com a designação de então, o caixão foi deixado a descansar numa capela mortuária da catedral de Sto Estêvão, aguardando o transporte, em carreta fúnebre puxada por dois cavalos, para o cemitério de São Marcos, cujo aluguer custou mais três Florins.
Mozart foi enterrado numa campa individual vulgar (allgemeines einfaches Grab), designação segundo a qual, a palavra vulgar (allgemein), nos termos da prática na era Josefina, não equivale a comum ou comunal (gemeinschaftlich). Não se tratava de uma campa de pobre no sentido da vala comum. Era, isso sim, uma campa simples que, ao contrário do jazigo, não concedia o direito de propriedade, podendo ser removida e reocupada após dez anos. Esta a verdade.
(continua)
O vil metal
A tabela em questão tinha sido inspirada num decreto análogo, destinado ao Arquiducado da Baixa Áustria, nos termos do qual um cidadão com bens, independentemente da sua classe social, poderia optar, entre as diferentes categorias de preço, conforme lhe aprouvesse, “(…) de tal modo que ninguém fosse obrigado a pagar despesas superiores às que, livremente, tinha escolhido (…)”.
Os pobres, cuja situação podia ser documentalmente atestada, por declaração ajuramentada ou por um juiz, não tinham de pagar quaisquer despesas. Por outro lado, as classes altas eram obrigadas a despender o dobro do total dos preços estabelecidos. Por altura da morte do compositor ainda vigorava a tabela em questão. Foi Gottfried van Swieten quem se encarregou de tratar do enterro de terceira classe que importou em oito Florins e cinquenta e seis Cruzados.
Se tivermos em consideração que cada Florim tinha sessenta Cruzados, pode afirmar-se que as despesas foram de quase nove Florins. Por outro lado, para que se fique com uma ideia aproximada da equivalência actual dos valores em causa, cada Florim valia cerca de trinta e cinco Euros. Portanto, o enterro teria custado trezentos e quinze Euros, ou seja, apenas um pouco menos que o ordenado anual pago por Wolfgang Mozart e sua mulher Constanze à criada Liserl Schwemmer, em 1784.
Avanço com estes pormenores porque correspondem a matéria investigada, absolutamente inequívoca. Mas não introduzirei mais valores e equivalências à moeda hoje em circulação porque sempre haverá grandes discrepâncias. No entanto, reparem. Se o vencimento da empregada fosse actualizado, mesmo em termos do ordenado mínimo nacional (português…), para se estabelecer o termo de comparação com o enterro, teríamos 450,00 Euros/mês x (apenas) 12 meses = 5.400,00 Euros!...
A propósito, um pequeno aparte para perceber como, em Viena, os grandes artistas eram apreciados e bem pagos. Por exemplo, um soprano tão conhecido como Nancy Storace - a quem Mozart dedicou a famosíssima ária de concerto Ch’io mi scordi di te?... Non temer, amato bene, K. 505 - recebia quatro mil e quinhentos Florins, em 1787. Num único evento, um bom solista podia ganhar tanto como quatrocentos e cinquenta Florins!
Cortejo fúnebre e cerimónias religiosas
Voltemos ao cerne da questão. Tendo em consideração as normas da praxe, é perfeitamente possível reconstituir o cortejo fúnebre da tarde de 6 de Dezembro, no percurso entre a casa da Rauhensteingasse onde Mozart morreu e a Catedral de Santo Estêvão. À cabeça, o porta crucifixo seguido pelos quatro homens com o caixão, coberto por tecido negro do cerimonial, flanqueados por mais quatro acólitos transportando lanternas.
Constanze estaria acompanhada por outros membros da sua família (Weber). É dada como certa a presença de Johann Georg Albrechtsberger e dos alunos do compositor, Franz Jacob Freystädtler e Otto Harwig que, assim o confirmaram. Anselm Huttenbrenner, aluno de António Salieri, afiançou que o seu mestre participou na cerimónia. Finalmente, como não podia deixar de ser, Franz Xaver Sussmayr, o aluno de Mozart que terminou o Requiem após a morte do compositor, também se incorporou.
Conhecem-se todos os pormenores da encomendação da alma, através da compilação dos rituais do ano de 1791, da autoria de Johann Schwerding, sabendo-se que, de acordo com a designação de então, o caixão foi deixado a descansar numa capela mortuária da catedral de Sto Estêvão, aguardando o transporte, em carreta fúnebre puxada por dois cavalos, para o cemitério de São Marcos, cujo aluguer custou mais três Florins.
Mozart foi enterrado numa campa individual vulgar (allgemeines einfaches Grab), designação segundo a qual, a palavra vulgar (allgemein), nos termos da prática na era Josefina, não equivale a comum ou comunal (gemeinschaftlich). Não se tratava de uma campa de pobre no sentido da vala comum. Era, isso sim, uma campa simples que, ao contrário do jazigo, não concedia o direito de propriedade, podendo ser removida e reocupada após dez anos. Esta a verdade.
(continua)
terça-feira, 18 de março de 2008
O enterro de Mozart (II)
Depois da introdução, no primeiro dos artigos desta pequena série em que, à guisa de revisão da matéria, voltei a pôr em comum alguns dos conhecimentos que já tinha tido oportunidade de partilhar com os leitores em anteriores ocasiões, começaria por acrescentar que não é estranho nem problemático que a morte de um grande artista tenha suscitado um tal interesse, ao ponto de estar na génese de outras obras, desde o fim do século dezoito até à actualidade.
A verdade, os factos e os artefactos
A Arte – e nela incluída literatura, o teatro, a música, o drama lírico, o cinema - sempre produziu artefactos, total ou parcialmente inspirados em factos reais e ficcionados. O único e substancial problema é que o grande público, especialmente a partir do filme de Forman, passou a consumir como facto – real, verdadeiro, biográfico – aquilo que não passa de artefacto.
Daí, ter-se-me imposto o grato dever de esclarecer os meus leitores dos artigos de cultura musical, acerca da verdade dos factos. Em resultado de investigações, mais ou menos recentes, vai sendo possível fazer a tal desconstrução que referi, para reconstruir o que é forçoso seja por todos partilhado, isto é, a biografia limpa de contributos romanceados, que só têm prejudicado o entendimento do homem e do artista absolutamente fascinante que Mozart foi enquanto paradigma do génio.
O funeral deu origem à fantasia que mais flagrantemente entra pela porta da verdade, de tal modo se entranhando nesse sagrado território, que passou a ser considerada efectivamente verdadeira, embora possa ser desmistificada com a maior facilidade. É esse o objectivo deste artigo que, para o efeito, se socorre de uma espalda histórica, cerca de dez anos anterior à morte do compositor.
Entremos, pois, na análise de factos concretos. De todos os decretos publicados no tempo do Imperador José II, aqueles que provocaram reacções mais violentas por parte da população - cujos costumes e tradições foram pura e simplesmente ignorados – terão sido os referentes às práticas religiosa e aos novos regulamentos para os funerais.
Protótipo do déspota iluminado, o monarca governava na paternal presunção de que decidia bem e, naturalmente, para benefício dos súbditos. Nesse contexto, em 25 de Janeiro de 1782, José II fizera publicar uma nova tabela de preços dos ofícios religiosos, para as classes média e baixa de Viena e das circunscrições administrativas dos subúrbios. Vamos deter-nos um pouco nesta legislação para tentar indagar que espécie de verdade subjaz à lenda de um enterro que não passa de grosseiro embuste.
(continua)
Depois da introdução, no primeiro dos artigos desta pequena série em que, à guisa de revisão da matéria, voltei a pôr em comum alguns dos conhecimentos que já tinha tido oportunidade de partilhar com os leitores em anteriores ocasiões, começaria por acrescentar que não é estranho nem problemático que a morte de um grande artista tenha suscitado um tal interesse, ao ponto de estar na génese de outras obras, desde o fim do século dezoito até à actualidade.
A verdade, os factos e os artefactos
A Arte – e nela incluída literatura, o teatro, a música, o drama lírico, o cinema - sempre produziu artefactos, total ou parcialmente inspirados em factos reais e ficcionados. O único e substancial problema é que o grande público, especialmente a partir do filme de Forman, passou a consumir como facto – real, verdadeiro, biográfico – aquilo que não passa de artefacto.
Daí, ter-se-me imposto o grato dever de esclarecer os meus leitores dos artigos de cultura musical, acerca da verdade dos factos. Em resultado de investigações, mais ou menos recentes, vai sendo possível fazer a tal desconstrução que referi, para reconstruir o que é forçoso seja por todos partilhado, isto é, a biografia limpa de contributos romanceados, que só têm prejudicado o entendimento do homem e do artista absolutamente fascinante que Mozart foi enquanto paradigma do génio.
O funeral deu origem à fantasia que mais flagrantemente entra pela porta da verdade, de tal modo se entranhando nesse sagrado território, que passou a ser considerada efectivamente verdadeira, embora possa ser desmistificada com a maior facilidade. É esse o objectivo deste artigo que, para o efeito, se socorre de uma espalda histórica, cerca de dez anos anterior à morte do compositor.
Entremos, pois, na análise de factos concretos. De todos os decretos publicados no tempo do Imperador José II, aqueles que provocaram reacções mais violentas por parte da população - cujos costumes e tradições foram pura e simplesmente ignorados – terão sido os referentes às práticas religiosa e aos novos regulamentos para os funerais.
Protótipo do déspota iluminado, o monarca governava na paternal presunção de que decidia bem e, naturalmente, para benefício dos súbditos. Nesse contexto, em 25 de Janeiro de 1782, José II fizera publicar uma nova tabela de preços dos ofícios religiosos, para as classes média e baixa de Viena e das circunscrições administrativas dos subúrbios. Vamos deter-nos um pouco nesta legislação para tentar indagar que espécie de verdade subjaz à lenda de um enterro que não passa de grosseiro embuste.
(continua)
segunda-feira, 17 de março de 2008
Salzburg por lá, Mozart por cá
Inicio hoje um curto período que, se quiserem, podem considerar de férias. Como sabem os meus habituais leitores do Jornal de Sintra e deste blogue, por esta altura, costumo ir novamente até Salzburg, para assistir ao Festival da Páscoa. Há anos que, naquele jornal tenho feito o relato do absoluto privilégio que constitui a possibilidade de assistir àquele que, cada vez mais, se impõe como o mais sofisticado dos festivais de Salzburg. No entanto, a partir de agora, deixarei de o fazer, pelas razões que tive oportunidade de partilhar, também convosco, através das Notas Diárias (4, 5, 6 e 7 do corrente mês de Março), aqui no sintradoavesso.
Na realidade, trata-se de ocasião única, em todo o mundo, para poder assistir a três concertos sinfónicos, mais um coral-sinfónico e a uma récita de ópera, sempre com a Orquestra Filarmónica de Berlin. Em Portugal, passam-se anos e anos sem que tenhamos a sorte de ouvir este agrupamento que, na ímpar Salzburg, assenta arraiais durante dias seguidos de divina graça. O festival da Páscoa é herança do Karajan, também ele natural de Salzburg. Há quarenta e dois anos desencadeou uma iniciativa de tão alta qualidade que a fasquia nunca mais pôde baixar.
E lá vou, já há muitos anos, completamente viciado, depois de ter sido «iniciado» pelo
meu pai, um grande melómano, alguém que gozava de uma preparação musical total, diplomado em ciências musicais e habilitado com o Curso Superior de violino do Conservatório, portanto, um apreciador que também era intérprete, embora não tenha feito carreira como músico profissional ou sequer amador.
Foi ele, portanto, quem me instilou o «vício» e, tal como ele, ou ainda mais, me habituei a decidir o calendário anual, a partir das «obrigações musicais» que, invariavelmente, para além das duas estadas em Salzburg, sempre contemplam mais uma ou duas, noutras paragens também musicais e, tanto quanto possível, evitando as grandes pragas do turismo de massas. Este ano, por exemplo, ainda sairei para uma Tetralogia e Mestres Cantores em Bayreuth, o outro santuário de habituais peregrinações. Enfim, uma canseira...
Mas, durante a minha ausência, não pensem que ficam sem trabalho. Já hoje e, até ao meu regresso, na próxima semana, vos deixo com textos sobre o enterro de Mozart que, tendo sido publicados no Jornal de Sintra por altura do aniversário da morte do compositor (5 de Dezembro) me têm sido solicitados, para acesso através do blogue, uma vez que ainda não tenho a funcionar aquilo que já foi prometido como um sítio na internet só para assuntos musicais.
Portanto, não estranhem as referências a particularidades que têm a sua justificação enquanto parte de um texto que foi pensado para publicação no jornal.
....................................................................
O enterro de Mozart (1)
A ideia de que Mozart morreu na miséria, totalmente desamparado, de tal modo que ninguém acompanhou os seus restos mortais até à vala comum dos indigentes, no cemitério central de Viena, não corresponde, de modo algum, à veracidade dos factos, como terão oportunidade de concluir se acompanharem os artigos que hoje iniciamos.
Porém, a gravura que, aí à vossa frente, ilustra estas palavras, da autoria de Pierre Roch de Vigneron (1789-1872), fez um caminho de tal modo persuasivo, acomodando-se ao imaginário de sucessivas gerações que, praticamente, só os estudiosos sabem qual o valor a atribuir à imagem.
Isto é tanto assim que, ainda muito recentemente, um conhecido divulgador musical, que dispõe de considerável tempo de antena, tanto na RDP 2 como na 1, ao referir-se ao enterro do compositor, repetia a lenda colada a esta cena - como se lenda não fosse e correspondesse à verdade - cena que, repito, nada tem de real ou verdadeiro.
Não há a certeza absoluta de que o enterro de Mozart, falecido a 5 de Dezembro de 1791, tenha acontecido no dia seguinte ou dois dias depois da data da morte. Seja como for, a publicação deste artigo, hoje dia 6 de Dezembro, para além do principal objectivo de que darei conta um pouco mais à frente, também pretende comemorar a efeméride.
Durante o ano jubilar de 2006, por ocasião do ducentésimo quinquagésimo aniversário do nascimento de W. A. Mozart, tive oportunidade de aqui publicar oito artigos, através dos quais procurei divulgar uma série de ideias que poderão contribuir para a imprescindível desconstrução de fantasias que se colaram à memória do compositor.
Começaria por confirmar que tão modesto é o alcance do meu labor à volta de Mozart, que muito satisfeito me consideraria se, em resultado desses escritos, entre as muitas novidades de que fui portador, alguns dos meus leitores puderam encontrar suporte, por exemplo, para deixarem de considerar Mozart-menino, como o prodígio explorado por um tirano pai que só pensava obter chorudos proventos dos filhos maravilha; ou passaram a melhor entender a relação de Mozart com o dinheiro, ele que não era, nunca foi nem morreu miserável; que aprenderam as suas maleitas, o seu carácter, a sua paranóia; ou que concluíram como nem Salieri nem a Maçonaria tiveram algo a ver com a sua morte.
Efectivamente, na História da Cultura Ocidental do século dezoito, dificilmente encontraremos outro grande criador de Arte cuja biografia tenha sido mais deturpada. Durante o Romantismo, falseou-se muita coisa acerca da vida deste Amadé (como gostava de se assinar), Amadeus, forma latinizada de Gottlieb/Theophylus e, entre o muito que se inventou, abundam os artefactos.
O veneno de Salieri
Só em relação às lendas sobre a morte, poderíamos considerar uma ilustríssima genealogia. Primeiramente, foi o próprio António Salieri (1750-1825), aparente rival e grande admirador do génio de Salzburg que, muito transtornado, totalmente senil, nos seus setenta e quatro anos, se declarou culpado pelo assassinato de Mozart. Nesse ano de 1824, entre 21 e 25 de Janeiro, o surdo Beethoven que, praticamente, só comunicava com os amigos através de um bloco de notas, escrevia: “(…) O Salieri está muito mal. Anda transtornado e a insistir que é culpado da morte do Mozart e que lhe deu veneno (…)”.
Baseado nas absurdas confissões de Salieri, que rapidamente se propagaram por toda a Viena e dali para além fronteiras, Puchkine (1799-1837) escreve um drama que Nicolai Rimski-Korsakov (1844-1908) aproveitará como argumento da sua ópera Mozart e Salieri (1898). Daí foi um passo, até à peça de teatro Amadeus do dramaturgo Peter Schäffer que, tomada como argumento, o realizador Milos Forman imortalizou no filme homónimo (Vd. Mistérios da morte de Mozart, JS, 24.04.03)
(continua)
Inicio hoje um curto período que, se quiserem, podem considerar de férias. Como sabem os meus habituais leitores do Jornal de Sintra e deste blogue, por esta altura, costumo ir novamente até Salzburg, para assistir ao Festival da Páscoa. Há anos que, naquele jornal tenho feito o relato do absoluto privilégio que constitui a possibilidade de assistir àquele que, cada vez mais, se impõe como o mais sofisticado dos festivais de Salzburg. No entanto, a partir de agora, deixarei de o fazer, pelas razões que tive oportunidade de partilhar, também convosco, através das Notas Diárias (4, 5, 6 e 7 do corrente mês de Março), aqui no sintradoavesso.
Na realidade, trata-se de ocasião única, em todo o mundo, para poder assistir a três concertos sinfónicos, mais um coral-sinfónico e a uma récita de ópera, sempre com a Orquestra Filarmónica de Berlin. Em Portugal, passam-se anos e anos sem que tenhamos a sorte de ouvir este agrupamento que, na ímpar Salzburg, assenta arraiais durante dias seguidos de divina graça. O festival da Páscoa é herança do Karajan, também ele natural de Salzburg. Há quarenta e dois anos desencadeou uma iniciativa de tão alta qualidade que a fasquia nunca mais pôde baixar.
E lá vou, já há muitos anos, completamente viciado, depois de ter sido «iniciado» pelo
meu pai, um grande melómano, alguém que gozava de uma preparação musical total, diplomado em ciências musicais e habilitado com o Curso Superior de violino do Conservatório, portanto, um apreciador que também era intérprete, embora não tenha feito carreira como músico profissional ou sequer amador.
Foi ele, portanto, quem me instilou o «vício» e, tal como ele, ou ainda mais, me habituei a decidir o calendário anual, a partir das «obrigações musicais» que, invariavelmente, para além das duas estadas em Salzburg, sempre contemplam mais uma ou duas, noutras paragens também musicais e, tanto quanto possível, evitando as grandes pragas do turismo de massas. Este ano, por exemplo, ainda sairei para uma Tetralogia e Mestres Cantores em Bayreuth, o outro santuário de habituais peregrinações. Enfim, uma canseira...
Mas, durante a minha ausência, não pensem que ficam sem trabalho. Já hoje e, até ao meu regresso, na próxima semana, vos deixo com textos sobre o enterro de Mozart que, tendo sido publicados no Jornal de Sintra por altura do aniversário da morte do compositor (5 de Dezembro) me têm sido solicitados, para acesso através do blogue, uma vez que ainda não tenho a funcionar aquilo que já foi prometido como um sítio na internet só para assuntos musicais.
Portanto, não estranhem as referências a particularidades que têm a sua justificação enquanto parte de um texto que foi pensado para publicação no jornal.
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O enterro de Mozart (1)
A ideia de que Mozart morreu na miséria, totalmente desamparado, de tal modo que ninguém acompanhou os seus restos mortais até à vala comum dos indigentes, no cemitério central de Viena, não corresponde, de modo algum, à veracidade dos factos, como terão oportunidade de concluir se acompanharem os artigos que hoje iniciamos.
Porém, a gravura que, aí à vossa frente, ilustra estas palavras, da autoria de Pierre Roch de Vigneron (1789-1872), fez um caminho de tal modo persuasivo, acomodando-se ao imaginário de sucessivas gerações que, praticamente, só os estudiosos sabem qual o valor a atribuir à imagem.
Isto é tanto assim que, ainda muito recentemente, um conhecido divulgador musical, que dispõe de considerável tempo de antena, tanto na RDP 2 como na 1, ao referir-se ao enterro do compositor, repetia a lenda colada a esta cena - como se lenda não fosse e correspondesse à verdade - cena que, repito, nada tem de real ou verdadeiro.
Não há a certeza absoluta de que o enterro de Mozart, falecido a 5 de Dezembro de 1791, tenha acontecido no dia seguinte ou dois dias depois da data da morte. Seja como for, a publicação deste artigo, hoje dia 6 de Dezembro, para além do principal objectivo de que darei conta um pouco mais à frente, também pretende comemorar a efeméride.
Durante o ano jubilar de 2006, por ocasião do ducentésimo quinquagésimo aniversário do nascimento de W. A. Mozart, tive oportunidade de aqui publicar oito artigos, através dos quais procurei divulgar uma série de ideias que poderão contribuir para a imprescindível desconstrução de fantasias que se colaram à memória do compositor.
Começaria por confirmar que tão modesto é o alcance do meu labor à volta de Mozart, que muito satisfeito me consideraria se, em resultado desses escritos, entre as muitas novidades de que fui portador, alguns dos meus leitores puderam encontrar suporte, por exemplo, para deixarem de considerar Mozart-menino, como o prodígio explorado por um tirano pai que só pensava obter chorudos proventos dos filhos maravilha; ou passaram a melhor entender a relação de Mozart com o dinheiro, ele que não era, nunca foi nem morreu miserável; que aprenderam as suas maleitas, o seu carácter, a sua paranóia; ou que concluíram como nem Salieri nem a Maçonaria tiveram algo a ver com a sua morte.
Efectivamente, na História da Cultura Ocidental do século dezoito, dificilmente encontraremos outro grande criador de Arte cuja biografia tenha sido mais deturpada. Durante o Romantismo, falseou-se muita coisa acerca da vida deste Amadé (como gostava de se assinar), Amadeus, forma latinizada de Gottlieb/Theophylus e, entre o muito que se inventou, abundam os artefactos.
O veneno de Salieri
Só em relação às lendas sobre a morte, poderíamos considerar uma ilustríssima genealogia. Primeiramente, foi o próprio António Salieri (1750-1825), aparente rival e grande admirador do génio de Salzburg que, muito transtornado, totalmente senil, nos seus setenta e quatro anos, se declarou culpado pelo assassinato de Mozart. Nesse ano de 1824, entre 21 e 25 de Janeiro, o surdo Beethoven que, praticamente, só comunicava com os amigos através de um bloco de notas, escrevia: “(…) O Salieri está muito mal. Anda transtornado e a insistir que é culpado da morte do Mozart e que lhe deu veneno (…)”.
Baseado nas absurdas confissões de Salieri, que rapidamente se propagaram por toda a Viena e dali para além fronteiras, Puchkine (1799-1837) escreve um drama que Nicolai Rimski-Korsakov (1844-1908) aproveitará como argumento da sua ópera Mozart e Salieri (1898). Daí foi um passo, até à peça de teatro Amadeus do dramaturgo Peter Schäffer que, tomada como argumento, o realizador Milos Forman imortalizou no filme homónimo (Vd. Mistérios da morte de Mozart, JS, 24.04.03)
(continua)
sexta-feira, 14 de março de 2008
Obra na Rua da Pendoa:
- que se passa?
Vários são os edifícios que continuam embrulhados naquelas telas floridas da autoria de Leonel Moura. Já classifiquei a atitude como uma treta pseudo-performativa que apenas serviu à Câmara Municipal de Sintra para (muito mal) esconder algumas misérias da urbe, cujas entranhas incomodam quando olhadas sem a complacência de quem esteja disposto a assumir o que a casa gasta…Reparem que escrevi a atitude, não me tendo referido ao mérito da obra repartida por vários pontos do centro histórico.
Entre tais manifestos de desleixo, polemicamente mascarados por uma decisão do município que muito cara saiu aos seus exauridos cofres, máscara que o correr do tempo e a acção dos habituais vândalos se encarregaram de devolver à procedente condição de locais desqualificados, está um prédio da Rua da Pendoa, actualmente em trabalhos de demolição, que me informaram pertencer ao património municipal.
Perante uma intervenção em pleno casco do centro histórico, assistindo ao arrasar de uma edificação que não sei se era do século dezanove ou anterior, que terá sido objecto de obras de vária índole, em diferentes momentos, colocam-se naturais e justas interrogações que carecem de esclarecimento tão urgente quanto possível for.
Nestes termos, importaria saber se houve um diagnóstico exaustivo da situação, que tenha pressuposto o parecer técnico de todas as especialidades em presença, nomeadamente as relacionadas com a investigação, defesa, preservação, interpretação e recuperação do património.
Igualmente se impõe a tranquilidade dos cidadãos, fregueses de São Martinho, munícipes de Sintra e a comunidade em geral, quanto à certeza de que os trabalhos em curso, foram e/ou estarão sendo acompanhados por peritos arqueólogos, assegurando a salvaguarda de eventuais vestígios que o passado terá acumulado em diferentes períodos.
Nas latitudes civilizadas onde costumo deslocar-me, intervenção congénere seria sempre acompanhada de uma informação mínima em painel, bem visivelmente colocado que, para o efeito, costuma subordinar-se a parâmetros tão comuns como sejam a identificação do proprietário da obra, o destino último do edifício, montante da verba envolvida e entidades financiadoras, referência a eventuais patronos e prazo previsto para a conclusão das obras.
Pois, ali, na Rua da Pendoa, a informação é nula. Nada, absolutamente nada. O costume, o desleixo do costume, a total ausência de comunicação. Porque, ao fim e ao cabo, a autarquia ainda não sente essa necessidade, não tem essa cultura. Mesmo que não esteja disposta a admiti-lo, a Câmara comporta-se como entidade que não está enquadrada pelas normas do Estado de Direito, ignorando o direito dos cidadãos à informação e as vantagens dessa boa prática.
PS:
Continuaa encerrado o recinto de Seteais. O concessionário do hotel Tivoli, grupo Espírito Santo, adjudicou a empreitada de obras a empresa de construção que, ignorando tratar-se de espaço público, vedou a área, sem negociar qualquer hipótese de acesso, através de zonas delimitadas que garantissem a segurança de visitantes.
Para além das minhas diligências junto do Senhor Presidente da Câmara, sei que há em curso outras atitudes de protesto. Hoje mesmo, cerca das nove horas da manhã, deparei com um grupo de alunos da Escola Secundária Santa Maria que, com a sua professora - a exemplo do que tem acontecido inúmeras vezes, nos últimos dias, com alunos e professores de outras escolas - foram impedidos de entrar e de trabalhar a matéria que é objecto do seu estudo actual. Garantiram-me que não iam ficar calados.
A atitude do concessionário não causa estranheza. Em diferentes oportunidades, nos últimos anos, incorrendo em atitude passível de contra ordenação, fechou aquele espaço público. A fruição daquele recinto já custou muitos incómodos à população de Sintra, conforme tive oportunidade de lembrar socorrendo-me de escritos do saudoso e queridíssimo José Alfredo cuja memória honraremos se nos implicarmos na reposição da legalidade.
Naturalmente, contamos com a intervenção imediata e urgente da Câmara Municipal de Sintra.
- que se passa?
Vários são os edifícios que continuam embrulhados naquelas telas floridas da autoria de Leonel Moura. Já classifiquei a atitude como uma treta pseudo-performativa que apenas serviu à Câmara Municipal de Sintra para (muito mal) esconder algumas misérias da urbe, cujas entranhas incomodam quando olhadas sem a complacência de quem esteja disposto a assumir o que a casa gasta…Reparem que escrevi a atitude, não me tendo referido ao mérito da obra repartida por vários pontos do centro histórico.
Entre tais manifestos de desleixo, polemicamente mascarados por uma decisão do município que muito cara saiu aos seus exauridos cofres, máscara que o correr do tempo e a acção dos habituais vândalos se encarregaram de devolver à procedente condição de locais desqualificados, está um prédio da Rua da Pendoa, actualmente em trabalhos de demolição, que me informaram pertencer ao património municipal.
Perante uma intervenção em pleno casco do centro histórico, assistindo ao arrasar de uma edificação que não sei se era do século dezanove ou anterior, que terá sido objecto de obras de vária índole, em diferentes momentos, colocam-se naturais e justas interrogações que carecem de esclarecimento tão urgente quanto possível for.
Nestes termos, importaria saber se houve um diagnóstico exaustivo da situação, que tenha pressuposto o parecer técnico de todas as especialidades em presença, nomeadamente as relacionadas com a investigação, defesa, preservação, interpretação e recuperação do património.
Igualmente se impõe a tranquilidade dos cidadãos, fregueses de São Martinho, munícipes de Sintra e a comunidade em geral, quanto à certeza de que os trabalhos em curso, foram e/ou estarão sendo acompanhados por peritos arqueólogos, assegurando a salvaguarda de eventuais vestígios que o passado terá acumulado em diferentes períodos.
Nas latitudes civilizadas onde costumo deslocar-me, intervenção congénere seria sempre acompanhada de uma informação mínima em painel, bem visivelmente colocado que, para o efeito, costuma subordinar-se a parâmetros tão comuns como sejam a identificação do proprietário da obra, o destino último do edifício, montante da verba envolvida e entidades financiadoras, referência a eventuais patronos e prazo previsto para a conclusão das obras.
Pois, ali, na Rua da Pendoa, a informação é nula. Nada, absolutamente nada. O costume, o desleixo do costume, a total ausência de comunicação. Porque, ao fim e ao cabo, a autarquia ainda não sente essa necessidade, não tem essa cultura. Mesmo que não esteja disposta a admiti-lo, a Câmara comporta-se como entidade que não está enquadrada pelas normas do Estado de Direito, ignorando o direito dos cidadãos à informação e as vantagens dessa boa prática.
PS:
Continuaa encerrado o recinto de Seteais. O concessionário do hotel Tivoli, grupo Espírito Santo, adjudicou a empreitada de obras a empresa de construção que, ignorando tratar-se de espaço público, vedou a área, sem negociar qualquer hipótese de acesso, através de zonas delimitadas que garantissem a segurança de visitantes.
Para além das minhas diligências junto do Senhor Presidente da Câmara, sei que há em curso outras atitudes de protesto. Hoje mesmo, cerca das nove horas da manhã, deparei com um grupo de alunos da Escola Secundária Santa Maria que, com a sua professora - a exemplo do que tem acontecido inúmeras vezes, nos últimos dias, com alunos e professores de outras escolas - foram impedidos de entrar e de trabalhar a matéria que é objecto do seu estudo actual. Garantiram-me que não iam ficar calados.
A atitude do concessionário não causa estranheza. Em diferentes oportunidades, nos últimos anos, incorrendo em atitude passível de contra ordenação, fechou aquele espaço público. A fruição daquele recinto já custou muitos incómodos à população de Sintra, conforme tive oportunidade de lembrar socorrendo-me de escritos do saudoso e queridíssimo José Alfredo cuja memória honraremos se nos implicarmos na reposição da legalidade.
Naturalmente, contamos com a intervenção imediata e urgente da Câmara Municipal de Sintra.
quinta-feira, 13 de março de 2008
Cenas de desleixo (III)
Assim, de repente, lembro ainda duas situações que bem atestam a falta de operacionalidade dos serviços municipais dependentes do Senhor Vereador Luís Duque. É no contexto do sistemático atraso das respostas aos desafios que se lhe colocam, na falta de oportuno despacho dos assuntos cuja competência lhe está afecta, que vamos desaguar no proverbial e institucional desleixo que, tão desgraçadamente, afecta a qualidade de vida dos munícipes.
Então, hoje, o caso do acesso à Regaleira, através de transportes públicos adequados que, de uma vez por todas, acabem com o caos do estacionamento das viaturas, em cima dos passeios de um e outro lado da rua, que tanta insegurança tem gerado nos últimos tempos, ao ponto de o trânsito ficar totalmente interrompido. Já se chegou a colocar em risco a vida de pessoas que, na zona, carecem de um apoio médico cujo recurso fica impossibilitado.
Reporto-me apenas às minhas inúmeras diligências pessoais, porquanto, outras e muitas, têm surgido de vários quadrantes. Depois de não sei quantos artigos publicados no Jornal de Sintra, na Sintra Regional, depois de vários textos neste blogue, finalmente, depois de acerca do mesmo assunto, ter interpelado o executivo municipal, na reunião pública do dia 28 de Novembro de 2007, o Senhor Presidente da Câmara informou que o Senhor Vereador Luís Duque tinha tudo pronto para que, em Janeiro de 2008, estivesse solucionado o problema.
Até hoje, perante a ausência de quaisquer notícias afins, nada disse, nada escrevi. Deixei passar os meses de Janeiro e de Fevereiro. Sei o que a casa gasta… Estamos quase na Páscoa e, como (não) se vê, de transportes públicos para a Regaleira, solução dependente dos serviços coordenados pelo Senhor Vereador Luís Duque, nada se vislumbra.
É a tristeza, o desleixo do costume. Nada se diz, nada se explica. Pontifica a total ausência de maneiras, a deselegância mais evidente no relacionamento com os cidadãos. Por aqueles lados da Regaleira, vão continuar o estacionamento caótico, a insegurança de pessoas e bens. Há muito boas digestões que, não tenham dúvida, colidiriam com o ataque à situação.
Será preciso que a coisa dê para o torto, num momento em que Nossa Senhora de Fátima se distraia e aconteça qualquer desgraça, para que algo se faça?
PS:
(Porque me parece que o assunto é suficientemente grave, continuo a inserir o alerta sobre o que está a acontecer em Seteais. Ainda ontem enviei e-mail para o Senhor Presidente da Câmara solicitando a sua pessoal intervenção).
Foram anunciadas pelo grupo Espírito Santo, e começaram a concretizar-se, obras de conservação e recuperação de instalações em Seteais. Para o efeito, a empresa proibiu o acesso a todas as pessoas alheias aos trabalhos em curso, mediante aviso colocado em cada um dos portões.
Nem a Câmara Municipal de Sintra, enquanto instância do poder local, nem qualquer entidade dependente do poder central, forneceram a explicação que se impõe, tanto aos sintrenses como aos forasteiros que demandam o local.
É perfeitamente possível conciliar a necessidade de concretização das obras com a continuação das visitas. Parece imperioso que as entidades de direito se pronunciem, acautelando os interesses da comunidade em articulação com os do concessionário.
Nada impede e tudo aconselha que, salvaguardadas as atinentes e indispensáveis normas de segurança, sejam instalados passadiços de acesso, tanto em direcção ao belveder como à zona mais elevada do terreiro, junto ao portão central (normalmente encerrado e que poderia passar a funcionar) onde os professores costumam dirigir-se aos grupos de alunos que acompanham em frequentíssimas visitas de estudo.
quarta-feira, 12 de março de 2008
Cenas de desleixo (II)
Pela enésima vez, caros leitores, pela enésima vez, volto a um assunto que bem atesta o desleixo que vai por esta Sintra. Trata-se do problema do estacionamento nas imediações do Centro Cultural Olga Cadaval. Não fosse o caso de, não raro, pôr em risco a segurança de pessoas e bens, eu calar-me-ia, tão cansado estou de bater na mesma tecla.
Considero que não devo silenciar, apesar da vergonha que sinto por viver numa comunidade cujos autarcas, de modo tão flagrante, ignoram qualquer sinal de alerta, civilizadamente apresentado, na tentativa de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos afectados pela incúria de quem deveria acudir, não só à resolução do caso em apreço mas à de tantos outros, igual e inequivocamente, carecendo de intervenção.
Mais uma vez, os factos, relativos a cenas recentes. Só de há quinze dias a esta parte, tivemos três enchentes no Centro. Tais foram os casos dos espectáculos de Herman José, de Rodrigo Leão e, no passado domingo, de manhã, uma louvável iniciativa do Conservatório de Música de Sintra. Naturalmente, como sempre, carros em cima do terreiro, carros por aí fora, à trouxe-mouxe, por tudo quanto for estacionamento ilegal, desde o Bairro das Flores, às traseiras do CCOC, o caos instalado.
No passado domingo, dia de Missa, foi o bom e o bonito. Tudo atravancado. Filas enormes. Gritos e apitos e, que eu tivesse visto, nem um agente de qualquer autoridade. O costume, o costume com que não me conformo nem resigno, apesar de, aparentemente, não causar a mínima preocupação aos designados responsáveis.
Estou cansado de afirmar, de confirmar e de lembrar que há alternativa a este cenário perigoso de terceiro mundo com que, pelos vistos, tão bem convivem os autarcas eleitos que, olimpicamente, deixam correr o tempo sem a devida intervenção.
A escassos três minutos de passo normal, do outro lado da linha do comboio, há um parque de estacionamento, circundando o edifício do Urbanismo, utilizado nas horas laborais dos dias úteis que, escandalosamente, permanece vazio nos períodos em que os eventos no CCOC originam os lamentáveis e evitáveis desacatos que tenho denunciado, quer através de artigos no Jornal de Sintra, quer neste blogue e em cartas à Câmara Municipal de Sintra.
Bem sei que, para aquele espaço, está prevista a construção de um parque de estacionamento. Mas, santo Deus, entretanto, pelo menos desde que o CCOC foi inaugurado, não poderia ter sido aproveitado para o efeito? Com uma iluminação expedita e assegurada a vigilância adequada, não seria possível, agora mesmo, trabalhar ainda nesse sentido?
A minha última directa diligência para o executivo municipal, acerca deste assunto, foi em fins de 2005. Responderam-me em 14 de Março de 2006 que o Senhor Vereador Luís Duque tinha sido incumbido de solucionar a questão em articulação com a Sintraquorum e Emes, acolhendo o meu alvitre.
Enfim, como se prova por esta dilação, o Senhor Vereador Luís Duque não prima pela operacionalidade… Aliás, este senhor tem sido exímio em não dar as respostas que deveria. Este e outros Senhores Vereadores acobertam-se ao capote do Senhor Presidente e, ao longo dos anos, vão-se safando porque, em última instância, quem dá a cara por tudo que acontece é o responsável máximo.
Amanhã continuarei, neste mesmo quadro de institucional desleixo, lembrando mais outro assunto cuja solução foi anunciada para o passado mês de Janeiro, também dependente da actuação do Senhor Vereador Duque.
PS:
Foram anunciadas pelo grupo Espírito Santo, e começaram a concretizar-se, obras de conservação e recuperação de instalações em Seteais. Para o efeito, a empresa proibiu o acesso a todas as pessoas alheias aos trabalhos em curso, mediante aviso colocado em cada um dos portões.
Nem a Câmara Municipal de Sintra, enquanto instância do poder local, nem qualquer entidade dependente do poder central, forneceram a explicação que se impõe, tanto aos sintrenses como aos forasteiros que demandam o local.
É perfeitamente possível conciliar a necessidade de concretização das obras com a continuação das visitas. Parece imperioso que as entidades de direito se pronunciem, acautelando os interesses da comunidade em articulação com os do concessionário.
Nada impede e tudo aconselha que, salvaguardadas as atinentes e indispensáveis normas de segurança, sejam instalados passadiços de acesso, tanto em direcção ao belveder como à zona mais elevada do terreiro, junto ao portão central (normalmente encerrado e que poderia passar a funcionar) onde os professores costumam dirigir-se aos grupos de alunos que acompanham em frequentíssimas visitas de estudo.
Pela enésima vez, caros leitores, pela enésima vez, volto a um assunto que bem atesta o desleixo que vai por esta Sintra. Trata-se do problema do estacionamento nas imediações do Centro Cultural Olga Cadaval. Não fosse o caso de, não raro, pôr em risco a segurança de pessoas e bens, eu calar-me-ia, tão cansado estou de bater na mesma tecla.
Considero que não devo silenciar, apesar da vergonha que sinto por viver numa comunidade cujos autarcas, de modo tão flagrante, ignoram qualquer sinal de alerta, civilizadamente apresentado, na tentativa de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos afectados pela incúria de quem deveria acudir, não só à resolução do caso em apreço mas à de tantos outros, igual e inequivocamente, carecendo de intervenção.
Mais uma vez, os factos, relativos a cenas recentes. Só de há quinze dias a esta parte, tivemos três enchentes no Centro. Tais foram os casos dos espectáculos de Herman José, de Rodrigo Leão e, no passado domingo, de manhã, uma louvável iniciativa do Conservatório de Música de Sintra. Naturalmente, como sempre, carros em cima do terreiro, carros por aí fora, à trouxe-mouxe, por tudo quanto for estacionamento ilegal, desde o Bairro das Flores, às traseiras do CCOC, o caos instalado.
No passado domingo, dia de Missa, foi o bom e o bonito. Tudo atravancado. Filas enormes. Gritos e apitos e, que eu tivesse visto, nem um agente de qualquer autoridade. O costume, o costume com que não me conformo nem resigno, apesar de, aparentemente, não causar a mínima preocupação aos designados responsáveis.
Estou cansado de afirmar, de confirmar e de lembrar que há alternativa a este cenário perigoso de terceiro mundo com que, pelos vistos, tão bem convivem os autarcas eleitos que, olimpicamente, deixam correr o tempo sem a devida intervenção.
A escassos três minutos de passo normal, do outro lado da linha do comboio, há um parque de estacionamento, circundando o edifício do Urbanismo, utilizado nas horas laborais dos dias úteis que, escandalosamente, permanece vazio nos períodos em que os eventos no CCOC originam os lamentáveis e evitáveis desacatos que tenho denunciado, quer através de artigos no Jornal de Sintra, quer neste blogue e em cartas à Câmara Municipal de Sintra.
Bem sei que, para aquele espaço, está prevista a construção de um parque de estacionamento. Mas, santo Deus, entretanto, pelo menos desde que o CCOC foi inaugurado, não poderia ter sido aproveitado para o efeito? Com uma iluminação expedita e assegurada a vigilância adequada, não seria possível, agora mesmo, trabalhar ainda nesse sentido?
A minha última directa diligência para o executivo municipal, acerca deste assunto, foi em fins de 2005. Responderam-me em 14 de Março de 2006 que o Senhor Vereador Luís Duque tinha sido incumbido de solucionar a questão em articulação com a Sintraquorum e Emes, acolhendo o meu alvitre.
Enfim, como se prova por esta dilação, o Senhor Vereador Luís Duque não prima pela operacionalidade… Aliás, este senhor tem sido exímio em não dar as respostas que deveria. Este e outros Senhores Vereadores acobertam-se ao capote do Senhor Presidente e, ao longo dos anos, vão-se safando porque, em última instância, quem dá a cara por tudo que acontece é o responsável máximo.
Amanhã continuarei, neste mesmo quadro de institucional desleixo, lembrando mais outro assunto cuja solução foi anunciada para o passado mês de Janeiro, também dependente da actuação do Senhor Vereador Duque.
PS:
Foram anunciadas pelo grupo Espírito Santo, e começaram a concretizar-se, obras de conservação e recuperação de instalações em Seteais. Para o efeito, a empresa proibiu o acesso a todas as pessoas alheias aos trabalhos em curso, mediante aviso colocado em cada um dos portões.
Nem a Câmara Municipal de Sintra, enquanto instância do poder local, nem qualquer entidade dependente do poder central, forneceram a explicação que se impõe, tanto aos sintrenses como aos forasteiros que demandam o local.
É perfeitamente possível conciliar a necessidade de concretização das obras com a continuação das visitas. Parece imperioso que as entidades de direito se pronunciem, acautelando os interesses da comunidade em articulação com os do concessionário.
Nada impede e tudo aconselha que, salvaguardadas as atinentes e indispensáveis normas de segurança, sejam instalados passadiços de acesso, tanto em direcção ao belveder como à zona mais elevada do terreiro, junto ao portão central (normalmente encerrado e que poderia passar a funcionar) onde os professores costumam dirigir-se aos grupos de alunos que acompanham em frequentíssimas visitas de estudo.
Naturalmente, voltarei ao assunto.
terça-feira, 11 de março de 2008
Cenas de desleixo (I)
Sintra, ontem, segunda-feira, a meio da manhã, em pleno coração da Estefânea, no ponto em a que se encontram as Ruas Câmara Pestana e Adriano Coelho, na Praceta Dr. Francisco Sá Carneiro, dominada pela fachada do edifício onde está instalado o Centro Cultural Olga Cadaval. Estão bem situados? Então, tentem imaginar o que passo a descrever.
O desgraçado condutor dum camion TIR, com um daqueles atrelados de maior tonelagem, da mais conhecida empresa portuguesa de transportes de mercadorias, manobrava desesperadamente, tentando libertar-se da apertada malha-ratoeira em que caíra ao ter acedido a uma zona totalmente vedada a veículos deste porte.
Quando, ao saír de casa, deparei com a cena, a alta trazeira do reboque batia num poste que abanava, abanava, fragilizado pela pancada descomunal de que fora alvo. Entretanto, acumulavam-se os automóveis vindos de Nunes Carvalho, demandando a Correnteza, para se dirigirem à Portela, a Chão de Meninos ou ao centro histórico. Poucos segundos bastaram para se formar uma longa fila de viaturas. Tudo parado. Os basbaques do costume. Os palavrões do costume.
Entretanto, para regularizar o desmando, com grande prontidão, apareceu um agente da GNR que, de imediato, iniciou as atitudes que se impunham. Infelizmente, como sabem os habituais leitores, isto não é coisa rara. Umas vezes são os motoristas de grandes camions de transporte de mercadorias, outras os de autocarros de passageiros, nacionais ou estrangeiros que, na ausência de uma sinalética inequívoca, apropriada, bem colocada, são induzidos em erro para causarem, em dia útil ou fim de semana, os maiores transtornos à circulação.
Cenas congéneres, tenho presenciado em pleno centro histórico. Frequentemente, caminhando pela Volta do Duche, lá vejo passar um camion que fará o inferno uns metros mais adiante ou que, pelo contrário, acabou de se safar de tão espinhosa situação. Estou farto de denunciar a questão. Como não sou o único oficiante de um geral descontentamento, outros têm apontado o problema, com o resultado que se observa: um redondo zero, o desespero de esbarrar numa parede de palavrosas, esfarrapadas e estéreis desculpas, ou o silêncio de desprezo mais absoluto pelos cidadãos que ainda se dão ao trabalho da denúncia cívica.
É o fatídico desleixo que, a montante destas cenas, é responsável pela perda de milhares de horas de trabalho, pelo stresse que atinge um sem número de condutores, por eventuais acidentes decorrentes de tão flagrante falta de cuidado. E há responsáveis nos serviços autárquicos, ao nível técnico e político que, se chamados à pedra, sempre encontrarão um modo de sacudir a água do capote...
Enfim, o desleixo do costume.
(continua)
Sintra, ontem, segunda-feira, a meio da manhã, em pleno coração da Estefânea, no ponto em a que se encontram as Ruas Câmara Pestana e Adriano Coelho, na Praceta Dr. Francisco Sá Carneiro, dominada pela fachada do edifício onde está instalado o Centro Cultural Olga Cadaval. Estão bem situados? Então, tentem imaginar o que passo a descrever.
O desgraçado condutor dum camion TIR, com um daqueles atrelados de maior tonelagem, da mais conhecida empresa portuguesa de transportes de mercadorias, manobrava desesperadamente, tentando libertar-se da apertada malha-ratoeira em que caíra ao ter acedido a uma zona totalmente vedada a veículos deste porte.
Quando, ao saír de casa, deparei com a cena, a alta trazeira do reboque batia num poste que abanava, abanava, fragilizado pela pancada descomunal de que fora alvo. Entretanto, acumulavam-se os automóveis vindos de Nunes Carvalho, demandando a Correnteza, para se dirigirem à Portela, a Chão de Meninos ou ao centro histórico. Poucos segundos bastaram para se formar uma longa fila de viaturas. Tudo parado. Os basbaques do costume. Os palavrões do costume.
Entretanto, para regularizar o desmando, com grande prontidão, apareceu um agente da GNR que, de imediato, iniciou as atitudes que se impunham. Infelizmente, como sabem os habituais leitores, isto não é coisa rara. Umas vezes são os motoristas de grandes camions de transporte de mercadorias, outras os de autocarros de passageiros, nacionais ou estrangeiros que, na ausência de uma sinalética inequívoca, apropriada, bem colocada, são induzidos em erro para causarem, em dia útil ou fim de semana, os maiores transtornos à circulação.
Cenas congéneres, tenho presenciado em pleno centro histórico. Frequentemente, caminhando pela Volta do Duche, lá vejo passar um camion que fará o inferno uns metros mais adiante ou que, pelo contrário, acabou de se safar de tão espinhosa situação. Estou farto de denunciar a questão. Como não sou o único oficiante de um geral descontentamento, outros têm apontado o problema, com o resultado que se observa: um redondo zero, o desespero de esbarrar numa parede de palavrosas, esfarrapadas e estéreis desculpas, ou o silêncio de desprezo mais absoluto pelos cidadãos que ainda se dão ao trabalho da denúncia cívica.
É o fatídico desleixo que, a montante destas cenas, é responsável pela perda de milhares de horas de trabalho, pelo stresse que atinge um sem número de condutores, por eventuais acidentes decorrentes de tão flagrante falta de cuidado. E há responsáveis nos serviços autárquicos, ao nível técnico e político que, se chamados à pedra, sempre encontrarão um modo de sacudir a água do capote...
Enfim, o desleixo do costume.
(continua)
segunda-feira, 10 de março de 2008
Miúdos de Sintra
A Dra. Helena Soares, professora de Educação Visual e Tecnológica da Escola Don Fernando II, em articulação com o Dr. João Grilo, seu colega do mesmo estabelecimento de ensino, docente da área de Tecnologias da Informação e Comunicação, estão envolvidos num trabalho da designada Área de Projecto, nos termos do qual uma das suas turmas do sexto ano se tem interessado sobre o caso especial que é o Jornal de Sintra enquanto órgão da imprensa regional.
Certamente que devido às características de denúncia cívica que definem os contornos do continuado trabalho desenvolvido no semanário da nossa comunidade, aqueles professores e alunos quiseram ouvir, de viva voz, as opiniões de quem também é autor deste blogue. E assim, há uns dias, lá tivemos uma hora e meia de boa conversa, oportunidade e tempo para a troca de impressões acerca de uma série de assuntos que têm sido objecto da minha intervenção ao longo dos anos.
Não vou entrar em pormenores relativamente ao esclarecimento de pertinentes questões, a maioria das quais de ordem deontológica, que enquadram muitas das preocupações dos cidadãos em todo o mundo, acerca dos profissionais que desenvolvem a sua actividade nos meios de comunicação social escritos e audiovisuais. Foi matéria largamente falada para cujo esclarecimento espero ter contribuído, ainda que modestamente.
A defesa do património foi outra das traves mestras do encontro. Percebi que a consciencialização daquelas crianças e jovens para a necessidade de preservar e recuperar a herança ancestral, tem sido promovida através de uma motivação que parte do conhecimento concreto dos casos mais flagrantes. Como seria de esperar numa escola cujo patrono, Don Fernando II, nos é tão caro neste domínio, falou-se do caso do Chalet da Condessa que, felizmente, está em vias de recuperação.
Mas, coisa assaz importante, foi a certeza de que o estudo do enquadramento sócio-cultural do movimento romântico e revivalista de oitocentos, levou os miúdos à preocupação da defesa de uma imagem de Sintra que colide com os casos mais evidentes de desleixo que por aí sobra, nas ruas da Estefânea e do centro histórico. Comovidamente, me apercebi da sua preocupação que, provavelmente, será objecto de pública denúncia.
Aqueles, por acaso, são miúdos de Sintra. E, não tenham dúvida, isto é Sintra no seu melhor. No entanto, tenham em consideração que aqueles professores, aquela turma, não constituem uma ilha nesta comunidade. Há milhares de casos idênticos por esse país fora. E, discretamente, estão a fazer o trabalho que lhes compete. Importaria, isso sim, que os poderes instituídos, tanto aos níveis local como central, não frustrassem estas sementes de esperança.
sexta-feira, 7 de março de 2008
Salzburg, Festival de Inverno
(conclusão)
A nata mozartiana
Já há duas semanas vos tinha informado de que não entraria em detalhes de programação. Hoje ainda gostaria de que ficassem com uma ideia aproximada do escol de intérpretes presentes.
Como sempre, a colaboração de agrupamentos de música de câmara como os Quartetos Artemis, Hagen e Quatuor Ébène, de algumas das consideradas grandes orquestras mundiais, casos da Filarmónica de Viena, com a sua habitual residência traduzida pela concretização de vários concertos, Concentus Musicus de Viena, a Orquestra do Mozarteum de Salzburg, a Camerata Salzburg, a Orquestra Sinfónica da Universidade Mozarteum, a Kremerata Báltica, Les Musiciens du Louvre, Cappella Andrea Barca, e de dois dos mais conhecidos agrupamentos corais austríacos, o Salzburg Bach Chor e Vienna Singverein e os britânicos English Voices.
Quanto à direcção dos referidos agrupamentos, sucederam-se famosos maestros como Nikolaus Harnoncourt, Ivan Fischer, Ivor Bolton, Louis Langrée, Paul McCreesh, Sir Charles Mackerras, Ingo Metzmacher, Marc Minkowski ou Jonathan Nott, todos eles com relevantes ligações a leituras da obra de Mozart.
O artista residente foi o pianista francês Pierre-Laurent Aimard que tem vindo a cimentar uma forte ligação a Salzburg e, em especial ao universo mozartiano. E lá estiveram muitas das grandes vozes masculinas e femininas da actualidade, das quais destacarei os tenores John Mark Ainsley, James Gilchrist, Werner Güra ou Markus Schäfer, os barítonos Matthias Goerne ou Hanno Müller-Brachmann, os sopranos Eva Mei, Christiane Oelze, Miah Persson, Patricia Petibon e os meios-sopranos Vesselina Kasarova, Elisabeth von Magnus ou Anne Sofie von Otter, entre outros que faço a horrível injustiça de omitir.
Entre os vinte e muitos solistas instrumentistas, lembraria as espantosas jovens violinistas Lisa Batiashvili e Patrícia Kopatchinskaja para além dos consagrados Hilary Hahn, Leonidas Kavakos ou Gidon Kremer, os pianistas Rudolf Buchbinder, Elisabeth Leonskaja, András Schiff, Andreas Staier ou Lars Vogt e os violoncelistas Daniel Müller-Schott ou Jean-Ghien Queyras.
Se me perguntarem por alguma revelação absoluta, não terei a menor dúvida em apontar a violinista Patrícia Kopatchinskaja que, na interpretação do Concerto funebre de Karl Amadeus Hartmann, com a Orquestra do Mozarteum de Salzburg, dirigida por Louis Langrée, se revelou senhora de uma desmedida mas poderosa e contida energia, intensidade vibrante, a par de uma musicalidade singular. É um caso fenomenal de alguém que está muito voltada para a música mais recente e que, estou certo, vai dar muito que falar.
Eventos inesquecíveis, os concertos de Les Musiciens du Louvre sob a direcção de Marc Minkowski, com uma interpretação fenomenal e fidelíssima, como eu ainda estava para ouvir, do Don Juan de Gluck; uma prestação ímpar de árias de Betulia liberata, de Lucio Silla e de Ascanio in Alba de Mozart, por Vasselina Kasarova, com a Filarmónica de Viena dirigida por Ivan Fischer, com aquele timbre único, extensão e raríssimo domínio dos registos graves e, referência final ao barítono Matthias Goerne, interpretando árias de várias cantatas de J.S. Bach, entre as quais Ich habe genug, BWV 82, com a Camerata Salzburg dirigida por Paul McCreesh.
A concluir
Em Salzburg, também fiquei a saber duas novidades, que muito prazer me deram, já que se referem a artistas do panorama musical português. Primeiramente, já no próximo dia 4 de Abril, pelas 19,00 horas, no santuário da Grosse Saal do Mozarteum de Salzburg e, no âmbito da iniciativa Dialoge, Menshen Musik, promovida pela Fundação Internacional do Mozarteum, em que a nossa Misia vai apresentar o seu canto de Fado.
A outra, relaciona-se com o 23º Festival Internacional de Música Kissinger Sommer, de 12 de Junho a 13 de Julho, na conhecida estância termal de Bad Kissingen. Lawrence Foster, maestro titular da nossa Orquestra Gulbenkian, é o único entre muito conhecidos dirigentes, que terá oportunidade de conduzir, não um como os demais colegas, mas dois dos dez concertos programados, primeiro com a Orquestra Filarmónica Checa e, mais tarde, outro com a Orquestra da Rádio de Munique.
E, caros leitores, se mais espaço tivesse, o que não poderia eu contar-vos. Dos meus trabalhos na Biblioteca Mozartiana (sempre contando com o privilegiado apoio da directora e minha amiga Geneviève Geffray, que já conhecem de anos anteriores), das conferências, missas, sessões de apresentação e animação de obras literárias, dos visionamentos de gravações vídeo com interpretações de referência, do óptimo teatro que vi, das exposições de artes plásticas nos dois museus de Arte Moderna e Contemporânea, da exaustiva exposição que, no novo edifício da Universidade Mozarteum, acompanhava o simpósio em curso sobre o querido maestro Harnoncourt, das visitas à casa de música Katholnigg da minha outra amiga Astrid Rothauer, dias plenos de informação e enriquecimento espiritual.
Tudo isto para além das indispensáveis caminhadas-dos-seis-quilómetros-numa-hora que, para não comprometerem a apertada sequência dos referidos trabalhos diários, eu fazia logo às seis e meia da manhã, convenientemente agasalhado, mas nunca conseguindo evitar que o ar frio nos olhos, de mais ou menos sete negativos, desencadeasse uma torrente de lágrimas, logo à saída de casa, ao chegar à margem direita do rio Salzach. Enfim, alguma agrura teria de suportar…
quinta-feira, 6 de março de 2008
Salzburg – Festival de Inverno
Em 2008, a grande proposta do Mozartwoche – o festival de Inverno de Salzburg e o mais importante a nível mundial dedicado a Mozart – que, igualmente, definia a sua estrutura, era o acesso a uma componente, uma atmosfera da criatividade do compositor que, habitualmente, não se encontra nos programas levados a efeito nas salas de concertos.
Refiro-me, muito especificamente, às denominadas obras sacras, sob a forma de missas, litanias, vésperas e oratórias que Mozart compôs em Sazburg, portanto, antes de 1781, o ano da grande viragem, em que decide seguir para Viena, farto dos caprichos e desconsiderações que entendia ser alvo, por parte do Príncipe Arcebispo Hieronymus Colloredo.
Foi naquele contexto que, por exemplo, logo na primeira noite do festival, se ouviu a Missa em Dó Maior, K. 66 composta em Outubro de 1769, quando Wolfgang ia nos seus treze anos, a Dominicus-Messe, assim designada por ter sido dedicada ao seu amigo de infância Dominicus Hagenauer que, acabado de se ordenar, ia celebrar a sua primeira missa pública.
E, com idêntico enquadramento, Litaniae de venerabili altaris sacramento, em Si bemol Maior, K. 125, para Solistas, Coro Misto, Orquestra e Órgão, de 1772, um espantoso monumento musical – nítido prenúncio da grande Missa em Dó Maior K. 427 que, dez anos mais tarde, para sempre marcaria a História da Música – ou as Vesperae solennes de Dominica em Dó Maior, K. 321, de 1779, também para vozes solistas, Coro, Orquestra e Órgão.
Destaque ou apenas exemplo?
Gostaria de destacar o singspiel sacro Die Schuldigkeit des Ersten Gebots, K. 35 (A Obrigação do Primeiro Mandamento), cujo libretto é da autoria de Ignaz Anton Weiser, que chegou a ser Burgermeister (Presidente da Câmara) de Salzburg. A composição musical data do princípio de Março de 1767, quando Amadé acabara de fazer onze anos… Mas, Santo Deus, demonstra uma tal desenvoltura na arquitectura da orquestração, com tão bem conseguidos momentos de humor, lirismo e dramaticidade que ninguém ousará contestar a ideia de se estar perante uma peça de grande maturidade, uma irrefutável prova de génio.
Um pouco mais adiante, deter-me-ei na referência à maioria dos artistas presentes no Mozartwoche 2008. Entretanto, sem pretender enaltecer o fabuloso conjunto de intérpretes deste evento – já que todos são formidáveis – tenham presente que o agrupamento musical era só o Concentus Musicus de Viena, as vozes masculinas entregues aos tenores John Mark Ainsley e Kurt Streit e as femininas aos sopranos Patrícia Petibon e Eva Mei e meio-soprano Elisabeth von Magnus, sob a direcção de Nikolaus Harnoncourt.
É preciso não deixar de ter em consideração que este, como qualquer dos outros eventos do festival, faria percorrer milhares de quilómetros a qualquer melómano que se preze. No meu caso especial, jamais perderia a oportunidade de, num tal conjunto de grandes músicos, voltar a ver e ouvir o verdadeiro fenómeno que é Patrícia Petibon, que acompanho em Salzburg, desde que ali apareceu, pela primeira vez, há oito anos. À excepcional destreza vocal, alia uma raríssima capacidade histriónica, mesmo em concerto, como era o caso. Naquela noite de 29 de Janeiro, a Petibon ouviu uma das maiores ovações deste Mozartwoche.
Estas obras sacras de Mozart ouviram-se a par de precedente e posterior música sacra de outros compositores, através de obras que evidenciam uma evidente componente espiritual sem que, em sentido restrito, possam ser consideradas música de igreja. Tais são os casos da Missa em Mi bemol Maior, D 950, de Schubert e outras peças de Bach, Haydn e Mendelssohn.
Moderna, Contemporânea & Cª Mto. Lda.
Todavia, como tive oportunidade de assinalar, na primeira parte deste artigo (JS,22.02.08), à música moderna e contemporânea coube um controverso protagonismo no programa, com uma especial atenção para a música de câmara de Anton Webern (1883-1945) – trios e quartetos de cordas, duetos para violoncelo e piano, violino e piano, bem como canções, que seriam interpretadas com as de Mozart em muitos dos concertos
Tão ou ainda mais polémica seria a inserção de peças de compositores dos nossos dias, como o Offertorium, Concerto para violino e orquestra de Sofia Gubaidulina, obra de extrema espiritualidade, de inequívoca religiosidade que, no violinista Christian Tetzlaff, teve um intérprete de tal modo excepcional que, coisa rara em Salzburg, foi autorizado a conceder um extra, interpretando um excerto de uma das Partitas de Bach.
E, ainda, Streichquartett (Quarteto de Cordas) de Thomas Larcher e Werk für zwei Klaviere und Orchester (Peça para dois pianos e orquestra) de Johannes Maria Staud, obras especialmente encomendadas pela Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg, cuja recepção foi sublinhada com aplausos de circunstância, diria eu saudações de boa educação, que estavam sendo lidas em articulação com os cerca de vinte e cinco ou trinta lugares da Grosse Salle do Mozarteum que - como anteriormente informei, tão escandalosamente vazios, apenas nestes dois evento - comprometiam os objectivos da direcção artística do Mozartwoche. É que as salas esgotam a lotação com um ano de antecedência…
Através de entrevistas especialmente programadas, aqueles compositores tiveram oportunidade de esclarecer acerca das características das obras que ali seriam estreadas. E, naturalmente, foram momentos importantes de elucidação. Mas, igualmente, estava em causa o facto de, através de tais encomendas, o Mozarteum privilegiar uma linha de actuação que alguns observadores e críticos, entre os quais me incluo, consideram colidir com a natureza, estrutura e propósitos do próprio Mozartwoche, num país dos mais propícios ao incentivo dos jovens compositores.
quarta-feira, 5 de março de 2008
Salzburg,
Mozartwoche 2008
A lição de 2008
Mas, tal como ainda é meu propósito, volto ao Mozartwoche 2008, acerca do qual não me embrenharei no detalhe descritivo dos cerca de trinta recitais, concertos de câmara, concertos sinfónicos, coral sinfónicos, missas, conferências, exposições, visionamentos video e sei lá quantos mais eventos que rechearam este festival de Inverno.
Antes de saberem quem e o quê esteve em destaque, considero imprescindível pô-los ao corrente de um facto absolutamente determinante para a história deste festival, já na sua quinquagésima segunda volta, que também passa a constituir exemplo para outros festivais que, eventualmente, se aventurem pelos mesmos terrenos que este decidiu pisar nas últimas edições.
Há uns três anos, a Direcção Artística decidiu investir na integração sistemática de música moderna e contemporânea na programação. Não se tratava de envolver, afinal como tantas vezes fizera, apenas peças de compositores do século vinte da designada Segunda Escola de Viena, Webern ou Schonberg, por exemplo, mas também de Messiaen, Bela Bartók, Lutoslawski, Hindemith ou de autores dos nossos dias, como Jörg Widman, Johannes Maria Staud, Thomas Larcher a quem encomendou obras para estriar durante o Mozartwoche.
Se bem que, constantemente, tivesse havido o sistemático cuidado de preparar um terreno que está cheio de sofisticadas armadilhas, através do recurso aos melhores especialistas, académicos e críticos alemães e austríacos que se encarregaram de fazer palestras de introdução aos concertos – excelentes, posso confirmá-lo já que não devo ter perdido nem uma, durante estes anos – a verdade é que o melómano que procura a Mozartwoche, numa grande percentagem de casos, só com relutância aceitou este figurino.
Enquanto membro da Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg, também eu tive oportunidade de expressar a minha opinião que, com todo o gosto, aqui reproduzo. O que faz com que os mozartianos de todo o mundo demandem Salzburg, em especial, por altura da Mozartwoche, é a busca insaciável dos paradigmas da programação (que recorre apenas aos melhores intérpretes mundiais, concentrando-os na cidade durante quinze dias de glória) e de uma interpretação geralmente considerada como respeitadora dos cânones mais exigentes da linguagem, estilo e demais características específicas da multifacetada obra de Mozart.
Isto que Salzburg supre, há mais de cinquenta anos, isto que nos faz viajar milhares de quilómetros, que sabemos estar ali, ao nosso alcance, pressupõe um quadro mental de atitudes pessoais e de referências que o melómano mozartiano cultiva, a um nível praticamente iniciático já que lhe permite, enquanto adepto eleito e não profano, o acesso a territórios de irrepetível e bem escondida beleza.
Ora bem, a opção da Direcção Artística buliu – e de que maneira!... – com esta moldura de factos adquiridos. Em consequência, pela primeira vez em muitos anos, havia nítidas clareiras de lugares desoladoramente vazios na Grosse Salle do Mozarteum… Já alertados por quanto era previsível vir a acontecer, indícios que estavam a minar a própria coerência, tradições e credibilidade do festival, os responsáveis da Fundação arrepiaram caminho.
Como sempre acontece, já tenho em meu poder o programa do próximo ano e, naturalmente, até já tenho reservados os meus bilhetes. Posso garantir-vos que, em 2009, ano em que se comemora os duzentos anos da morte de Joseph Haydn, compositor que, tão frequentemente, cruzou os seus caminhos com os de Mozart, o Mozartwoche celebra essas afinidades sem quaisquer interferências dos domínios da música mais recente.
Num festival deste calibre, iniciativa em que tudo concorre para a exibição de todos os factores afins das noções de permanência, segurança, previsibilidade; em que o próprio logótipo do festival, os grafismos, a exploração cromática nos vários suportes escrito e audiovisual se mantém com extremo cuidado, qualquer desvio pode ser aquilo que nós costumamos designar como a morte do artista… No entanto, tal não significa que não se corra o risco sempre inerente à Arte em directo.
Aviso:
Notas Diárias dos dias 6 e 7 de Março reproduzirão o artigo que será publicado na próxima edição do Jornal de Sintra.
terça-feira, 4 de março de 2008
Aviso:
Conforme promessa anterior à minha estada em Salzburg, por ocasião da Mozartwoche em Janeiro/Fevereiro 2008, durante os restantes dias desta semana serão publicados neste blogue, sem quaisquer alterações, os textos que, em 22 de Fevereiro e 7 de Março, fazem parte das edições do Jornal de Sintra.
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Mozartwoche 2008
Depois de, em anos anteriores, tanto termos conversado acerca de Salzburg e sabendo eu quem são os meus fiéis leitores, considero poder dispensar-me do enquadramento
histórico-cultural desta belíssima cidade austríaca que tantos consideram não um dos mas o grande centro musical europeu e mundial.
A atestar esta primeira consideração, valerá a pena confirmar que não há outro caso de lugar, em qualquer continente, onde estejam sediados, nada mais nada menos, que oito festivais de música do mais alto gabarito, universalmente reconhecidos como tal. É, na realidade, uma cidade que está preparada para receber milhares de visitantes, especificamente melómanos, que ali podem permanecer durante semanas, satisfazendo todas as suas expectativas.
Neste parágrafo, passarei, de imediato, às revisões da informação veiculada em anos precedentes, sobre aquilo que poderia designar os festivais canónicos, o Mozartwoche, preenchendo a última semana de Janeiro e primeira de Fevereiro, o Osterfestspiele Salzburg, o Festival da Páscoa, nas duas semanas que precedem a Páscoa, o Salzburger Pfingfestspiele, Festival de Pentecostes, por altura desta festa religiosa e o designado Salzburger Festspiele, entre fins de Julho e fins de Agosto, o primeiro a afirmar-se em 1920.
Acrescentarei hoje Szene Salzburg, entre Junho e Julho, vocacionado para a dança contemporânea, teatro, cinema e artes visuais, o Bachfest, durante todo o mês de Outubro, celebrando a música de Bach, já na 83ª edição, o Salzburger Jazz-Herbst, Jazz em Outono, em fins de Outubro e princípios de Novembro e, finalmente, o Salzburger Adventsingen, apenas dedicado aos cantos de Natal, nas duas primeiras semanas de Dezembro.
Como imediatamente se entende, são eventos especiais que seguem o calendário, ao longo do ano. Todavia, para além destes oito festivais, haverá que acrescentar uma imensa oferta diária de espectáculos musicais de ímpar diversidade, que conferem a este lugar um posicionamento único, não só ao nível do que acontece nas salas públicas, mas também no que se refere ao estudo e à investigação, natural e igualmente, do mais alto nível.
Sintra intrometida…
Afinal, ainda no quadro do preâmbulo, passo ao assunto que me traz ao contacto convosco, isto é, dar-vos conta, em linhas muito gerais, do que aconteceu durante as duas semanas do Mozartwoche 2008, do qual acabo de regressar. No entanto, deixai-me que, desde já, vos confesse como, cada vez mais, tenho maior dificuldade em partilhar estas impressões.
Efectivamente, nada me obriga a fazê-lo e, na realidade, apenas sinto que vos devo estes recados, na medida em que o Jornal de Sintra, dá expressão a uma tradição que, exclusivamente pela minha mão, já leva uma boa meia dúzia de anos de concretização, caso único, tanto a nível regional como nacional, porque apesar de ser órgão de imprensa de pequena escala, se permite abordar, um evento cultural tão determinante que, por razões diversas, escapa à lógica dos grandes media.
Ora vamos lá a explicar a tal dificuldade acima mencionada. Ao referir-me não só a Salzburg, mas também a outros locais, por exemplo, Luzern, Bayreuth, Leipzig, Schwarzenberg, Graaz, Eisenstadt ou Munique, onde tenho o privilégio de me deslocar há dezenas de anos, para participar nos respectivos festivais, não consigo evitar a operação mental constante de compará-los com Sintra para, dolorosamente, chegar às mais tristes conclusões.
Reparem que o contexto desta minha confissão, ultrapassa a específica questão dos festivais de Música para, inequivocamente, se relacionar com o modo comum, como aquelas cidades da Áustria, Suiça e Alemanha cuidam, preservam, interpretam e apresentam o seu património natural e edificado, enquanto condição sine qua non para que tudo o resto e, portanto, também a grande Música, seja propício.
Pois, à medida que, ano após ano, todos aqueles lugares melhoram permanentemente, em Sintra os sinais são precisamente contrários, ao ponto de não ter qualquer dificuldade em escrever que, na década de sessenta, a sede do nosso concelho estava muito mais cuidada do que actualmente. Isto é muito doloroso de admitir, é algo que me fere, de tal modo e em permanência, que não consigo alhear-me.
Como não sou enviado especial do Jornal de Sintra e, tendo em consideração que se trata de colaboração sempre graciosa, posso partilhar este sentimento tão especial de frustração que, muito provavelmente, ditará a minha decisão de não continuar a fazer estas crónicas da Europa civilizada, para leitores que, estou certo, compreenderão este condicionamento que acaba por determinar um impedimento. Assim, uma tarefa de comunicação e partilha, que poderia ser tão agradável, torna-se num desassossego que nada me convém.
(continua)
segunda-feira, 3 de março de 2008
Tantas vezes vai o cântaro à fonte…
Não têm conta as vezes em que venho alertando, tanto nestas Notas Diárias como no Jornal de Sintra, apenas referindo suportes escritos, para o problema da sobrelotação dos autocarros da Scoturb, empresa concessionária dos transportes públicos que faz o circuito com destino ao Castelo dos Mouros e Palácio da Pena.
Não só na época estival mas também, durante todo o ano, nos fins de semana e feriados, ao passar pela paragem junto à igreja de São Martinho, em pleno centro histórico, rara será a pessoa que assista àquele espectáculo de encher os veículos até mais não poderem, que não se interrogue se os autocarros em questão não estão obrigados ao respeito de uma lotação limitada.
E, na realidade, igualmente se não percebe como é que pessoas civilizadas, na maior parte dos casos turistas estrangeiros, admitem serem transportadas em condições que tais, perfeitamente à trouxe-mouxe. Hoje em dia, aliás, nem assim é permitido transportar gado... Enfim, devem pensar que, num país atrasado e exótico como Portugal, mais ou menos a resvalar para a América latina, o regime vigente é o do até rebentar…
A autoridade, apenas a uns trinta metros, faz vista grossa. Custa a perceber porquê, mas é assim mesmo, toda a gente o sabe, toda a gente o vê. Uma coisa destas, sistematicamente repetida, pondo em risco a vida de dezenas de pessoas, no sinuoso trajecto da Rampa da Pena, não deixa de constituir um perigoso jogo com a sorte. E, um dia, pode dar para azar…
Longe vá o agouro! Todavia, tal qual aqui o trago, este não passa de mais um dos imensos e famigerados casos de cultura de desleixo que, por vezes, têm trágicas consequências. É que, como diz o ditado, tantas vezes vai o cântaro à fonte…
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