Há mais de cinco anos, foi vandalizado e parcialmente roubado um fontanário do bairro da Estefânea, em Sintra. Os serviços municipais removeram-no.
Sem que soubessem os cidadãos qual tinha sido o destino da peça, afinal, a Câmara Municipal de Sintra tratou da reabilitação que se impunha.
Na semana passada, finalmente, foi reposto o fontanário no local, depois de um competente trabalho de recuperação. Porque faltou a informação? Descuido ou prática habitual?
[Transcrição do artigo publicado na edição de 15 de Fevereiro de 2013 no Jornal de Sintra]
Direito à informação
All’s well that ends well ou, em Português, Bem está o que bem acaba, enfim, não há quem não diga e repita. Não só é provérbio mas também título de uma tão problemática peça de William Shakespeare que, ainda hoje, se hesita em continuar integrando-a no conjunto das comédias ou, pelo contrário, no das tragédias do dramaturgo. Raramente representada, All’s well that ends well, tem todos os ingredientes para que a sua leitura seja um gratificante desafio, razão pela qual aqui fica o conselho.
Embora o objectivo deste artigo nada tenha a ver com Literatura Inglesa ou com Teatro Inglês, perceberão imediatamente a pertinência do preâmbulo, na medida em que justifica a evidência da adequação daquelas palavras, tanto na lusa língua como na da doce Albion, se tornar presente o seu uso quando se pretende afirmar que, perante uma situação problemática, deixa de haver problema, pura e simplesmente, porque a sua resolução terá sido positiva e, portanto, a contento de todos.
Pois bem, ao partilhar convosco algumas considerações sobre um problema cuja sumária abordagem permitirá concluir se o referido aforismo se lhe aplica, parece-me conveniente, e mesmo importante, não perder a oportunidade para reflectir um pouco acerca das circunstâncias que originaram o caso que me interessa e não outro qualquer.
Um caso exemplar
Neste momento, trazendo às colunas do Jornal de Sintra a reposição do fontanário da Estefânea, entre o Largo Afonso de Albuquerque e a Correnteza, apenas me interessa chamar a atenção para uma situação, que tendo-se prolongado e arrastado durante alguns anos, é paradigma de uma atitude, infelizmente, muito comum em Portugal. Como já terão entendido, refiro-me à flagrante ausência de qualquer tipo de comunicação institucional que, em tempo oportuno, tivesse satisfeito o direito dos cidadãos à informação.
Sem entrar em detalhes – acerca dos quais, de qualquer forma e, para todos os efeitos, cumpre elucidar devidamente por quem de direito – a verdade é que do local que ocupava no espaço público, foi subtraído à comunidade um dos seus bens patrimoniais, sem que, tanto na Junta de Freguesia como na Câmara Municipal, algum responsável tivesse sentido a evidente e natural necessidade de esclarecer fosse o que fosse.
Se, em si, a ausência de informação é preocupante, muito mais o é pelo que indicia de descuido e desconsideração dos serviços em relação aos fregueses e munícipes que, há mais de cinco anos, tendo sido confrontados com o desaparecimento da peça, na sequência da sua remoção pelos serviços camarários, não mereceram, repito, a atenção da explicação a que tinham e têm direito. E tudo isto é tão mais pertinente quanto se sabe que, cada vez mais, as pessoas estão alerta a circunstâncias que tais.
Contra o silêncio
É muito gratificante perceber que, por todo o país, apesar de algum eventual atavismo, os cidadãos se preocupam com o que acontece ao património comum quando há necessidade de qualquer intervenção. Por vezes, como é do conhecimento geral, tão grande é o mal entendido e o receio de que as peças levem um destino menos conveniente, que até tem havido casos de populações que se ergueram contra a hipótese da sua remoção temporária, por exemplo, das igrejas, apesar da manifesta necessidade de restauro.
A noção de pertença comum é muito forte e, assim sendo, preciso é agir com a maior precaução no sentido de não ferir susceptibilidades. Quanto a Sintra – Paisagem Cultural da Humanidade, terra que, além de um património natural riquíssimo, se orgulha de um convívio permanente com as artes plásticas e decorativas do maior gabarito, os cidadãos bem têm demonstrado a verdade desta ideia. Pois, neste caso, ao tentarem obter um qualquer esclarecimento pertinente, foi o silêncio, um pesadíssimo silêncio das instituições, o que obtiveram como resposta, algo de perfeitamente lamentável.
Na realidade, o sucedido é deveras paradigmático da existência de um grave problema de comunicação entre autarquias e cidadãos cuja resolução depende da radical mudança de atitude, mudança que, mesmo aparentemente pacífica, sempre suscitará reacções com as quais, aliás, é necessário saber lidar, uma vez que incluir uma nova norma na quotidiana cultura dos serviços não é coisa fácil.
Bem está o que bem acaba. Afinal, neste caso da reposição do fontanário, para se adequar totalmente à sentença, falta a componente do esclarecimento, no contexto do direito à informação. E, meus caros amigos, urge que entendamos se, de facto, tal esclarecimento passará a fazer parte das NEPs, ‘normas de execução permanente’ no sentido de contrariar, inequivocamente, a ocorrência de casos análogos.
[João Cachado escreve de acordo a antiga ortografia]