sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Na Sarrazola e em Odrinhas (conclusão)
Mais uma vez, envolvido no destino daquela casa, apenas cumpri o cívico dever de pôr o dedo na ferida, na expectativa de que as autoridades competentes também viessem a cuidar das suas obrigações. E, de facto, assim veio a acontecer já que o assunto acabou por se resolver através do contrato aludido no primeiro parágrafo.
Só hoje, no entanto, considero terminada a minha missão, com o acto de congratulação que já tardava. E, como logo comecei por afirmar, tal só me é possível graças à entrevista de Jorge Telles de Meneses ao director da Escola, Dr. José Furtado, constante da edição do passado dia 19 de Setembro do JS, dando conta do sucesso do labor ali em curso. Recorramos aos números.
A EPAV, tão recentemente instalada, em 2007/08, seu primeiro ano lectivo de funcionamento, acolheu cinco turmas, num total de cem alunos. No ano lectivo seguinte, 2008/09, o actual, a mesma escola já vai com uma frequência de trezentos jovens estudantes, repartidos por quinze turmas! Naturalmente, parabéns!
Desígnio nacional
Mas se isto já era conhecido, em especial por intermédio deste jornal, porque insistir? É que, aqui chegados, impossível é não fazer comparações com o que se passa em Odrinhas. A funcionar em óptimo edifício, cujo investimento público foi necessariamente muito vultuoso, por sua vez, a EPRPS debate-se com grande dificuldade de recrutamento de alunos.
Já há três anos que deixou de ministrar o Curso de Gestão de Espaços Verdes por falta de candidatos. E, igualmente, há dois anos que não consegue pôr a funcionar o Curso de Assistente de Arqueólogo. Com capacidade instalada para ter a funcionar três cursos distintos, a EPRPS apenas mantém um, com um total de cerca de setenta alunos. Contudo, naturalmente, não estão em causa os parâmetros da excelente qualidade dos profissionais saídos da escola.
De qualquer modo, dar os parabéns à EPAV não significa estigmatizar a EPRPS. Como já escrevi nas páginas deste jornal* o Ensino Profissional em Portugal tem que conquistar uma percentagem de candidatos muito mais significativa do que actualmente, impondo-se que escolas profissionais, tão bem apetrechadas como estas do concelho de Sintra, estejam à altura do capital investido e respondam ao desígnio em apreço que é de autêntica sobrevivência nacional.
*JS, 16.06.2006, Quem tem medo dos cursos profissionais?
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Na Sarrazola e em Odrinhas
Enquanto professor e técnico de Educação, poucas notícias me poderiam ter dado tanta satisfação como a que o JS trouxe a público, relativa ao sucesso da Escola Profissional D. Alda Brandão de Vasconcelos que funciona na Sarrazola, freguesia de Colares, em instalações do Ministério da Agricultura, cedidas em regime de comodato.
Por via de regra, à excepção daqueles casos em que o êxito de outrem é alcançado por meios mais ou menos tortuosos, não há quem não se regozija com os sucessos alheios. Contudo, no caso vertente, como hão-de verificar, muitos são os meus motivos de alegria. Preciso recuar uns bons anos para partilhar convosco uma história cujos contornos espelham o modo como tanta coisa acontece no nosso país.
Em meados da década de 90, no desempenho de funções de Director Pedagógico da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra (EPRPS) participei, com mais colegas professores e a então directora do estabelecimento, numa série de reuniões interministeriais – Educação e Agricultura – visando a instalação de um curso que acabaria por se designar como de Gestão de Espaços Verdes.
Não era para desconfiar
Numa dessas reuniões, a representante do Ministério da Agricultura, em nome do Director-Geral de quem dependia e, portanto, também do próprio Ministro da Agricultura, surpreendeu-nos com a proposta da cedência, a título gratuito, das estupendas instalações da Sarrazola. Ali mesmo, a EPRPS – então a funcionar, a título muito precário, em pleno centro do Cacém – poderia sediar as suas especialidades de recuperação do património edificado e também o novo curso que, naquela altura, perspectivava uma forte vertente de recuperação de jardins históricos.
Parecia um sonho, ouro sobre azul… Mas, nada feito. Na altura, a Presidente da Câmara Municipal de Sintra e, igualmente, Presidente do Conselho de Administração da EPRPS, decidiu não aceitar a oferta. Estou em crer que uma tal decisão, aparentemente tão controversa, já que tudo era altamente favorável, se terá devido à previsibilidade da futura instalação em Odrinhas, em edifício próprio, que veio a acontecer muitos anos depois. De qualquer modo, ocorre-me ter sido invocado o argumento da grande periferia de Colares e as dificuldades de acesso à Sarrazola.
Entretanto, as instalações que eram invejáveis, concebidas para o funcionamento de sofisticado centro de formação, devidamente equipado com as diferentes e habituais componentes, que a Câmara Municipal de Sintra não quis aceitar de mão beijada, foram-se degradando, inapelavelmente sujeitas a várias e sucessivas campanhas de vandalismo.
Até que, na sua edição de 11 de Novembro de 2005, o JS, através de artigos subscritos pelo então director, João Rodil, Graça Pedroso e por mim próprio, recorrendo a fotos bem elucidativas, denunciou o escândalo do abandono da Sarrazola que, cumulativamente, era uma ofensa à memória de um grande benemérito, o Dr. Brandão de Vasconcelos, cujo testamento era inequívoco relativamente às actividades escolares que ali poderiam ser concretizadas, afins dos ofícios relacionados com a realidade agrícola.
domingo, 26 de outubro de 2008
Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra,
Professor Dr. Fernando Seara
Em Maio de 2008 esteve em discussão pública o Programa de Acção Territorial (PAT) de Monte Santos (LT/1362/2006), loteamento resultante de uma parceria entre a CMS e vários proprietários, reunidos num fundo de investimento.
Os subscritores desta carta consideram que tal intervenção, por se realizar numa área extremamente sensível, põe em causa a própria identidade da Vila de Sintra, contribuindo para que, em nome do desenvolvimento da actividade turística e de uma “oferta de excelência”, um anel de cimento comece a ganhar corpo em torno do território classificado pela UNESCO como Paisagem Cultural da Humanidade.
Ana Cristina Figueiredo – Jurista,
Ana Matias - Investigadora em Ciências Sociais,
André Beja – Enfermeiro, Arménia das Neves Pereira Vital – Aposentada, Carla Luís – Jurista, César Lopes – Museólogo,
Eduardo Leite – Arquivista, Eugénio Sequeira - Eng. Agrónomo, Fátima
Castanheira – Tradutora, Fernando Sousa – Jornalista, Francisco Amorim (Kiko) -
Músico da Kumpania Algazarra, Filipe Pedrosa – Engenheiro, Filomena Oliveira –
Encenadora, Filomena Marona Beja – Escritora, Flora Silva - Animadora Social,
Galopim de Carvalho - Professor Universitário, Henrique Arede – Geógrafo, Isabel
Duarte – Professora, João Cachado - Professor aposentado, João de Mello Alvim –
Professor, João Silva – Professor, Jorge Cardoso – Designer, José Alberto Matias -
Profissional de Seguros, Liliana Póvoas – Geóloga, Luís Manuel Vital – Aposentado,
Luís Martins - Professor/Escritor, Maria Almira Medina - Professora Aposentada.
Maria de Magalhães Ramalho – Arqueóloga, Maria José Ferreira – Pintora, Maria
Trindade Serralheiro – Documentalista, Miguel Caeeiro (RAM) - Artista urbano
Miguel Ramalho – Geólogo, Paula Mascarenhas - Professora Universitária, Pedro
Macieira, Rómulo Machado – Advogado, Rosália Maçã – Professora, Rui Braz-
Produtor de espectáculos, Rui Távora - Funcionário Público, Teresa Sampaio –
Secretária, Victor dos Reis - Artista Plástico, Victor Ricardo – Aposentado
Grupo Ecológico de Cascais,
Liga para a Protecção da Natureza,
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A propósito deste assunto, publiquei no Jornal de Sintra, 13 de Junho de 2008, um artigo subordinado ao título Centro histórico: tratar do lixo, do qual me permito transcrever a seguinte passagem:
O que hoje acontece em Monte Santos, sucederá amanhã noutro qualquer privilegiado e apetecível lugar de Sintra. Deverá redobrar a atenção para que tais manobras não passem do papel, como tem acontecido com o Vale da Raposa. Em simultâneo, contudo, urge acudir à desgraça da degradação que por aí grassa.
De facto, aquilo que há a fazer é incompatível com a descaracterização do lugar e deve concretizar-se, concertadamente, procurando abranger e envolver todos os interessados, auscultando a comunidade, ao encontro do parecer das associações representativas dos vários interesses em presença.
E, com todo o sentido de realismo e não menor generosidade, apresentando o mais aliciante conjunto de incentivos. É preciso tratar do lixo sem mais adiamentos, sem mais uma fuga para a frente. Se assim não for, continuaremos a viver a oportunidade perdida. Ora bem, não acham que já vai sendo tempo de fazer agulha noutra direcção? Não acham que já vivemos demasiada dose de lixo ? Não acham que já basta de cultura do desleixo?"
Comparações?
Cuidado…
Ainda a propósito das abusivas comparações, em que tanto se comprazem os nossos políticos, aludidas no texto precedente, lembraria que na Grécia – país sempre à mão para buscar companhia na desgraça – já há cerca de vinte anos, a taxa de alfabetização rondava os 96%. E, também há cerca de duas décadas, os cidadãos gregos gastavam, em bens culturais, quatro vezes mais do que os portugueses…
Como é público e manifesto, a classe política portuguesa que recorre a manigâncias que tais, grosso modo, é de qualidade muito reles. Por enquanto, neste reino de mediocridade, os chicos espertos sabem muito bem como dar a volta à ignara gente que engrossa as estatísticas do analfabetismo e da iliteracia. Por isso se permitem fazer impossíveis e desonestas comparações. Por isso se permitem, cada vez mais, uma governação de recurso a atitudes de cacique, como a da distribuição do Magalhães, edição actualizada da oferta de televisores em Gondomar.
Entretanto, mesmo que, entre nós, nada fosse feito para remediar situações perfeitamente remediáveis, como a do analfabetismo absoluto, sabem como ele acabará? Pois, muito naturalmente, as estatísticas irão melhorando à medida que os analfabetos forem morrendo. Nem mais, é tão radical que só é pena levar tanto tempo e não saia nada barato ao país. Mas, em Portugal, com tão iluminadas cabeças governantes, a estratégia teem sido esta.
Não deixa de ser quase trágico que isto mesmo já se dissesse, no quadro de certo humor negro, no princípio da década de oitenta, entre Técnicos de Educação, no seio da equipa à qual eu próprio pertencia, na Direcção-Geral de Educação Permanente do Ministério da Educação. Contudo, passados quase trinta anos, jamais pensei que humor tão cáustico pudesse continuar a ser pertinente... De facto, com o povo em adormecida letargia, estupidificado por uma televisão que o entorpece, à compita com uma Educação à deriva, certamente não estará para breve o salto qualitativo a que há direito.
Analfabetismo? Iliteracia? Subdesenvolvimento? E em Sintra? Mas alguém tem dúvida? Provavelmente, o melhor é lembrar alguns números. Dos 5% de portugueses (cerca de meio milhão) que habitam no concelho de Sintra, 20% (cerca de cem mil) são pobres, daquela pobreza que Alfredo Bruto da Costa tem caracterizado como endémica, geracional, que nada ou muito pouco tem a ver com a pobreza que também existe em França, na Alemanha, na Holanda, etc.
Por favor, cuidado com as comparações. É que, naqueles países, até pode haver certa percentagem de iliteracia mas, praticamente, não há analfabetismo. De qualquer modo, também entre nós existe uma esclarecida élite que, em tempo oportuno - talvez dentro de uma geração!... - avançará a tomar o lugar que lhe compete. Até lá, importa estar atento aos sinais e, na medida do possível, não autorizar ou, enfim, suster o habitual regabofe.
sábado, 25 de outubro de 2008
Sistema Educativo e
Concelho adiado *
(conclusão)
Ensino Secundário alternativo
Temos dezenas de milhar de jovens licenciados, infelizes, desempregados e à procura do primeiro emprego, «dê erres» sonhados pelas famílias e por eles próprios, de acordo com um modelo completamente ultrapassado, que nada tem a ver com a felicidade de cada um nem com as necessidades do país. Como é possível que a comunidade nacional se permita o luxo de um tal investimento não reprodutivo?
Ora bem, há outras modalidades de frequência do Ensino Secundário, como os Cursos Profissionais que, preparando os jovens para o mercado de trabalho, vão ao encontro das mais instantes necessidades nacionais e, em qualquer altura, permitem o subsequente acesso ao Ensino Superior.
Não há direito que os Cursos Profissionais não sejam devidamente divulgados e promovidos. Aliás, ao contrário do que seria desejável, parece impossível que haja «professores»(?!) empenhados na divulgação da erradíssima e injusta ideia de que os cursos profissionais apenas são alternativa para quem não consegue aceder aos outros, os tais considerados «normais» que, afinal, estão a gerar tanta angústia e anormalidade.
*Publicado no Jornal de Sintra,26.05.06
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Vd., neste mesmo blogue, os dois textos precedentes subordinados ao título Quem tem medo dos cursos profissionais.
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Das razões que facilitam o entendimento do estado do país e do adiado concelho de Sintra
Sistema Educativo
e Concelho Adiado
Se fosse necessário ir em demanda da razão que, em última instância, justificaria o «adiamento» de tantos concelhos deste país, encontrá-la-íamos, quase de certeza, entre as inúmeras contradições do Sistema Educativo em que as crianças e jovens deste país se enquadram.
Em Portugal há um grande número de questões essenciais por resolver, pressupondo o envolvimento do Sistema Educativo que, não sendo problemas exclusivos da Educação, carecem de abordagem integrada, global, portanto, não confinada ao sector que, aparentemente, teria a ver com a sua resolução.
Logo no topo da lista, se agigantam o analfabetismo pleno - que, em Portugal, de acordo com o último Censo, ainda consegue ultrapassar a taxa dos 10% - e os extremamente baixos e preocupantes níveis de literacia. Importa ainda ter presente que, de acordo com o mesmo Censo, 17,8% da população entre os 15 e os 64 anos de idade não possui qualquer grau de escolaridade completo!
Com o objectivo de vos permitir um acesso minimamente facilitado a esta problemática, tenham em consideração que, numa escala de cinco níveis de literacia - desde 0 (zero), o mínimo, até 4 (quatro), o mais elevado
- 10,3% da população adulta portuguesa está afecta ao nível zero (cerca de seiscentas mil pessoas);
- 37% ao nível um (2,3 milhões de indivíduos);
- 32,1% ao nível dois (2 milhões de pessoas);
- 12,7% no nível três (aproximadamente 800 mil pessoas);
- e que, no nível quatro estão apenas 7,9% (cerca de 480 mil pessoas). *
Nada invejável
No contexto de vinte e cinco países da União Europeia, estes são dos mais baixos índices (*), estão em constante articulação e, naturalmente, a nível interno e nas instâncias internacionais, são objecto de comparação com os padrões socioeconómicos e culturais, comuns às sociedades consideradas desenvolvidas a Norte, no centro e mesmo no Sul deste privilegiado continente em que nos integramos.
À luz de tão sintomática estatística,
- como não entender a cultura do desleixo à qual tantas vezes me tenho referido nestas páginas?
- Como não entender a falta de civismo, desresponsabilização, a subliminar economia paralela, aquele tipo de permanentes fraudes do quotidiano viver português, ditado por vidas miseráveis só comparáveis às do terceiro mundo?
- Como não entender a ceifa diária de vidas nas estradas de Portugal?
- Como não entender as horas de adormecimento e entorpecimento social diante do televisor?
Como todos vamos sabendo mas, por vezes, parece esquecermos, aquele quadro de perfeita indigência, está na origem da maioria das nossas razões de queixa, do nosso difícil viver como nação e, quer a montante quer a jusante, continuam a determinar a proverbial falta de auto-estima e desconfiança nas capacidades de cada cidadão e do país em ultrapassar dificuldades tão endémicas.
O Sol e a peneira
Em autêntico desespero de causa, não raro, assistimos a tentativas frustres de certos responsáveis, apontando determinadas soluções alheias como horizonte praticável e panaceia para eliminar as nossas mais gritantes dificuldades. Chega a ser ofensivo para a inteligência de cada um, que políticos, líderes de opinião, jornalistas, se permitam apontar a adopção de estratégias que, supostamente, conduziriam o país ao alcance de resultados próximos de modelos de sucesso como o que, ultimamente, tem acontecido com o caso finlandês.
Na realidade, é possível isolar, descontextualizar um determinado item educacional da sociedade finlandesa e apontá-lo como meta atingível em Portugal ou noutro lado qualquer. Claro que é possível mas não é honesto… Porque os estudantes finlandeses, dos vários ramos e graus de ensino, vivem em contextos familiares completamente diferentes dos nossos, são cidadãos de um país onde não há analfabetismo, onde o consumo de bens culturais está a uma tal distância que nos assalta uma sensação de sofrida vergonha.
Esperar-se-ia que, nomeadamente, os decisores políticos interviessem de modo operacional e consentâneo com as exigências impostas pelo gravíssimo momento que o país atravessa. Nos últimos anos, apenas uma vez me pareceu que um político apontou, com dedo de estadista, uma das feridas resultantes da doença que atinge a sociedade portuguesa, causada por circunstâncias que o Sistema Educativo, em intervenção integrada com outros sectores e sistemas sociais, poderá ajudar a resolver.
Esperança na Educação
Refiro-me a José Sócrates, a quem não posso atribuir o «estatuto de estadista» que, na verdade, gostaria que tivesse o Primeiro Ministro do meu país, independentemente da sua filiação partidária. ** E, para o efeito desta referência, tenho em consideração uma sua intervenção no Parlamento, em 2005, durante a qual se comprometeu, por um lado, com a necessidade de concretizar medidas tendentes ao reenquadramento dos jovens que abandonaram precocemente o Sistema Educativo sem qualquer certificação e, por outro, com a estratégia de desenvolver seriamente o subsistema de concessão de equivalência de escolaridade obrigatória a cidadãos adultos activos.
Com toda a sinceridade, não consigo discernir que estes dois legítimos e oportuníssimos propósitos possam fazer o caminho que todos gostaríamos que acontecesse sem uma outra medida de relevância absolutamente determinante para o futuro de Portugal e de todos os seus concelhos, por enquanto, ainda em vias de adiamento.
Estou a pensar na absoluta necessidade de inverter a situação do ensino Secundário que, actualmente, ainda regista uma taxa de frequência de cerca de 71% nos cursos científico-humanísticos que para mais nada servem senão o imediato acesso ao Ensino Superior. Quem estiver habituado a observar quadros estatísticos acerca do Sistema Educativo e a deles retirar as conclusões mais pertinentes, imediatamente se apercebe de como tal situação compromete o futuro do país.
(continua)
* A Literacia em Portugal, Resultados de uma pesquisa extensiva e monográfica, Ana Benavente (coordenadora), Alexandre Rosa, António Firmino da Costa e Patrícia Ávila, Fundação Calouste Gulbenkian e Conselho Nacional de Educação, Lisboa, 1996.** Em minha opinião, depois de Maria de Lourdes Pintasilgo, nenhum político nacional se perfilou que mereça a designação de estadista.
(artigo de João Cachado publicado no JS,26.05.06)
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
dos cursos profissionais?
(conclusão)
Convite irrecusável
Para quem ainda possa alimentar qualquer animosidade contra os cursos profissionais do Ensino Secundário - cujo maior pecado, pasme-se, é possibilitarem o acesso imediato ao mercado de trabalho!... – aconselho vivamente, com a maior pertinência, com a maior seriedade, que vá assistir às provas públicas finais a que são submetidos os alunos desses cursos. É um convite aos pais e encarregados de educação, aos professores, aos jovens estudantes, que formulo com a prévia ponta de ironia que resulta de saber como vai ficar surpreendido quem aceitar a sugestão.
Assistir à apresentação de uma PAP (Prova de Aptidão Profissional) constitui o assumido privilégio de perceber como é possível dar a volta a um Sistema de Ensino anquilosado, viciado por dezenas e dezenas de anos de más práticas, relutante à mudança e à inovação pedagógica. Permitam-me um aparte para vos lembrar que são da mesma massa os jovens que, terminado um curso profissional – ao contrário dos seus colegas dos ditos cursos «normais» - demonstram o domínio de um saber-fazer específico que lhes abre a porta ao trabalho imediato, com uma taxa de empregabilidade superior a oitenta por cento! São da mesma massa, têm sucesso mas o seu exemplo não é divulgado. Porque será?
Aceitem o convite. Vão. Vão assistir à apresentação das PAP. No nosso concelho, têm a sorte de poder fazê-lo com os alunos finalistas de uma das Escolas Profissionais de maior sucesso a nível nacional. Trata-se da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra, sedeada na Freguesia da Terrugem, no contexto de um invejável complexo de estruturas culturais que também abrange o Museu de Arqueologia de São Miguel, em Odrinhas, ambos organicamente dependentes do município de Sintra através da SintraQuorum, a empresa municipal que, igualmente, gere o Centro Cultural Olga Cadaval.
A prova real
A EPRPS ministra cursos de recuperação de Património Edificado - nas especialidades de azulejaria, cantaria, estuque, madeiras, metais, pintura mural – e de Gestão e Recuperação de Espaços Verdes. É apenas um entre os muitos casos que, felizmente, bem conheço. Se a ele recorro é, tão somente, porque acontece neste concelho adiado que, para mal dos nossos pecados, nem sequer sabe promover devidamente os seus próprios casos de excelência.
Certamente, gostarão de assistir à apresentação de trabalhos sofisticados pelos alunos finalistas que disponibilizam, esclarecem e defendem os seus relatórios escritos, auxiliados pelos meios informáticos mais adequados e operacionais, perante um júri alargado de membros que, para além de professores da Escola, inclui representantes de entidades públicas e privadas relacionadas com as especialidades de profissionalização adquirida bem como dos potenciais empregadores.
Não são raros os testemunhos de professores do Ensino Superior, que integraram júris de PAP deste estabelecimento de ensino, afirmando a sua surpresa perante a alta qualidade dos trabalhos em presença, com características perfeitamente universitárias. Como não ficar escandalizado com a opinião de autênticos terroristas que propalam a falsa ideia de que estes são cursos para gente desprovida de capacidade, uma espécie de segunda oportunidade para mentecaptos?
Quem tem medo dos cursos profissionais? Sem dúvida, a mesma gente que ajuda a manter a situação testemunhada pelos números inicialmente apresentados. Pois bem, ou acontece a mudança, se invertem os índices e o país é capaz de preparar a juventude para os desafios de profissões cuja habilitação não implica a passagem pela universidade ou, então, permanece este estado de inconsciência militante, que leva a comunidade a ter de sustentar dezenas de milhar de licenciados desqualificados, infelizes, improdutivos.
É uma lástima, sem dúvida, mas evitável.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Quem tem medo
dos cursos profissionais?
Subordinado a este título publiquei, no Jornal de Sintra de 16.06.2006, um artigo cujos contornos, apesar da passagem do tempo, não se alteraram tão significativamente quanto é justo e possível fazer. Verdade é que o Governo está empenhado na alteração do quadro de referência actual. Todavia, por considerar que as linhas gerais daquele artigo continuam pertinentes, resolvi trazer o assunto ao sintradoavesso no sentido de, se assim entenderem, propiciar mais uma janela de discussão.
……………………….....
Basta olhar para o quadro estatístico seguinte para, de imediato, perceber como Portugal é um país com o futuro comprometido. Trata-se de números recentes, referentes ao ano lectivo de 2004/05, recolhidos e publicados pelo GIASE (Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo) do próprio Ministério da Educação:
Percentagem dos alunos matriculados, no Ensino Secundário, por tipologias de formação:
Ensino Regular: 70,8%
Ensino Recorrente: 18,7%
Ensino Profissional: 9,6%
Outro Ensino Profissional: 0,2%
Ensino Artístico Especializado (regime integrado): 0,7%
Maioritária e tão expressivamente que não pode deixar de causar tremenda preocupação, os jovens portugueses matriculam-se em modalidades do Ensino Secundário que apenas os habilitam a prosseguir estudos no Ensino Superior, não chegando a dez por cento o total da procura de cursos profissionais que habilitam à imediata inserção no mercado do trabalho. No conjunto de países da União Europeia em que o nosso se integra e fazendo parte da zona de moeda única, não há situação tão aflitiva que se lhe possa comparar.
As faces da moeda
Por um lado, em termos gerais, não há empreendedor que decida montar uma unidade comercial, industrial ou do sector dos serviços, moderna e competitiva, que não encontre a maior dificuldade no recrutamento de mão de obra jovem, devidamente habilitada, aberta à mudança, capaz de responder aos reptos constantemente lançados pela competitividade, no quadro de uma globalização cujos contornos, causas e consequências ainda muito mal são equacionados.
Em contrapartida, por outro, ano após ano, tanto as Escolas Secundárias como a universidade e o politécnico vão devolvendo à comunidade um desproporcionado conjunto de cidadãos – cerca de quarenta por cento dos candidatos - que, tendo começado a frequentar os níveis de ensino em referência, os abandonam sem qualquer habilitação que, minimamente, permita uma adequada integração no mercado de trabalho.
Tão grave ou ainda mais do que esta situação de abandono, sem qualquer qualificação, é a daqueles que, pura e simplesmente, não encontram colocação no mercado de trabalho embora tenham conseguido terminar a sua licenciatura. Nesta situação, Portugal tem mais de quarenta mil jovens licenciados, desempregados, à procura do primeiro emprego.
A miragem do «dr»
Na ânsia da obtenção de um «dê erre» a qualquer preço ou, melhor, mediante um preço que confira estatuto social, nem os jovens nem as famílias perceberam que estavam a hipotecar o futuro pela miragem do horizonte do sucesso através de um canudo entendido como lâmpada de Aladino… Na realidade, hoje em dia, o ambicionado canudo não abre as portas que outrora franqueava e, não raro, transformou-se num peso morto e apenas mero símbolo das renúncias e sacrifícios a que a sua obtenção obrigou.
Entretanto, em consequência desta distorção, não existe a mão de obra qualificada que a escolaridade de doze anos deveria ter produzido se, na sequência dos nove anos de Ensino Básico, muitos jovens tivessem enveredado pelas modalidades do Ensino Secundário com vertente profissional que permitem imediato acesso ao mercado de trabalho sem jamais comprometer o acesso ao Ensino Superior.
Ora bem, uma das maneiras de assegurar que o nosso seja, cada vez menos, um concelho adiado passa pela capacidade de mobilização para o esclarecimento junto das famílias dos jovens que, neste momento, estão a terminar o 9º ano de escolaridade, ajudando-as a constituírem-se como defensoras da alternativa da modalidade de Ensino Secundário que mais convém tanto aos jovens educandos como ao concelho e ao país.
Informar é o caminho
Assim sendo, impõe-se não admitir que haja sequer uma escola onde um qualquer professor ou funcionário administrativo, por manifesta ignorância ou má fé, se permita fazer passar a ideia, perante alunos e famílias, de que um curso profissional é apenas uma modalidade destinada aos estudantes que não conseguem ter sucesso nos cursos considerados normais.
Os tais cursos normais, do Ensino Regular, estão a montante de situações extremamente preocupantes, discutíveis e controversas. E de tal modo assim é, que se impõe a promoção de reuniões e sessões de informação através das quais todos os intervenientes adquiram os instrumentos adequados à tomada da melhor decisão quanto à modalidade de ensino mais acertada a cada caso em análise.
Há que ter em consideração um facto absolutamente determinante e decisivo para quem, de todo em todo, apesar de pensar num facilitado ingresso no mercado do trabalho, entre os dezoito e os vinte anos, não pretende perder de vista a hipótese de continuar a estudar: é que qualquer das quatro modalidades de Ensino Secundário – cursos Cientifico-Humanísticos, Tecnológicos, Artísticos Especializados, Profissionais – permite o prosseguimento de estudos no Ensino Superior.
De qualquer modo, urge alterar drasticamente a situação de frequência do Ensino Secundário, privilegiando, indiscutivelmente, as propostas profissionalizantes. Para o efeito, há todo um trabalho a desenvolver entre a Escola e a Família, entre professores e representantes das associações de pais, um sério esclarecimento junto dos alunos. Se não há tempo a perder, porque não vemos nós as escolas básicas de 2º e 3º ciclos promovendo tal trabalho de sistemática informação?
(continua)
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Seteais,
polémica no Vale dos Anjos
(conclusão)
Respostas urgentes
Por ocasião da hasta pública, quer durante as visitas autorizadas quer através da leitura dos documentos disponibilizados, apenas se identificava como única edificação existente para habitação, a casa onde residia o caseiro. Ora bem, no local actualmente objecto de intervenção, bem visível da estrada agora e no passado, não parece ter alguma vez existido qualquer construção. Pelo contrário, até há bem pouco tempo, era um excelente campo agrícola, parcialmente explorado como horta e outra parte como campo de cultura de flores, tudo cuidadosamente tratado pelo caseiro.
Para além da questão anteriormente formulada, urge esclarecer como é possível uma edificação que, nos termos do alvará constante do aviso, se destina a habitação, numa zona de alta protecção patrimonial e paisagística. Igualmente pertinente a dúvida a elucidar quanto ao parecer favorável do IGESPAR, afim de uma edificação nova, em local cuja cota é superior à do fronteiro Palácio de Seteais, integrando bens patrimoniais classificados.
Por outro lado, se houve parecer favorável do ICNB (que superintende ao Parque Natural Sintra Cascais), sob o aparente pretexto de se tratar de uma reconstrução, onde pára o suporte técnico que, com base na verificação cuidadosa das comprovações apresentadas, relativamente às pré-existências, permitiu suportar tecnicamente a autorização concedida à empresa Quifel, Administração de Imóveis, Lda., que, ao buscarmos na Internet, verificámos ter o Engº Miguel Maria de Sá Pais do Amaral como administrador?
Ou será que, afinal, a reconstrução autorizada se refere tão só à discreta casa do caseiro, que de pequena passará a enorme, que de sabiamente localizada fora da vista da estrada e dos vizinhos e bem envolvida pela vegetação passará a querer mostrar-se no seu esplendor e competir com a Palácio de Seteais? Porque até pode ser que, apesar de se estar numa zona de protecção aonde é interdita "qualquer alteração no relevo e a remoção da camada superficial do solo arável", a revolução de terras a que assistimos e os volumosos montes que vemos a crescer, em completo desrespeito pelo ordenamento existente, não sejam mais do que acessos para escavadoras e monumental estaleiro de obra.
Para os amantes e conhecedores de Sintra, preocupados com a sua preservação, é este o esclarecimento que se impõe, pelo que se aguarda a sua publicitação porquanto, até ao momento, e depois de uma boa quantidade de diligências, ninguém conhece ou tem memória de qualquer construção pré-existente cujas dimensões e características pudessem ter suportado decisão tão polémica.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Seteais,
polémica no Vale dos Anjos
Pois é verdade. Bem pode afirmar-se que, mesmo sem recurso ao eco, o lugar de Seteais continua a queixar-se. Porém, apesar da geral indiferença, seus lamentos acabam por chegar aos ouvidos de quem não desiste de prestar atenção especial aos sinais de desassossego que, infelizmente, por ali são férteis. Vejamos então como estas não são vãs palavras.
Primeiramente, o encerramento do terreiro. Com base em falaciosos argumentos de segurança – que impediriam o acesso à única área reivindicada de visitas enquanto decorrem as obras, ou seja, o relvado central – mas, de qualquer modo, espaldado pela titubeante atitude da autarquia, o hoteleiro concessionário permitiu-se encerrar o terreiro público, numa atitude tão gratuita quanto ofensiva dos interesses da comunidade sintrense que, em tempo oportuno, manifestou o correspondente desagrado.
Como se tal não bastasse, beneficiando de um incompreensível e lamentável parecer favorável do IGESPAR, foi destruído o conhecido e ingénuo tanque implantado num recanto de lazer da propriedade, bem visível da estrada que segue para Monserrate e Colares. Contra o espírito do lugar e descaracterizando-o irremediavelmente, num acto de autêntica profanação, aproveitando os muros do tanque, está a ser construída uma casa de máquinas, encimada pela cosmética paliativa de um pacóvio espelho de água, hipoteticamente reparador da ofensa perpetrada.
Não há duas sem três
Àquele que era um espaço propício ao convívio dos mortais com deuses e anjos, faltava um terceiro – e derradeiro? – disparate para que se transformasse no lugar geométrico da, já proverbial, sintrense asneira institucionalizada. Vamos aos factos. Tudo se passa na Quinta do Vale dos Anjos, do outro lado da estrada, onde de tal monta são os trabalhos de movimentação de terras em curso que não poderiam deixar de suscitar a natural curiosidade de quem, como é o meu caso, ali passa diariamente a pé.
Há cerca de dois meses, quando houve necessidade de derrubar o muro que bordeja a quinta, para permitir o acesso de máquinas e viaturas, revelou-se o reboliço. Em pouco tempo, atingiu escala perfeitamente inusitada o monte de terra subtraída a uma zona de difícil avistamento da estrada, monte que, entretanto, agora bem perceptível, se vinha acumulando em quantidade e volume desmesurados, precisamente junto à mencionada entrada.
Fez-se esperar mas acabou por aparecer o aviso relativo à obra, embora num local escondido, e a uma tal altura que impede a leitura à vista desarmada. Dificilmente me convencerão de que foi fruto do acaso a colocação do aviso com tamanha dificuldade de acesso à informação nele contida. Enfim, como o mal não era irremediável, muni-me do indispensável binóculo e, finalmente, acabei por aceder ao que passo a partilhar convosco.
Desconchavo
Trata-se da construção de uma habitação cuja área coberta é, nem mais nem menos do que 1.316,51 metros quadrados, distribuídos por dois pisos acima da cota soleira, somando 872,81 metros quadrados, e ainda mais um, abaixo da cota soleira com 443,70 metros quadrados. A cércea anunciada é de 5,20 metros. Como calculam, quando a estes números cheguei, fiquei de boca tão aberta como a vossa…
Como é possível que, em plena zona nuclear do Parque Natural Sintra Cascais (área de protecção parcial tipo 1 do Plano de Ordenamento) aonde é interdita "a edificação e ampliação de construções", na zona inscrita da Paisagem Cultural classificada pela UNESCO, em frente do Palácio de Seteais, imóvel classificado como de interesse público (palácio, construções e terreiro vedado, jardins, terraços e quinta) e propriedade do Estado, tenha sido autorizada e esteja em construção uma habitação com tais características?
Numa primeira tentativa de esclarecimento, contactado o Parque Natural Sintra Cascais, (que integra o Departamento de Gestão da Área Classificada de Litoral de Lisboa e Oeste) obteve-se informação de que, por se tratar de uma reconstrução, o projecto merecera parecer favorável do Parque.
Importa lembrar haver muita gente que bem conhece esta propriedade, vendida há cerca de quinze anos, em segunda hasta pública, já que, na primeira, a oferta de compra fora insuficiente. Muito a propósito, tenha-se em consideração que os raros candidatos à compra e o preço pouco elevado por que foi adquirida, encontravam justificação, precisamente, na inexistência de habitação condigna para uma quinta com uma área total de cerca de treze hectares.
(continua)
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
(conclusão)
O outro protagonista desta história é o Igespar. Compete-lhe, em nome do Estado, a salvaguarda dos bens patrimoniais que, para além dos já estudados, inventariados e em usufruto público, venham a ser detectados a partir de vestígios e postos a descoberto, como no caso vertente. Da eficácia da sua actuação muito depende o aumento, o benefício ou o desgaste e depreciação do património cultural.
Em Sintra, não poderá afirmar-se que, na actualidade, possamos dar nota positiva à actuação do Igespar. Basta lembrar o que está a acontecer em Seteais, nomeadamente, no que se refere à destruição do tanque e construção de uma inqualificável casa de máquinas, projecto que, no âmbito da actividade de acompanhamento das obras de recuperação em curso na propriedade, obteve o parecer favorável e autorização daquele organismo dependente do Ministério da Cultura.
Estamos certos de que, no caso da A16, a autarquia de Sintra não vai claudicar, uma vez que tem actuado com notável discrição, inteirando-se dos aspectos que importa considerar. É de esperar que o Igespar se renda à evidência de que a melhor solução, isto é, a única solução, passa por impor ao construtor a obrigação de respeitar os superiores interesses da Cultura.
É que não passa pela cabeça de ninguém que o Igespar, implícita ou explicitamente, se responsabilizaria por uma atitude de barbárie, contemporizando com jogadas de agendas apressadas, em que os calendários da referida construtora se confundiriam com os do ciclo eleitoral e, em particular, do partido político que suporta o governo do país.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Arqueologia na A16
(continuação)
Uma questão de dignidade
Em princípio, não é nada saudável e poderá considerar-se mesmo prejudicial equacionar processos de intenção seja a quem for. Em princípio, escrevemos nós. Portanto, para que conste e não nos apelidem de militantes da descrença, registe-se que sempre nos animam as melhores intenções e que estas apenas cessam, para dar lugar à dúvida, quando esbarram com indícios comprometedores. Eventualmente, estaremos perante circunstância que tal? Como responder?
Confrontados com uma notícia do jornal Público, do passado domingo, dia 5 de Outubro, ficámos a saber, através do testemunho de um arqueólogo, sob a condição de anonimato – a isto chegámos!... – que alguns técnicos do Igespar estariam a preparar a bizarra (sic) proposta de patrocinar a selagem do local sem a sistemática investigação que se impõe.
Ao referido jornal, o Dr. Cardim também declarou que deve ser consignado um período mais dilatado para a intervenção arqueológica, não avançando já com o aterro “(…) que pode cumprir formalismos administrativos mas não salvaguarda o património (…) para que os vestígios sejam devidamente estudados, sob pena de ocorrer a maior destruição consciente, e superiormente escudada, de património arqueológico, desde sempre, no concelho de Sintra (…)”.
Confessem que, no mínimo, é de ficar de pé atrás. Enfim, é importante acrescentar que a Câmara Municipal de Sintra disporá de toda a informação pertinente, já que o Dr. Cardim Ribeiro, conhecido arqueólogo e Director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, em devido tempo, subscreveu e entregou à consideração superior o relatório que se impunha produzir, em termos que habilitam os autarcas à melhor decisão.
Quanto à comunidade científica nacional, também estamos em crer que, por um lado, as academias e, por outro, a Associação dos Arqueólogos, não deixarão de espaldar as preocupações de quem, tão justa e dignamente, tem vindo a público denunciar o que não pode nem deve ser calado. Nestes termos, tudo parece apontar no sentido de que a Câmara possa dirimir esta causa, com os melhores argumentos, ao encontro da solução que a todos mais interessa.
Privados e públicos interesses
Na ponta do processo, como concretizador da obra, destaque máximo para a Lusolisboa, empresa do Grupo Aenor, participada pela grande construtora Mota-Engil, cujo Presidente do Conselho de Administração é, nem mais nem menos, que o recém recrutado Dr. Jorge Coelho, conhecido peso pesado do Partido Socialista, ex-ministro das Obras Públicas, que tanta celeuma suscitou com a sua ida para um consórcio da construção civil envolvido em inúmeros negócios com o Estado.
(continua)
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Arqueologia na A16
A bem dizer, não deve haver domínio algum da Defesa do Património que, em Sintra, não tenhamos de considerar. Com um património histórico riquíssimo em todos os aspectos, desde as mais remotas épocas até à actualidade, e com tantas frentes de luta em aberto, Sintra nem sequer concede tempo bastante para retemperar forças, depois da denúncia de uma causa e do envolvimento no combate respectivo.
De combate, sim. De constantes desafio e combate falamos. Não tenhamos receio das palavras. Trata-se de lutas em que não há lugar para vacilações, onde gente corajosa e frontal não tem a mínima hipótese de se proteger sob qualquer capa de processo administrativo nem secretária de cómodo gabinete de serviço autárquico ou de Ministério.
Vamos a factos. Desta vez, a comunidade cultural, tanto a nível nacional como local, foi alertada pela comunicação posta a circular na net, subscrita pelo arqueólogo e catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Prof. Doutor José d’Encarnação, quanto à possibilidade de trabalhos em curso na A16 poderem destruir vestígios romanos e islâmicos.
A denúncia
Pela indiscutível importância da matéria em apreço, permitimo-nos reproduzir na íntegra, com a devida vénia, a notícia que provocou o natural alvoroço e desassossego em todos quantos nos interessamos e estamos indissociavelmente envolvidos na causa da defesa do património de Sintra (sublinhado nosso):
«Iminente uma destruição em Sintra. Como consequência dos estudos de impacte ambiental prévios à determinação do traçado do IC30, assinalou-se a existência de uma importante estação arqueológica no Telhal, onde, de resto, já haviam sido referenciados vestígios romanos.
São testemunhos tardo-romanos e islâmicos numa área bastante mais vasta do que aquela que inicialmente se supunha, de que parte já foi destruída quando se procedeu à remoção mecânica de uma primeira camada em toda a superfície do terreno: houve sepulturas de época islâmica parcialmente destruídas e crânios cortados.
Contudo, para além dessas sepulturas, há restos de muros (alguns, seguramente, parte integrante de edifícios de grandes dimensões), silos cheios de materiais arqueológicos o que tudo indica estarmos perante um património do maior interesse, que urge preservar. Segundo informações fidedignas, haverá uma indicação oficial para que tudo se aterre com a maior brevidade possível, para que a comunidade arqueológica não desperte e a rodovia possa avançar sem percalços.
Mais uma vez, porém, cremos que essa mesma comunidade estará desperta e fará chegar junto das entidades competentes (nomeadamente, a Câmara Municipal e o IGESPAR) o seu grito de alerta: não pode um património histórico-cultural dessa relevância ficar submetido a mais uma pressa e a mais uma rodovia, cujo traçado poderá ser reestudado, como convém. Não é, aliás, para isso, que se encomendam os préviosestudos de impacte ambiental?
José d’Encarnação»
Perante tal mensagem – que chega através de fonte absolutamente insuspeita – mais se nos radica a convicção de que, de modo algum, nos podemos permitir desguarnecer a guarda. Ora bem, se não nos passa pela cabeça que nem a autarquia nem o Igespar joguem contra os interesses dos munícipes sintrenses e dos cidadãos em geral, então deveremos desconfiar da bondade da actuação da entidade à qual compete concretizar a obra de construção rodoviária em questão?
(continua)
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Paisagem Cultural
A propósito da 2ª Conferência da Aliança das Paisagens Culturais, que decorreu entre os dias 30 de Setembro e 2 do corrente mês de Outubro, várias pessoas se me dirigiram perguntando a razão da minha ausência. Muito simplesmente, resolvi não ir na medida em que me seria muito penoso conjugar os discursos institucionais com a realidade bem concreta de tantos quanto evitáveis desconchavos sintrenses.
Conheço bem os casos das outras paisagens culturais já federadas na Aliança e as candidatas norueguesa e lituana. E, na verdade, infelizmente para Sintra, são bem mais, muito mais positivos do que «os nossos». Aliás, se bem se lembram, não é por acaso que, tanto Sintra como o Douro, ainda não resolveram questões que determinaram a ameaça da Unesco de lhes suspender a classificação...
Não me parece que faltem entidades, quer a nível central quer local, com perfil bastante e adequado à resolução dos problemas pendentes e emergentes. Parece, isso sim, que as existentes não estarão cumprindo as missões e objectivos enunciados nas suas «cartas de intenções». Parece, isso sim, haver um gigantesco trabalho a desenvolver, no sentido da mudança do paradigma de actuação, que contrarie a proverbial, instaladíssima e já institucionalizada «cultura do desleixo».
Felizmente, alguns positivos sinais vão dando alento bastante para continuar alimentando o nosso optimismo militante. Tal é o caso do trabalho que vem sendo concretizado pelo actual Conselho de Administração da Parques de Sintra Monte da Lua. Na realidade, Sintra Paisagem Cultural começa a poder respirar com algum alívio.
É que, pelo caminho que tomava a PSML, nas mãos do biólogo Serra Lopes - cuja data de afastamento de Sintra e da empresa devia ser anualmente saudada e comemorada com o repique de todos os sinos sintrenses - certamente que a classificação atribuída pela Unesco já teria sido efectivamente retirada.
Em vez da grandiloquência dos discursos institucionais, para a qual não há tempo nem pachorra, esperemos que seja efectivamente feito tudo quanto for possível, no domínio das atitudes e actividades concretas afins do preenchimento dos objectivos da atribuição da classificação.
Só assim se estará à altura do empenho de gente a quem, neste e noutros domínios, Sintra tanto deve, como os meus bons amigos Vitor Serrão e José Cardim Ribeiro que tanto trabalharam para a obtenção de tal distinção mundial. Tão poucas são as pessoas cuja digidade, coragem e competência, têm favorecido as boas causas por Sintra, que. por certo concordam comigo, vale a pena lembrá-las de vez em quando.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
(conclusão)
Dar a cara
Nas instâncias estatais, como as coisas não acontecem aleatoriamente, algum responsável do Igespar, em tempo oportuno, há-de ter despachado favoravelmente determinada informação/proposta, acerca da destruição do tanque e sua substituição por uma casa de máquinas, que certo técnico, terá submetido à consideração superior. Portanto, é tudo isto – quem, o quê, onde, quando, como e porquê – que importa conhecer.
Naturalmente, não se pode pedir ao Presidente do Conselho de Administração da Parques de Sintra Monte da Lua – empresa de capitais públicos que, só muito recentemente (desde 21 de Agosto último) tem competência sobre a concessão de Seteais – venha explicar uma situação que, eivada de controvérsia, lhe chega às mãos como envenenada herança.
E, reparem os leitores que, para o Prof. António Ressano Garcia Lamas, a questão é particularmente desconfortável uma vez que, há uns anos, foi Presidente do Ippar, ou seja, o mesmo instituto que, com outra denominação, precedeu o actual. Portanto, uma sua tentativa de intervenção, com o objectivo de se inteirar das razões que conduziram a decisão tão polémica, sempre seria entendida como interferência. Claro está que ele não me passou procuração. Mas isto salta aos olhos…
No entanto, sejam quais forem os institucionais meandros, impõe-se que, de uma vez por todas, haja quem dê a cara e explique o que ali aconteceu. Certamente, tendo em consideração a luta cívica a favor de Seteais, na sequência da série de conhecidos episódios a partir do intempestivo encerramento do terreiro pelo concessionário, ninguém pensaria, precisamente agora, que se passa uma esponja sobre o assunto.
Esta maquinação resultou na destruição de parte da nossa memória. Seteais deixou de ser o que era. Sintra está mais pobre e foi ofendida. Em substituição de um ingénuo tanque, plantado no Éden, a chancela do Igespar avalizou uma perfeita afronta. Então não concordam que isto tem de ser muito bem explicado?
terça-feira, 7 de outubro de 2008
(continuação)
Espanta-se uma pessoa como não ocorre que, num lugar com estas características, tal instalação seja totalmente inviável e inadmissível. Ao fim e ao cabo, trata-se de algo que poderia ter sido alojado numa qualquer subterrânea construção, que ninguém incomodaria, como acontece em quaisquer civilizadas paragens.
Não em Sintra, como bem se atesta. De todo em todo, não em Sintra, onde os serviços da autarquia não intervieram, como é suposto acontecer, em articulação com a tutela central deste bem patrimonial que, no seu todo, é tão simbólico e caro às gentes de Sintra.
Não em Sintra, onde, para rematar o perfeito desconchavo, se permite que a tal construção seja coroada pela cosmética atitude de um espelho de água. Valha-nos Deus! Que provincianismo! Que mais pacóvia e acabada prova das duvidosas habilitações e sentido estético de quem tudo isto propôs e decidiu. Olhem que não deve ser fácil uma acumulação de tanta asneira, em tão reduzido quanto exposto local…
Como é?
A propósito, como acima se refere, perante a inacção do pelouro da Cultura e dos serviços respectivos, foi o próprio Presidente da Câmara de Sintra, já depois de consumado o disparate, quem teve de intervir, pessoalmente, junto do Director do Igespar, na tentativa de obter uma explicação, que nunca chegou ao conhecimento dos munícipes.
Este não é um caso despiciendo. Aliás, como todos sabemos, não há casos maiores e menores que, consoante a sua escala ou natureza, mereçam maior ou menor cuidado em termos de defesa do património. Convirá lembrar que tais princípios têm sido sucessivamente afirmados, confirmados pelas Cartas de Atenas, de Veneza ou de Tessalónica, documentos internacionais subscritos por Portugal, que obrigam todas as entidades, dependentes dos poderes central e local, a uma vigilância inequívoca contra a sempre real possibilidade de ocorrência de um atentado ao património, seja qual for a sua origem.
Não se compreende como um município, em cujo território se encontram especiais jóias do património nacional e mundial, dá provas de tanto descuido, ao nível da articulação com outras instâncias de intervenção sobre tais bens patrimoniais. Assim sendo, como não duvidar e, com tão evidentes argumentos, quanto ao teor das declarações de acrisolado amor pelos sintrenses lugares e valores, que os «responsáveis» (?!) apregoam mas, tão despudoradamente descuidam?
Na verdade, tudo isto está sob a custódia do Igespar, entidade dependente do Ministério da Cultura, à qual compete o acompanhamento da obra de recuperação em curso. Surpreendentemente, foi o próprio Igespar que autorizou a concretização de um desmando que lesou os interesses da comunidade. Entretanto, como vivemos num estado de Direito que, entre outros princípios, privilegia a transparência de acção dos seus agentes, garantindo o direito à informação sobre os seus procedimentos, justo é que se aguarde uma satisfação.
(continua)
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
A casa das máquinas
Durante meses, circulou a ideia de que se destinava a depósito de água a obra cuja concretização implicara na destruição do conhecido tanque. De facto incorrecta, não admira que tal informação não tivesse sido posta em causa. Realmente, havia quem soubesse tratar-se de outro o destino dos trabalhos em curso. Todavia, aos (ir)responsáveis do costume, não convinha, não interessava, virem a terreiro esclarecer fosse o que fosse.
Vários protestos se ouviram e leram, chegando o assunto a reunião pública da Câmara Municipal de Sintra e, igualmente, à Assembleia Municipal. A nível pessoal, o próprio Presidente da Câmara terá solicitado explicações ao director do Igespar. Por outro lado, acerca do assunto, vários munícipes se dirigiram à instância nacional da Unesco que, na verdade, apesar de ter recebido esclarecedoras fotografias, até hoje, também a ninguém respondeu.
Depois da aplicação de muitas toneladas de materiais controversos – inclusive, após a ocorrência de um acidente, durante uma das várias operações de trasfega de betão, que poderia ter sido fatal ao condutor do veículo tractor do pequeno comboio que conduzia os turistas até Monserrate – depois de uma data de meses de trabalho, continua e estará em fase de acabamento aquilo que, afinal, não será depósito de água mas, isso sim, uma ainda mais prosaica casa de máquinas.
Descontrolo sintrense
Pois é verdade. Enquadrado pelo doce recanto de Seteais, aprazível local de lazer que, para o efeito, alguns metros acima, até dispõe de um balcão, com bancos a preceito, ainda hoje bem visíveis, o tanque foi arrasado, subtraído a um lugar que, sem ele, passa a ser ilegível em relação aos termos que nos tínhamos habituado, isto é, à memória que guardávamos.
Ao contrário do que se julgaria, continua, ainda com maior pertinência, a apreensão e preocupações que temos manifestado, agora acrescentadas com a previsível e séria possibilidade da poluição sonora, decorrente da laboração de máquinas cuja natureza e fins se desconhecem. Tratar-se-á dos motores que alimentarão as instalações de ar condicionado, de refrigeração, bombas de água?
(continua)
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
e a Defesa do Património de Sintra
Como sabem, hoje mesmo a Alagamares leva a efeito uma iniciativa do maior interesse, juntando no restaurante Apeadeiro, pelas 20,30, todos quantos quiserem não só amesendar, mas também discutir a revisão do Plano de Urbanização de Sintra (dito De Groer). Claro que é imperativo estar presente.
Em boa hora, a Associação Alagamares preencheu o vazio do lugar deixado pelo silêncio de quem, tendo-se arrogado, durante tantos anos, na defesa do património de Sintra, vinha manifestando sinais de um cansaço incompatível com as solicitações do terreno, cada vez mais exigente de uma clara, eficaz, pedagógica e permanente presença.
Ora bem, ao contrário do que estava sucedendo, perante o desagrado de tantos sintrenses, a Alagamares – que, note-se bem, não me passou procuração – sem privilegiar qualquer estratégia de rejeição de contundência normal em casos congéneres, tem acolhido lutas como a de Seteais, evitando e conseguindo não ultrapassar os limites da intervenção cívica afim da defesa do património.
A Defesa do Património de Sintra, contrariamente à opinião de quem se abriga sob o chapéu de uma designação tão conveniente como equívoca, não é couto de ninguém e, muito menos, de quem não está habilitado nem talhado a enfrentar duras lutas que, muito pouco, ou nada têm a ver com o dano eventualmente causado a umas florzinhas mais ou menos desprotegidas…
Na realidade, também em Sintra, lugar de apetites devoradores, a Defesa do Património pressupõe uma actuação integrada, em articulação com as mais diferentes frentes de luta, por exemplo, nos domínios da circulação automóvel, do estacionamento dissuasor e de proximidade, da reorganização dos fluxos de tráfego, ou do regime de horários de cargas e descargas.
Trata-se de uma luta de titãs, que exige a intervenção dos mais diferentes agentes, privilegiando o envolvimento empenhado das famílias e, em especial, dos professores e outros trabalhadores da Educação porque lidam com e investem no produto de maior potencial que é o cidadão do futuro. Considero que a Alagamares percebeu tudo isto. De certeza que, dos outros, o mesmo não se poderá afirmar.