[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 31 de maio de 2012



Oboé em destaque


Pedro Ribeiro, o excelente oboísta português, solista da Orquestra Gulbenkian, vai estar em grande destaque nos dias 29 e 30 de Novembro, já na próxima temporada Gulbenkian, quando interpretar a obra da qual hoje vos trag
o um excerto.

Trata-se do"Concerto em Ré Maior para Oboe and Pequena Orquestra, AV 144, TrV 292", uma das últimas obras composta por Richard Strauss em 1945, quase no fim da vida. A composição foi-lhe sugerida por um militar (GI) americano que, na vida civil, tinha sido oboísta principal na Orquestra de Pittsburgh e que se encontrou com o compositor, depois de terminada a guerra, enquanto ainda permanecia na Alemanha.

Richard Strauss, que jamais compusera um concerto para o instrumento, aceitou o desafio e a peça acabou por ser estreada em 26 de Fevereiro de 1946 em Zürich, em 26 de Fevereiro de 1946, pela Tonnhalle Orchester, sob a direcção de Volkmar Andra e Marcel Saillet como solista.

A minha proposta de audição vai para este divino 'Andante', segundo andamento do concerto em questão, na interpretação de Alex Klein com a Chicago Symphony Orchestra. Lembrem-se das “Últimas Quatro Canções” e não deixarão de concluir como tão análogo é o ambiente.

Boa audição!

http://youtu.be/t-PxJm5Jmgk

quarta-feira, 30 de maio de 2012


Buchbinder,
em Lisboa, na próxima Primavera
 




 Rudolf Buchbinder que, sem margem para qualquer dúvida, figura entre os grandes pianistas que, nos tempos actuais, fazem o melhor Beethoven, estará em Lisboa, nos dias 20 e 21 de Março de 2013, na próxima temporada da Gulbenkian, no âmbito do ciclo dos designados 'concertos únicos', para interpretar a integral dos cinco concertos do compositor de Bonn.

Na perspectiva de assistir a momentos de grande elevação, aqui têm o Concerto ...
para Piano e Orquestra No. 5 , em Mi Maior, Op. 73 'Imperador' - I. Allegro, II. Adagio un poco mosso
III. Rondo. Allegro ma non troppo - na leitura de Rudolf Buchbinder, que também dirige a Orquestra Filarmónica de Viena, num concerto ao vivo na Goldener Saal da Musikverein, em 2011.

Boa audição!


http://youtu.be/atCPmacJDDY

L. v. Beethoven - Piano Concerto No. 5 in E-flat major, Op. 73 "Emperor" (Buchbinder, VPO)



domingo, 27 de maio de 2012



Qualidade & saudade 


Ainda se lembram de Cornell Macneil, o barítono americano que morreu no ano passado? Pois, o «seu» Jack Rance, de "La Fanciulla del West" de Puccini, na gravação para a Decca, foi considerado o melhor momento da sua carreira.


Testemunho desse sucesso, aqui vos trago uma gravação que, quase posso afiançar, deve tratar-se daquela que ainda tenho em vinil, datada de 1958, com Renata Tebaldi, Mario del Monaco, Cornell MacNeil, Piero de Palma, Giorgio Tozzi, Coro & Orchestra dell'Accademia di Santa Cecilia, sob a direcção de Franco Capuana.

A voz de Cornell Macneil está quase esquecida mas, no meu caso, permanece em absoluta referência, também nalguns famosos desempenhos de óperas de Verdi. Continuo a ouvi-lo no meu pick up, à mistura com um risquito ou outro, que nenhuma impressão me causa, devo confessar-vos.

Aliás, muito pelo contrário. Ao pegar neste e em muitos outros discos de 33 rpm - que o meu pai importava directamente dos Estados Unidos, para si e para uma roda de amigos ilustres, como João de Freitas Branco, João Sassetti, Luís Villas Boas, Duarte Borges Coutinho (Praia), Luís Pignatelli e mais alguns - ao ouvir relíquias como esta, é a qualidade de belíssimas gravações que ressalta, é a prova acabada do bom gosto do meu pai e dos seus companheiros, e tudo isto colado a uma indizível saudade.

Ouçam este excerto, da ária 'Minnie, dalla mia casa' da mencionada ópera e digam-me se não tenho razão.

Boa audição!



http://youtu.be/B5sl-iBDjjI








sábado, 26 de maio de 2012




A Sul, nada de novo…



Mais um tristíssimo episódio nestes tristes dias portugueses. Só faltava mesmo que num Estado Democrático de Direito, um membro do Governo tivesse pretendido condicionar a informação livre de um órgão de comunicação social, através de ordinária manobra de chantagem traduzida em veladas ameaças ao jornal e a uma jornalista…


A verdade é que, só na aparência, «isto» é um Estado Democrático de Direito. Noutra qualquer civilizada latitude, lá mais a Norte do continente, mal se percebesse que os contornos do episódio eram tão conclusivos quanto à flagrante e ofensiva asneira, se o ministro não se demitisse de motu próprio, seria liminarmente demitido.


Por aqui, a Sul, além da generalizada incompetência da classe política, bem patente em todo o espectro do designado arco do poder, ainda temos de aturar este troglodita tipo de atitudes, protagonizadas por gente do mais ordinário que imaginar se possa, fura-vidas, chico-esperta, sem qualquer sentido de serviço aos cidadãos, perante os quais afirmam, solenemente, por sua honra, cumprir com lealdade as funções em que são investidos…


Que horror, que farsa e que farsantes!...

sexta-feira, 25 de maio de 2012




Básico...


Portugal, que não é um pais sequer próximo da média europeia, há décadas que vem sendo governado como se o fosse, ignorando que a vigente taxa de analfabetismo, equivale a cerca de um milhão de cidadãos. Aliás, condicionado por matriz tão limitativa, é que o país também continua a evidenciar resultados tão negativos.
Tão elevado número de pessoas constitui não uma ilha mas, isso sim, um arquipélago de subdesenvolvimento, espantosamente disseminado no tecido social, uma vez que a cada analfabeto correspondem mais dois/três indivíduos que, de algum modo, também foram e/ou são afectados pelo fenómeno.

A meio da década de oitenta do século passado, tendo havido vergonha de escancarar à devassa europeia, as entranhas de um país atrasado, Portugal parou o investimento na Educação de Base de Adultos, como era inequivocamente necessário, comprometendo todo o trabalho concretizado previamente, na sequência do Vinte e Cinco de Abril.

Passou-se para um regime de Liberdade mas, como se impediu que os cidadãos se preparassem para a vida em Democracia, comprometeu-se todo um programa de desenvolvimento sustentado na mudança de mentalidades e o resultado plasma-se nas inquietantes perversidades em que o regime democrático português é tão fértil.
Nestes termos, a República não pode dispensar o funcionamento de uma Comissão Nacional Interministerial promotora das medidas afins à Educação de Base de Adultos, privilegiando a intervenção interdepartamental, nos termos de um cronograma justo e ajustado às características socioculturais do país.





 


quarta-feira, 23 de maio de 2012


Ana Maria Bénard da Costa,
lição de uma vida




Foi na tarde do passado dia 16, na Escola Secundária de Santa Maria em Sintra, que o Sindicato dos Técnicos, Administrativos e Auxiliares de Educação, Sul e Regiões Autónomas, membro da FNE/UGT, levou a efeito a primeira iniciativa de um ciclo dedicado à abordagem de assuntos inerentes a vários domínios do Sistema Educativo. Desta vez, considerou aquele Sindicato que, para início do seu programa pluridisciplinar de animação socioeducativa, fazia todo o sentido propiciar uma reflexão no âmbito da Educação Especial.


De facto, no conturbado período que atravessamos, a opção do STAAE-Sul por este «território de preocupação», decorre da apreensão com que se assiste à tomada de decisões que comprometem a prossecução dos objectivos que, há dezenas de anos, se consideram significativas conquistas, consubstanciadas no modelo da denominada Escola Inclusiva. Tendo em consideração que a inquietação afecta todos os agentes educativos, ainda mais inquestionável se revelaria o interesse da reflexão em apreço.

Em Portugal, se alguém há que possa testemunhar, desde a sua génese e até ao momento actual, como se processou a prática de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais no ensino regular e se implantou, radicou, desenvolveu até adquirir estatuto institucional, certamente que será Ana Maria Bénard da Costa, inequívoca mentora do modelo, a quem o Sistema Educativo nacional reconheceu inquestionável autoridade nacional.


Pois foi, precisamente, Ana Maria Bénard da Costa quem o STAAE, Sul convidou com o intuito de que apresentasse público testemunho do que foi a sua vida em defesa de causa tão nobre. E, de facto, pretendendo abranger, indistintamente, professores e pessoal de apoio educativo, o STAAE-Sul conseguiu congregar no grande auditório da referida escola um atento grupo de várias dezenas de participantes que, muito interventivos, se envolveram na proposta que lhes foi presente.

Após as palavras de boas vindas a cargo da professora Maria da Conceição Coelho, Subdirectora da Escola Secundária de Santa Maria e de Cristina Ferreira, Presidente da Direcção do Sindicato, eu próprio fiz uma apresentação muito informal da convidada, tendo enaltecido as suas qualidades de lutadora, tendo oportunidade de lembrar como tais características foram devidamente distinguidas pela condecoração nacional que recebeu do então Presidente da República Jorge Sampaio.



Ana Maria Bénard da Costa começou por apresentar o filme “Child Friendly Schools”, produzido pela UNICEF, cuja projecção foi seguida de debate muito participado durante o qual foi possível aflorar as mais pertinentes questões da Educação Especial em todas as latitudes do planeta. Sucederam-se as intervenções da audiência até que AMBC conduziu a intervenção para o período em que concretizaria o objectivo fundamental da sua comunicação.



Com uma simplicidade tão tocante quanto eficaz, traçou as etapas fundamentais da sua vida profissional, ao longo de quarenta anos, como professora e técnica, em enquadramentos que se cruzaram, tanto no âmbito do Sistema Educativo como, por exemplo, no da Segurança Social, nos sectores público, privado e cooperativo.


O seu percurso coincide e confunde-se com o próprio percurso da Educação Especial no nosso país. É todo um caminho pautado por marcas de singularidade que se evidenciam através da permanente disponibilidade para a adequação do saber adquirido na experiência do que ia fazendo, num fértil terreno de desafios como foi o de Portugal desde os anos sessenta do século passado até à actualidade.

No final, em troca de impressões muito informais, entre outras conclusões deste momento de reflexão propiciado pelo STAAE, Sul, os participantes deste encontro salientavam o facto de terem adquirido e/ou confirmado, com AMBC, a fundamental distinção entre “integração” e ”inclusão” e, em simultâneo, como a confusão de tão diferentes perspectivas de trabalho, no domínio da Educação Especial, pode ser e, não raro, tem sido perniciosa a vários títulos.


Além dos saberes ventilados, que AMBC soube agitar no amplo sentido do que seja a animação cultural, como atitude cívica que, mais uma vez, protagonizou, ainda ficou o magnífico exemplo humano de alguém que, acima de tudo, valoriza a disponibilidade mental para responder a determinados estímulos – na sua própria expressão, quais curto-circuito ou, outras vezes, choques eléctricos –que é preciso saber identificar como radicais desafios à mudança do statu quo. Em suma, uma grande Senhora da Educação que soube pôr em comum uma grande lição de vida.

terça-feira, 22 de maio de 2012


Richard Wagner,
22 de Maio


Hoje é o aniversário de Richard Wagner. Considerei interessante propor-vos uma página do famoso "Diário" de Cosima, precisamente no dia em que o seu marido completava 78 anos.

Para o efeito, com o propósito de vos tornar acessível um texto cujo original foi escrito em alemão, socorri-me do Vol. II: 1878-1883, editado e anotado por Martin Gregor-Dellin e Dietrich Mack, traduzido para Inglês, com Introdução, Postscripto e Notas Adicionais por Geoffrey Skelton, New York, NY : Harcourt Brace Jovanovich, 1980.


"(...) Sunday, May 22, 1881:

R. slept well; the Flower Greeting takes place a 8 o'clock and is very successful, the clock presented by Fidi-Parsifal delights R., and he is pleased with the flower costumes. The coats of arms of the Wagner Society towns genuinely surprise him, and he is pleased with the ceiling. In a mood of divine happiness he strolls to the summerhouse with me in the blue robe, and we exchange gold pens and little poems! Our lunch table consists of: Standhartners 3 (with Gustav!), Ritters (the parents), the Count, Jouk., Boni, Lusch, and Fidi; in the hall Eva, Loldi, Ferdi Jager, Julchen and Elsa; the latter two have to slip away unnoticed, so that the singing of the verse will float down from the gallery. Siegfried speaks Stein's poem very well, splendidly proposing the health of eternal youth, and then in a full voice Elsa movingly sings 'Nicht Gut noch Pracht,' etc., from above.---Over coffee Faf from the Festival Theater appears with the program for this evening on his back. The dear good children act out the little farces by Lope and Sachs magnificently, and Lusch speaks Wolz's linking epilogue particularly well. To the conclusion of the Sachs play J. Rub. linked the Prelude to Die Msinger, and when R. went into the salon, the children, in different costumes, sang his 'Gruss der Getreuen'; at the conclusion of the evening, after the meal, came the 'Kaisermarsch,' with altered text. All splendidly done by the children, though we are not entirely successful in sustaining the mood. Before lunch R. was upset by the military band, which he---somewhat to my concern---had allowed to take part, and it required Siegfried's toast to raise his spirits again. In the evening he was irked by the dullness of our friends, he asked Standhartner to remain behind, without considering that the stepson [G. Schönaich] would also then remain, and the presence of this man whom he cannot bear kept him from expressing all that was in his heart, and that made him almost painfully unhappy. The successful parts are what delighted me---the fact that unbidden things intervene no longer bothers me, however much it once used to pain me: I keep remembering that 'all transient things are but an image. (...)"
 

E, aqui tendes, comemorando a efeméride, a "Kaisermarsch", obra cujo título me permiti destacar nas palavras transcritas, numa excelente interpretação da London Symphony Orchestra, sob a direcção de Marek Janowski. A ilustração da gravação reproduz uma aguarela de Caspar David Friedrich.

Boa audição!



http://youtu.be/ytJeY0OIBHw



Elise,
em festa*


Hoje, 22 de Maio, passa mais um aniversário da Condessa d’Edla. Esta é daquelas datas que, juntamente com as do nascimento e morte do seu marido, fazem parte do calendário de grandes afectos que, ao longo do ano, vou celebrando, como marcos da memória.

Quando convoco e vejo a Condessa no seu afã da Pena, sempre me aparece como Elise, sem o título de conveniência, apenas mulher que amou e foi amada por um homem tão excepcional como ela. Tanto tempo depois, aqueles dois continuam, para além do tempo, a habitar o nosso espaço real e mítico, a par de outras belas histórias, com amores possíveis e impossíveis, contrariados ou favorecidos, trágicos e idealizados.

Tudo isto, naturalmente, no Parque da Pena, obra comum de Fernando e Elise, onde os mais nobres sentimentos perduram e se derramam. Só podia ser. É na Pena, lugar propício, que, já libertos das cargas que ali não entram, queremos perder-nos, para alcançar outro patamar de encontro.

Neste possível Klingsor, resgatou-se agora o emblemático ninho de amor à ignomínia de muitos anos de ofensa. Veja quem quiser! Eis o trabalho de recuperação que se impunha. Finalmente! Pode Elise voltar ao sossego? Creio bem que sim. De facto, tanto no chalet, como em todo o Parque, terminou mesmo o ciclo das mágoas.


Apenas meia dúzia de parágrafos para lembrar mais um aniversário de Elise, rainha da nossa Baviera. É dia de ir até à Pena e de nos perdermos, literal e irrealmente, pelos caminhos de acesso à sua casa. É dia de recordar quanto Sintra deve a esta mulher e de perceber como, finalmente, encontrou quem esteja a honrar a herança que, teimosa e criminosamente, tão desrespeitada foi ao longo de décadas.

Lá mais para o fim da tarde, evocando Elise e Fernando, inseparáveis, ao lado de Richard Wagner, também hoje aniversariante, hei-de beber um copo de bom branco seco e frutado Risling Gewustraminer, ouvindo Im Treibhaus, uma das Wesendonck Lieder, na interpretação que vos proponho nesta gravação em que a mítica Kirsten Flagstad é acompanhada pela Orquestra Filarmónica de Viena sob a direcção de Hans Knappertsbusch.



http://youtu.be/RbPuEMqbIA8


*A partir de textos que subscrevi e publiquei em anos anteriores, por ocasião do aniversário da Condessa d'Edla.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

 
 
 
[Transcrição do texto publicado na última edição do Jornal de Sintra, 18.05.12, ainda a propósito da morte de Bernardo Sassetti. Aproveito a oportunidade para propor a audição de HOMENAGEM A MARK LINKOUS, com Bernardo Sassetti - piano, Carlos Barretto -contrabaixo, Alexandre Frazão - bateria, gravado ao vivo na 8ª Festa do Jazz do São Luiz]


Bernardo Sassetti
(1970-2012)


Provenientes de todo o lado, sentidas por todos quantos o conheceram e puderam aceder à sua obra, as reacções à morte bem evidenciam como, além de artista de elevada craveira, Bernardo Sassetti era uma pessoa absolutamente excepcional. De facto, sejam quais forem os ângulos de análise, sempre releva a mais positiva avaliação do homem eminentemente bom e do cidadão impecável.

Desde já aviso que, destas linhas, não esperem colher informação biográfica na medida em que, felizmente, toda a comunicação social tem sido fértil na partilha de elementos afins. De qualquer modo, ao subscrever esta pequena nota, o que me interessa é aproveitar a dolorosa circunstância para reflectir convosco acerca do exemplo de vida que Bernardo Sassetti protagonizou.

Se há coisa grande que dele vai perdurar, pois não tenho dúvida de que seja o exemplo de uma atitude de artista sem barreiras. Contudo, só aparentemente, foi o criador polivalente de que todos falam, cujos artefactos enriqueceram a música, o cinema, a fotografia, lançando pontes à poesia, ao teatro, ao bailado. A isto, que já seria imenso, cumpre acrescentar o desassossegado que se tornou, um lúcido precoce, de uma lucidez bebida nas melhores fontes de informação, também fruto de insaciável cultura universalista.

Tal como aconteceu com os Freitas Branco, Paes e Sassetti, seus parentes mais notáveis, também ao Bernardo coube viver a aventura de uma vida que se fundiu na Arte e com ela se confundiu. No concreto e público viver destas duas últimas décadas, de permanente notoriedade, os seus dias demonstram à saciedade, como nele operou a perfeita e acabada síntese da herança familiar, certeza esta que partilho com directo e geracional conhecimento de causa.

Importa ter bem presente que, como não podia deixar de acontecer, a excepcionalidade do caso Bernardo Sassetti, radicou no bom terreno da família que o viu nascer. Nada disto tem a ver com abundância de bens materiais mas, isso sim, com o propício ambiente que uma família da elite intelectual pode proporcionar aos filhos que estejam vocacionados para trilhar tal caminho. E o Bernardo estava receptivo a tudo o que lhe foi possível colher daquele privilegiado enquadramento familiar e social.

Portanto, além da obra prolixa e compósita, de Bernardo Sassetti , também fica o exemplo da educação que recebeu, exemplo que deveria ser sistematicamente divulgado. É desta fibra, à custa de muito trabalho, disciplina, sacrifício, de imensos riscos, de uma exposição quase desumana perante o outro, que se constrói o artista de excepção, sempre atento aos sinais que só o demiurgo consegue sintonizar e transformar em artefacto. E assim é, até ao fim, como bem demonstrou Sassetti, nesta última surtida, de câmara fotográfica na mão, na incessante procura de um especial instante.

Na certeza da efemeridade, de Bernardo Sassetti , aquele recado vital de permanente busca da contenção. E a luta tenaz por um radical, essencial e existencial silêncio. Que magnífico legado!

http://youtu.be/NiGre38TaTc
 
 
 

R I P
Dietrich Fischer-Dieskau


(inicialmente no fb em 19 do corrente)



"Wintereise", D 911, [Viagem de Inverno] é um ciclo de vinte e quatro Lieder, datado de 1827, a partir de poemas de Wilhelm Müller, talvez o preferido do compositor.
Dois terços dos Lieder são sintomaticamente compostos em tonalidades menores, constituindo uma série de reflexões de um viajante no Inverno, sobre temas predominantemente sombrios e tristes, coincidindo as paisagens sombrias e geladas com o seu estado de espírito.

Trata-se de uma obra entranhadamente romântica que cumpre ouvir, preferencialmente, sem qualquer interrupção, com toda a atenção. De todas as que conheço - e não são poucas... - esta é a mais conseguida das gravações de "Winterreise". Há precisamente cinquenta anos, Dietrich Fischer-Dieskau e Gerald Moore apresentaram um trabalho definitivo.

Aconselho vivamente a consulta, em Inglês, ao 'site' na Web sobre este ciclo de canções, com análises muito eficazes por Margo Briessinck. Confiado em que os interessados não deixarão de a fazer, dispenso-me de reproduzir os textos originais e traduções, limitando-me a enunciar os títulos:


1 Gute Nacht 2 Die Wetterfanne 3 Gefrorene Tränen 4 Erstarrung 5 Der Lindenbaum 6 Wasserflut 7 Auf dem Flusse 8 Rückblick 9 Irrlicht 10 Rast 11 Frühlingstraum 12 Einsamkeit 13 Die Post 14 Der greise Kopf 15 Die Krähe 16 Letzte Hoffnung 17 Im Dorfe 18 Der stürmische Morgen , 19 Täuschung 20 Der Wegweiser 21 Das Wirtshaus 22 Mut 23 Die Nebensonnen 24 Der Leiermann

Boa audição!


http://youtu.be/c8UDOmUcxCk



 
 
Dietrich Fischer Dieskau
(1925-2012)



(inicialmente no fb em 19 do corrente)


Morreu ontem, a poucos dias de completar 87 anos, aquele que considero ter sido «o» barítono do século vinte. Tive o espantoso privilégio de poder assistir a vários eventos por ele protagonizados, momen...
tos de epifania, verdadeiramente memoráveis, parte do tal património individual sem preço atribuível.

Impõe-se ouvi-lo, sempre, cada vez mais. A gravação que vos proponho é datada de Londres, Kingsway Hall, 24 e 25 de Junho de 1952, pouco depois de Wihelm Furtwängler ter «descoberto» aquela jovem voz [tinha Fisher-Dieskau 27 anos...] perfeitamente divina. O mítico maestro dirige a Philharmonia Orchestra, num programa com os "Lieder eines fahrenden Gesellen" de Gustav Mahler.

Deixo-vos com um dos Lied do ciclo, "Die zwei blauen Augen von meinem Schatz", com transcrições do original em Alemão e de tradução para Inglês.


Die zwei blauen Augen von meinem Schatz,
Die haben mich in die weite Welt geschickt.
Da mußt ich Abschied nehmen vom allerliebsten Platz!
O Augen blau, warum habt ihr mich angeblickt?
Nun hab' ich ewig Leid und Grämen.

Ich bin ausgegangen in stiller Nacht
Wohl über die dunkle Heide.
Hat mir niemand Ade gesagt.
Ade! Mein Gesell' war Lieb' und Leide!

Auf der Straße steht ein Lindenbaum,
Da hab' ich zum ersten Mal im Schlaf geruht!
Unter dem Lindenbaum,
Der hat seine Blüten über mich geschneit,
Da wußt' ich nicht, wie das Leben tut,
War alles, alles wieder gut!
Alles! Alles, Lieb und Leid
Und Welt und Traum!

[Trd. Inglês]

The two blue eyes of my darling -
they have sent me into the wide world.
I had to take my leave of this well-beloved place!
O blue eyes, why did you gaze on me?
Now I will have eternal sorrow and grief.

I went out into the quiet night
well across the dark heath.
To me no one bade farewell.
Farewell! My companions are love and sorrow!

On the road there stands a linden tree,
and there for the first time I found rest in sleep!
Under the linden tree
that snowed its blossoms onto me -
I did not know how life went on,
and all was well again!
All! All, love and sorrow
and world and dream!

Boa audição!
 
 
 
 
 


Brahms,
O destino
 
(inicialmente no fb em 18 do corrente)


"Schiksakslied", op. 54, a outra peça de Johannes Brahms ontem interpretada na Gulbenkian pelo Coro e Orquestra da casa sob a direcção de Philippe Herreweghe. Eis uma estupenda gravação, datando de 1961, em que o mítico Bruno Wa...
lter dirige a Columbia Symphony Orchestra e o Occidental College Concert Choir.

Boa audição!


 
Brahms,
hino fúnebre

(inicialmente no fb em 18 do corrente)

 "Begräbnissgesang", op. 13, foi uma das peças de Johannes Brahms ontem cantada pelo Coro e Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Philippe Herreweghe. Nesta gravação que vos proponho, o maestro é Sir John Eliot Gardiner dirigindo a Orchestre Revolutionnaire et Romantique. É, seguramente, uma das melhores versões que conheço.

Boa audição!



 
 
 
Bruckner,
Die Grosse Messe 
 
(inicialmente, em 17 do corrente, no fb)
 
 
Aproveito para divulgar que a Missa Nº 3 de Bruckner vai ser interpretada no concerto desta noite no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian. Philippe Herreweghe - precisamente o mesmo maestro da gravação que vo...s proponho - dirigirá o Coro e a Orquestra Gulbenkian e os solistas, Sandra Medeiros, soprano, Cátia Moreso, meio-soprano, Hans-jörg Mammel, tenor e Diogo Oliveira, baixo.

Esta é a célebre Missa que, em 1894, num concerto dirigido pelo próprio compositor, foi de tal modo entusiasticamente aplaudida por Johannes Brahms que Bruckner se viu obrigado a agradecer especialmente. É uma obra de grande fôlego da qual teremos citações directas nas Sinfonias Nº2 (do Kyrie no 'Finale' e do Benedictus no 'Adagio') e Nº 9 (também do Kyrie, no 'Adagio').

A possibilidade de, mais uma vez, podermos contar com um especialista como Herreweghe na condução dos trabalhos é garantia de será mais um serão de alta qualidade em que, além desta estupenda peça, ainda teremos "Begräbnisgesang", op. 13 e "Schicksalslied" para Coro e Orquestra, op. 54 de Brahms.

Para já, eis a Missa, em especial, para aqueles que logo não poderão estar na Av. de Berna, em Lisboa.

Boa audição!
 
Gulda

(inicialmente no fb em 16 do corrente)

Hoje é dia de aniversário de Friedrich Gulda (Viena, 16 de Maio de 1930 – Weissenbach, 27 de Janeiro de 2000), pianista e compositor austríaco que, nos anais da Música, tanto ficou profundamente ligado à erudita como ao jazz.

Da me...
mória que dele guardo, de tantas vezes que o ouvi em Salzburg, ficaram interpretações paradigmáticas dos concertos para piano de Mozart. Era único e, justamente, reconhecido como um dos mais brilhantes pianistas do século passado. Teve famosos alunos, como Claudio Abbado ou Martha Argerich que, reconhecidamente, honram o seu legado.

Afirmava que Mozart era, de facto, o compositor preferido, uma inspiração para a sua vida. Não deixa de ser curioso que, quando ainda não tinha setenta anos, veio a morrer precisamente no dia de aniversário de Mozart, em 27 de Janeiro de 2000, na altura da Mozartwoche daquele ano, pelo que me lembro perfeitamente da consternação em Salzburg.

Deixo-vos com Gulda, interpretando a Fantasia em Ré menor KV 397. Percebam-lhe a magistral leitura.

Boa audição!


http://youtu.be/nonOBxXjCMg
 
 


Merecidíssimo!

(inicialmente no fb em 14 do corrente)

 "Uma visita ao PALÁCIO DE MONSERRATE e ao CHALET DA CONDESSA D'EDLA, distinguidos com o Prémio Grémio Literário 2011, é um dos passeios do Diário Câmara Clara desta noite. Os guias são a jornalista Inês Forjaz e António Lam...
as, que lembra que "as obras de restauro continuam; o nosso método é abri-las ao público, ou seja, abrir para obras, fazer com que o público não só as veja depois de terminadas, mas acompanhe o rigor, a lentidão, a dificuldade e a complexidade que as obras de restauro implicam".

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Como sócio [Nº 1132], muito me congratulo que o «meu» Grémio Literário tenha sabido distinguir estas obras. Trata-se de Portugal no seu melhor. Ao Grémio, prestigiada casa de Cultura, sempre muito atento, não podia escapar esta oportunidade. Ao 'Câmara Clara', que também muito honrado fica por se tornar público veículo de tão feliz cúmulo de circunstâncias, os merecidos parabéns.

Porém, tudo isto era perfeitamente previsível. Na realidade, a partir do momento em que a Parques de Sintra Monte da Lua - empresa pública que gere o mais sofisticado património de Sintra, desde Palácio e Parque de Monserrate, Castelo dos Mouros, Palácio e Parque da Pena, Capuchos, Palácio Nacional de Sintra e Palácio de Queluz, entre outros - passou a ter como seu Presidente do Conselho de Administração o Prof. Doutor Engº António Ressano Garcia Lamas, tal prática de acompanhamento das obras de restauro passou a ser vigente.

Mas bom será que tanto os munícipes de Sintra, em particular, como os visitantes, em geral, compreendam que estas são mesmo obras geracionais. Monserrate, por exemplo, tinha chegado a um estado de calamidade tal que cheguei a pensar ter-se esgotado o tempo que permitiria o tipo de intervenção que está sendo concretizada. Felizmente, começou-se mesmo no limite.

O que se está a passar com a recuperação dos bens patrimoniais dependentes da PSML é, não tenho a menor dúvida em afirmá-lo, do melhor que conheço. Como a notícia supra também alude ao Chalet da Condessa, no Parque da Pena, gostaria de vos sugerir que não percam a oportunidade de visitar.

Actualmente, em fase de estudo quanto ao recheio, o momento que se vive é do maior interesse para quem se interessa por este universo de preocupações. Impõe-se a vossa visita. Ninguém me incumbe desta atitude de divulgação e promoção mas, como militante da defesa e preservação do património, outra não pode ser a minha atitude.

E, como não quero deixar-vos sem música, para já, vos proponho que comecem a alimentar um percurso virtual nas imediações do Chalet da Condessa... Numa belíssima interpretação de Anne Evans, com a BBC National Orchestra of Wales, sob a direcção de de Tadaaki Otaka, 'Der Angel', uma das "Wesendonck Lieder', recordem-se, chega aqui na sequência do ciclo que, ainda não há muitos dias, convosco partilhei.

Pois, então, partilhem também o segredo que agora ficam a saber: sonho com o fim de tarde em que, naquele ninho de amor recém reconstruído, possa assistir a um recital cujo programa inclua, precisamente, os 'Wesendonck Lieder' de Richard Wagner. Dificilmente encontraria maior afinidade entre as peças e lugar tão sofisticadamente apropriado.

Boa audição!

http://youtu.be/FpCoauKnXXQ
 

 
 
 
 
 
DKB,
Concerto na Gulbenkian
 
 
(inicialmente no fb em 14 do corrente)
 
Ainda o concerto de ontem da Deutsche Kammerphilharmonie Bremen (DKB), na Gulbenkian. Inadvertidamente, induzi-os em erro quanto ao programa. E, na verdade, eu sabia perfeitamente que tinha sido alterado, inclusive, tendo tido oportuno acesso ao definitivo. Mas, de facto, são tantos os concertos e recitais que tenho em agenda, com meses e meses de antecedência, aos quais vou assistindo, que é inevitável sucederem erros análogos.

Então, nem a Maria João Pires tocou nem sequer...
permaneceu a peça que, inicialmente, estava programada. Afinal, foi Khatia Buniatishvili, jovem pianista da Geórgia quem veio interpretar, não o nº 3 de Beethoven mas, isso sim, o ‘Concerto para Piano e Orquestra nº 23 em Lá Maior, KV 488’ de Mozart. E, sem mais delongas nem detalhes de análise, desde já vos informo que o fez mal, desrespeitando o espírito da peça, apenas tocando as notas mas propondo um Mozart pouco reconhecível.

Em programa, manteve-se a ‘Sinfonia nº 5’ de Schubert e foram acrescentadas mais duas curtas obras, a ‘Sinfonia nº 4 em Sol Maior, WQ 183/4’ de Carl Philipp Emanuel Bach e a Abertura da ópera “Armida” de Joseph Haydn. Tal como se esperava, sob a direcção de Trevor Pinnock, a orquestra esteve impecável.

Para me compensar da má experiência de ontem com a pianista georgiana, ao mesmo tempo que recordo – pois assisti ao concerto, durante a Mozartwoche de 1998 – venho propor-vos a mesma obra mas com a Orquestra do Mozarteum de Salzburg, sob a direcção de Hubert Soudant, com Till Fellner.

Aqui está tudo certo. Certíssimo. É Mozart em fidelíssima expressão.

Boa audição!

http://youtu.be/jTjcYIec9Tg



Narciso Yepes



(inicialmente no fb em 12 do corrente)


 Aqui têm quem ainda faltava para completar o trio de ouro que hoje vos propus. Manitas de Plata, Andrés Segovia e, agora, Narciso Yepes (1927 - 1997).

1947 seria determinante para a sua carreira já que, aos vinte anos, em ...
16 de Dezembro, se estreou em Madrid como solista do ‘Concierto de Aranjuez’ de Joaquin Rodrigo, com a Orquestra Nacional de Espanha, sob a direcção de Ataulfo Argenta. É que, o êxito foi tal que a partir de então se torna o grande responsável pela popularidade da peça por todo o lado.

Três anos depois, um período de excepcionais contactos com grandes compositores e intérpretes, tais como George Enescu, Walter Gieseking e Nadia Boulanger ao qual ainda se segue uma temporada de grande envolvimento artístico em Itália.

Tal como Segovia, também Yepes contribui para a evolução do instrumento que, no seu caso, se cifrou numa nova guitarra com dez cordas. Foi em 1964 que Yepes tocando o Concierto de Aranjuez com a Orquestra Filarmónica de Berlin, pela primeira vez, utiliza a nova guitarra que concebera em colaboração com o famoso construtor de guitarras José Ramírez III.

Sem entrar em grandes detalhes, poderei transmitir a ideia de que se trata da primeira guitarra dotada de verdadeira ressonância cromática, de algum modo idêntica à do piano com o seu mecanismo do pedal afim de tal efeito.

Aqui têm Narciso Yepes, no Palau de la Música Catalana, Barcelona España, em 16 de Junho de 1991, interpretando
'Recuerdos de la Alhambra' de Francisco Tárrega.



Boa audição!



http://youtu.be/EQGBbLBShzk
 




 


Segovia,
prodígio dos prodígios


(inicialmente no fb em 12 do corrente)

 
Andrés Segovia (Linares, 1893 — Madrid, 1987) costumava dizer que se apropriara da viola dos ciganos tocadores de 'flamenco' para a levar aos grandes auditórios da música erudita. Foi dedicatário de obras de compositores tão ilustrtes como Turina, Villa-Lobos, Castelnuovo- Tedesco e Pedrell.
Mas, de facto, a tal apropriação do instrumento não foi assim tão linear como possa parecer. Segovia entendeu perfeitamente as limitações acústicas das guitarras existentes cujo volume de som produzido não se adequava às grandes salas e não descansou enquanto não melhorou o que era possível.

Este grande mestre foi absolutamente determinante para a definição do instrumento que hoje conhecemos como guitarra clássica, cuja génese também contou com a colaboração de outro virtuoso, Miguel Llobet (1878-1933), tendo envolvido um famoso construtor de instrumentos de corda dedilhada, o luthier de Munique, Hermann Hauser (1882-1952).

Esta guitarra passou a ser manufacturada com as melhores madeiras, adquirindo um formato ligeira e imperceptivelmente modificado,mais adequado à acústica pretendida, podendo produzir notas com maior volume sonoro do que as guitarras usadas até então. Na realidade, só grandes compositores, como Beethoven, no caso do piano, podem gabar-se de coisa análoga.

Ainda assisti a um seu recital em Granada no fim da década de 70. Um dia escreverei sobre esse evento absolutamente extraordinário. Para já, consolem-se com este momento de privilégio, em que Segovia toca a Danza em Sol de Granados.

Boa audição!



http://youtu.be/BBOqnSvVlI8


 
Manitas de Plata
 

(inicialmente publicado no facebook em 12 do corrente)


Jean Cocteau considerou-o um criador. Picasso reconheceu-lhe o génio. Analfabeto, representou a Europa na gala anual das Nações Unidas. Tocou no Royal Variety Performance, em Londres. É o maior, um artista verdadeiramente ...
mítico.

Em tudo é grande, inclusive no desafio à norma da Arte em que se celebrizou. Rendidos à mestria insuperável, até os puristas minimizam o facto de Manitas ter desrespeitado algumas regras rítmicas fundamentais, o 'compás' do flamenco.

Manitas de Plata, músico excepcional, certamente um dos maiores, de todos os tempos, aí o trago neste momento de autenticidade
.


http://youtu.be/oZj5cXj9JnA
 
 
 
 
Luigi,
enfeitiçado de iberismo
 
 
(texto publicado inicialmente no facebook em 12 do corrente)


Hoje, num daqueles dias em que todo vibro no meu radical iberismo, socorro-me dos meus cúmplices, sem fronteiras de tempo. Aqui, em1798, "Fandango". Ao Boccherini acontecera-lhe o mesmo...

Le Concert des Na...
tions, com Mestre Savall, insuperável nestas andanças.

Boa audição!


http://youtu.be/mNdlWXlTAK8
 
 
 
 
 
Santa Teresa de Avila,
um permanente espanto


(texto inicialmente publicado no facebook em 11 do corrente)



Volto a 1966. Na Faculdade de Letras de Lisboa, a Prof. Maria de Lourdes Belchior Pontes regia Língua e Cultura Espanhola, cadeira que eu frequentava por opção, já que de Filologia Germânica é o meu curso. Claro que o ascendente magistral que aquela senhora emanava também determinou a minha boa decisão.

Vivi a epifania dos místicos espanhóis, em esp...
ecial de Santa Teresa e São João da Cruz. Foi por esses dias, tenho a certeza, que radiquei a mais profunda convicção do meu absoluto iberismo. Santa Teresa, voz da Ibéria, aí está numa importante faceta da nossa maneira de estar e de sentir.

Eis um dos mais espantosos poemas de Santa Teresa, um manifesto de Arte saltando todas as fronteiras, inclusive a do seu aparente enquadramento na poesia mística. É mais, muito mais.

VIVO SIN VIVIR EN MI

Vivo sin vivir en mí
Y tan alta vida espero
Que muero porque no muero.

Vivo ya fuera de mí,
Después que muero de amor;
Porque vivo en el Señor,
Que me quiso para sí:
Cuando el corazón le di
Puso en él este letrero,
Que muero porque no muero.

Esta divina prisión,
Del amor con que yo vivo,
Ha hecho a Dios mi cautivo,
Y libre mi corazón;
Y causa en mí tal pasión
Ver a Dios mi prisionero,
Que muero porque no muero.

¡Ay, qué larga es esta vida!
¡Qué duros estos destierros!
¡Esta cárcel, estos hierros
En que el alma está metida!
Sólo esperar la salida
Me causa dolor tan fiero,
Que muero porque no muero

¡Ay, qué vida tan amarga
Do no se goza el Señor!
Porque si es dulce el amor,
No lo es la esperanza larga:
Quíteme Dios esta carga,
Más pesada que el acero,
Que muero porque no muero.

Solo con la confianza
Vivo de que he de morir,
Porque muriendo el vivir
Me asegura mi esperanza;
Muerte do el vivir se alcanza,
No te tardes, que te espero,
Que muero porque no muero.

Mira que el amor es fuerte;
Vida no me seas molesta,
Mira que sólo te resta,
Para ganarte, perderte;
Venga ya la dulce muerte,
El morir venga ligero
Que muero porque no muero.

Aquella vida de arriba,
Que es la vida verdadera,
Hasta que esta vida muera,
No se goza estando viva:
Muerte, no me seas esquiva;
Viva muriendo primero,
Que muero porque no muero.

Vida, ¿qué puedo yo darte
A mi Dios, que vive en mi,
Si no es el perderte a ti,
Para merecer ganarte?
Quiero muriendo alcanzarte,
Pues tanto a mi amado quiero,
Que muero porque no muero.


Sintra,
pretexto para Primavera



(texto inicialmente publicado no facebook em 10 do corrente)



“Die Jahreszeiten” , [As Estações], oratória em quatro partes, Hob.XXI, 3 de Joseph Haydn, composta entre 1799 e 1801 - cujo autógrafo desapareceu, existindo contudo uma cópia em Viena corrigida pelo próprio compositor - foi estreada em privado no dia 24 de Abril de 1801
no palácio Schwarzenberg e, em público, em 29 de Maio seguinte no Burgtheater.

Os solistas encarnam três camponeses, Hanne, Lukas e Simon que vivem o desenvolvimento das quatro estações, nas quatro partes sucessivas da obra, cada uma precedida de uma introdução sinfónica. A partitura ainda consegue ser mais brilhante que a de “A Criação”, residindo o seu encanto numa aliança muito sofisticada entre temas populares e de escrita erudita, numa extraordinária profusão de ideias melódicas, por um lado, de reminiscências campestres, de alusões pitorescas como canções tradicionais, coros de cantores e de fiandeiras, enquanto que a cultura erudita nos chega através de grandes corais, já de pendor romântico.

Bem pode afirmar-se que “As Estações” constituem o coroamento da carreira de Haydn. É uma obra do século dezanove, com tudo o que tal atribuição temporal sugere, inclusive, apontada por alguns musicólogos como a primeira grande obra romântica do século.

Trata-se de um grande momento da Arte e da Cultura ocidental, e, não esqueçam, obra de dois Irmãos Maçons, portanto, do próprio Joseph Haydn e do Barão Gottfried van Switen, que se encarregou do libreto, segundo um poema de James Thomson traduzido por Brockes, consignando ao todo uma mensagem inequivocamente conotada com determinados elementos da cultura e vivência maçónica.

Por motivos óbvios, num dia em que, aqui em Sintra, a primaveril exuberância da paisagem me atinge em cheio durante a caminhada matinal até ao Caminho dos Frades, optei por vos gratificar com a primeira parte da oratória. Aí tendes ‘A Primavera’, cumprindo-me chamar a atenção para o tema da Sinfonia Nº 94, ‘A Surpresa’, sob a forma de ária ‘Schon eilet froh der Ackermann’ que canta e assobia o trabalhador e, igualmente, à fuga final.

A gravação, com legendas em Alemão, Inglês e Francês, é esplêndida. Nada mais nada menos do que Karl Böhm dirigindo a Sinfónica de Viena e o coro Wiener Singverein, com Gundula Janowitz, Peter Schreier e Martti Talvela como solistas.


Boa audição!

http://youtu.be/T7_5-njPJbE

 
 
D. Fernando II,
a Pena e a infelicidade de Portugal
 

(texto inicialmente publicado no facebook em 9 do corrente)


Anteontem, num início de espessa tarde de chuva certa e miúda, depois de passar a entrada principal do Parque, lá segui ao encontro do meu amigo Arq. António Nunes Pereira, Director do Pa...
lácio da Pena. Vencendo a íngreme vereda em direcção ao Picadeiro, apesar de tão singular beleza à minha volta, não conseguia libertar-me de recentes preocupações que a situação do país coloca.

Naturalmente, lembrei-me do senhor D. Fernando. Conheço de cor as palavras de uma carta para Ernesto de Coburg na qual, mais uma vez, repetia a sua visão da pátria adoptiva como país infeliz com todas as possibilidades para a felicidade: "(…) É pena que Portugal, criado verdadeiramente pelo céu para ser unicamente feliz, não chegue a compreender quão salutar lhe seria, nestes tempos, um pouco de sentido prático. Portugal com bom senso poderia ser tão feliz (…)".

Passados uns cinco minutos, chegado ao pátio de entrada, o Arq. Nunes Pereira esperava-me à porta. Subimos até ao seu gabinete e, de um momento para o outro, mal nos sentávamos, eis que Richard Wagner, Parsifal, Kundry, o Votan Viajante, D. Fernando e a Condessa d’Edla, Gwineth Jones, Birgit Nilsson, Waltraud Meier, Götz Friedrich, Peter Stein, José Augusto França, Abbado, Rattle, Karajan, Petrenko se nos juntavam para uma boa hora de turbilhão de conversa em que trabalho e a melomania diletante e muito, muito wagneriana de ambos se mesclaram em dose qb.

À saída, ainda com o mesmo ambiente daquelas chuvosas tardes de serra primaveril, D. Fernando voltava a insinuar-se. Doutra carta “(…) Sintra é de facto um sítio magnífico, que não se deixa comparar facilmente com outras regiões. A minha querida Pena é, conforme o meu critério, a coroa da região sintrense. Ainda ontem passámos lá uma das tardes mais maravilhosas que se podem imaginar e regressámos a casa ao luar. Não existe algo de mais belo do que uma das tardes locais, porque a luz é quase sempre serenamente bela e todas as coisas se mostram numa nitidez muito especial (…)”

De regresso, por ali abaixo, o país continuava no desassossego do costume. Enfim, tal como há centenas de anos… Pois, se bem se lembram, a famosa ‘piolheira’, a ‘choldra ingovernável’ e quejandas avaliações de tão ilustres e reais pessoas… Porém, completamente tomado pela melopeia da passarada que, tal como eu, adora a boa chuvinha certa, densa e miúda, nem dei pelos quilómetros até casa onde, mal chegado, logo me pus à procura das cartas de D. Fernando para vos poder citar o excerto do parágrafo anterior.

Seguidamente, com um bom copo de Colares por companhia, recolhi-me ao II Acto de “Parsifal”. Socorro-me da gravação ao vivo do Festival de Bayreuth de 1985 que presenciei. Ouço a Kundry de Waltraud Meier, o Parsifal de Peter Hofmann, a orquestra do festival dirigida por James Levine e, subitamente, garanto-vos, estava na Pena outra vez. E, tal como Richard Strauss, quando ali esteve, aquele era mesmo o jardim de Klingsor e lá em cima, o castelo do dito cujo…

Em minha casa, em Sintra, outra vez o subido privilégio da Pena. É o que me vale…

E, como não podia deixar de ser, aí têm um pequeno excerto do II Acto de "Parsifal". A Kundry é a mesma Waltraud Meier.

Boa audição!

http://youtu.be/dlGSGSTf43c

 
 
François Hollande,
Francisco de Holanda
 
 
(texto inicialmente publicado no facebook em 8 do corrente)


Toda a gente sabe que os nomes próprios não se traduzem. Porém, para efeito desta despretensiosa nota, dá imenso jeito verter para Português o nome de François Hollande, recém-eleito Presidente da Répública da França.

Claro que não é difícil perceber porquê. O nosso Francisco de Holanda, preferivelmente Francisco d’Olanda, nascido e falecido em Lisboa (1...
517-1585), foi um Humanista do mais alto gabarito, pintor, ensaísta, arquitecto e historiador, uma das mais notáveis figuras do Renascimento em Portugal que, portanto, leva uma incomensurável vantagem sobre quem, até agora, teve um discretíssimo percurso político.

Se quiserem aceder às páginas mais doutas acerca do perfil e obra do nosso Olanda, poderão procurar na bibliografia da especialidade, as referências que lhe fizeram, por exemplo, Henrique Pais da Silva – a personificada probidade, inteligência e amor à causa da divulgação do saber científico que, em 1966, foi meu professor de História da Arte na Faculdade de Letras de Lisboa – e o meu amigo Victor Serrão que, actualmente, é a mais autorizada voz do Maneirismo português.

Apenas umas pinceladas breves para lembrar que começou a sua actividade artística como iluminurista, na senda do que fazia seu pai, António d’Olanda, iluminador régio. Entre 1538 e 1547 esteve em Itália, abeirando-se do grande Vitoria Colonna, integrando um grupo que lhe permitiu contacto com Parmigianino, Giambologna e, pois claro, o mais notável, o próprio Miguel Ângelo.

Com o intuito de que acedam a uma resumida parte do pensamento de Francisco d’Olanda, permitam que transcreva um excerto de um artigo de Pedro Calafate:

“(…) Como escreveu no Tratado da Pintura, a sua obra de maior consistência teórica, a ideia é responsável pela invenção de uma «segunda natureza», concebida interiormente, plasmada no intelecto e fruto do engenho. Assim, a beleza é encarada num contexto que permite equacionar uma profunda aliança entre a estética e a metafísica. Por isso, para Francisco de Holanda,
Deus é a fonte de toda a pintura, sendo também ele o primeiro pintor. A criação é por si encarada como um dar forma pela luz, recuperando a metafísica da luz do platonismo, concebendo por isso a criação como uma função plástica animante, correspondendo a um modelo ou ideia previamente formulado no intelecto divino, tema já sublimemente afirmado por Sto. Agostinho ao estabelecer que Deus não connhece as coisas porque elas existem, mas que as coisas existem porque ele as conhece.

Nestes termos, a pintura humana consiste num criar de novo, numa função plástica inanimante, pois que o pintor «encerra em si aquela ideia criada no entendimento criado, com que imita ou quer imitar as divinas ciências incriadas com que o muito poderoso Senhor Deus criou todas as obras» (…)”.

Deixou-nos os desenhos da série “Antiguidades de Itália”, estudou a fundo matérias afins da reconstituição do património arqueológico dos Romanos e da Arte Italiana na primeira metade do século dezasseis. Também de sua autoria é o projecto da fachada da igreja de Nossa Senhora da Graça em Évora.

Escreveu “Da Pintura Antiga”, um tratado de pura divulgação da obra de Miguel Angelo e, facto muito curioso, foi autor do primeiro ensaio acerca do urbanismo na península Ibérica, subordinado ao título "Da fabrica que falece a cidade de Lisboa". Entre outras, ainda o exemplo de duas obras através das quais é possível aquilatar da sua mestria no Desenho, alguns l "De Aetatibus Mundi Imagines" e "Antigualhas".

Rematarei com referência a Da Pintura Antiga (Lisboa, 1548), e Lembrança Ao muyto Serenissimo e Christianissimo Rey Dom Sebastiam: De quãto Serve A Sciencia do Desegno e Etendimento da Arte da Pintura, na República Christam Asi na Paz Como na Guerra (Lisboa, 1571).

Se, no seu métier, o legado que François Hollande deixar à posteridade se aproximar sequer destes tão notáveis contributos de Francisco d’Olanda, então, poder-se-á dizer que muito auspiciosa foi a sua eleição…
 
 


Siegfried,
Filho de Wagner

(texto inicialmente publicado no facebook em 6 do corrente)

Nasceu em 1869, na villa Tribschen, em Lucern, chamava-se Helferich Siegfried Richard Wagner e, tal como ontem vos lembrava, conhecido pelo diminutivo ‘Fidi’, era o Siegfried cujo idílio o pai verteria na peça musical que ontem nos ocupou, ou seja Idílio de Siegfried que, inicialmente, titulou como Idílio de Triebschen.
Quando, em 1908, a mãe deixou a direcção do Festival de Bayreuth, foi ele quem a substituiu, tendo permanecido no posto até morrer, em 1930. Filho de Richard Wagner e neto de Franz Liszt, difícil seria que não se tornasse compositor. Ainda esteve tentado a seguir a carreira de arquitecto mas acabou por se render à música, revelando-se um prolixo criador que, espantem-se, escreveu dezoito óperas das quais também foi autor dos libretti, oito peças orquestrais, doze obras vocais…

Ao contrário do pai e do avô, grandes mulherengos, com atribuladíssimas vidas sentimentais e solapadas paixões por várias mulheres, Fidi era um conhecido homossexual ou, se quiserem, talvez bissexual, se é que isso existe. Depois de vários escândalos, indo já muito adiantado nos seus quarenta e cinco anos, Cosima arranjou-lhe um casamento de manifesta conveniência com uma miúda inglesa de dezassete, Winifred Marjorie Williams que, tendo ficado órfã, seria adoptada por Henrietta Karop e seu marido Karl Klindworth, um amigo da família Wagner.

Um parêntesis para lembrar que esta inglesa Winifred viria a revelar-se uma grande amiga de Adolf Hitler, chegando a falar-se no seu iminente casamento com o ditador, ainda que ela sempre tenha negado qualquer envolvimento com o partido nacional socialista. De qualquer modo, não se livra da reputação de ter sido quem, mais decisivamente, terá contribuído para a «nazificação» dos Wagner, herdeiros do compositor que falecera havia cinquenta anos. Honra lhe seja feita por se ter manifestado contra a perseguição aos judeus e, inclusive, por ter «mexido uns cordelinhos» para safar algumas pessoas, como Hedwig e Alfred Pringsheim, sogros de Thomas Mann, das garras da Gestapo.

Fidi e Winifred tiveram quatro filhos, Wieland (1917–1966), Friedelind (1918–1991), Wolfgang (1919–2010), Verena (nascida em 1920). Esta prole nada significava em relação à militante homossexualidade de Siegfried. Falei com alguns velhotes que, em Bayreuth, ainda há poucos anos se lembravam e contavam como ele se perdia com os jovens dos coros. Enfim, um caso perdido… À excepção de Wieland, cujas encenações continuam famosas – e que, na minha opinião, foi o mais dotado, em termos artísticos, como director do Festival – conheci os outros três pessoalmente, muito simpáticos, muito controversos também.

Volto a Siegfried Wagner para vos trazer uma sua peça de excelente recorte. Trata-se do poema sinfónico "Glück", composto entre 1922–23, dedicado à memória de Clement Harris [amigo íntimo do compositor, com quem partilhou uma viagem ao extremo Oriente, em 1892] interpretado pela Rundfunk-Sinfonierorchester Frankfurt, sob a competente direcção de Dmitri Kitajenko.

http://youtu.be/APDj_thrQvs

Eleições em França


(texto inicialmente publicado no facebook em 5 do corrente)

Ah, como eu tenho saudades de ver um socialista no Eliseu! Mas, meu Deus, a que distância de Hollande, estava o último locatário socialista do palácio oficial do Presidente da República da França? Mitterand, o outro François, estará tão distante deste como, por exemplo, Angela
Merkel está muito longe de Helmut Kohl ou Nicolas Sarkozy a muitas milhas do próprio Jacques Chirac, para já não cometer o sacrilégio de chamar De Gaule a esta baixaria…

Apesar de o homem não ser brilhante, muito bom seria que o Eliseu mudasse de inquilino. É tempo de a França deixar de ser representada por um manifesto e sobranceiro chauvinista que, não conseguindo esconder a verdadeira pele, arma ao tolerante, rendido à condição de cãozito amestrado da chanceler alemã… Caricato mas perigoso, mal rodeado, teve tempo bastante para mostrar aos franceses que, depois de dez anos no poder – às de presidente há que somar as funções de ministro – é tempo de abandonar a ribalta da política.

A eleição de Hollande daria um alento muito grande à esquerda europeia, constituindo sério aviso às hostes liberais do velho continente, que continuam desenvolvendo uma estratégia de desmantelamento do designado Estado Social, espelho das virtudes e de conquistas civilizacionais fruto de lutas seculares, agora vergonhosa e indignamente desonradas, desbaratadas como se se tratasse de reles património.

Com os seus nove por cento de força residual, a decisão de François Bayrou no sentido de apoiar Hollande constituiu um significativo reforço de ânimo que, num momento de agonia alimentada por tanta dúvida em presença, não é suficiente para instalar a calma necessária.

E neste estado, cheio de dúvidas, até ao último momento, vou manter-me na expectativa. Já sei que vou passar um domingo de desassossego. Confio que um pouco mais de discernimento do eleitor médio francês acabe por vencer a treva que ainda paira.

E, para animar as hostes, aí tendes "La Marseillaise", na interpretação de Roberto Allagna que, na realidade, consegue ser convincente.
 

 
 
A propósito do slogane
"Eu apoio o ensino da música nas escolas!"
 
(texto inicialmente publicado no facebook em 4 do corrente)


Um currículo escolar sem oferta de uma séria componente musical constitui um factor decisivamente negativo para o sucesso de qualquer Sistema Educativo em qualquer latitude....
Para que nos entendamos, apenas me refiro à oferta escolar do ensino público e, em especial, nos primeiros anos escolares.

A situação em Portugal é mesmo muito preocupante. Não estão definidas metodologias, recorre-se a docentes desqualificados, desconhece-se que competências são adquiridas. O designado «enriquecimento curricular» no âmbito das actividades extra curriculares do primeiro ciclo, é algo de aberrante, altamente desmotivador e mesmo dissuasor da adesão que deveria suscitar.

É uma máscara, 'para inglês ver', apenas para constar das estatísticas. Nem sequer o reduzidíssimo investimento que se concretiza, rende proporcionalmente... Tenho obrigação de não escrever grandes asneiras porque, como Técnico de Educação, quanto mais não fosse por dever de informação, tive de me inteirar sobre o que se passa em Portugal, nos países da União Europeia e nalguns de outros continentes.

Desde muito jovem, também como melómano, sempre estive interessadíssimo no assunto. Tenho visitado muitas entidades oficiais e particulares no estrangeiro, sei o que está a acontecer entre nós e, naturalmente, prevejo o que acontecerá no curto, médio e longo prazos.

É um verdadeiro escândalo que, em Portugal, o Sistema Educativo se dê ao luxo de desperdiçar as mais-valias que um cuidado ensino musical - como componente em perfeito pé de igualdade com as outras disciplinas curriculares - poderia carrear para o êxito individual e colectivo. Isto que afirmo e confirmo está mais que provado.

Deixem que remate com uma nota positiva referindo o excelente trabalho desenvolvido por muitas bandas filarmónicas por esse país fora. É no seu enquadramento que significativo número de crianças e jovens, fora da Escola, têm a possibilidade de aprender e praticar. Pelo menos que se apoie adequadamente estas entidades.

O video que se segue tem a ver com uma vertente do ensino da música, é verdade, mas como estratégia para a integração social. Só na zona metropokitana de Lisboa, há várias experiências a funcionar com o envolvimento e patrocínio da Fundação Gulbenkian.

No caso focado pelo documento, o Maestro convidado é Oswaldo Ferreira que muito se deve ter lembrado do exemplo de Claudio Abbado - de quem foi assistente principal - e da obra muito interessante que desenvolve em vários cantos do mundo.



http://youtu.be/Y_0BWr6cT04
 
 
 
 
Idílio de Siegfried,
um idílio em Tribschen


(texto inicialmente publicado no facebook no passado dia 4 do corrente mês de Maio)

Ontem, na Gulbenkian, pela orquestra da casa e com Scott MacAllister, Wolfgang Koch e Peter Galliard como vozes solistas, tivemos uma récita concertante do I Acto da ópera “Siegfried” de Richard...
Wagner, segunda jornada do ‘Ring’, sob a direcção de Kirill Petrenko.

Para já, fiquei muito bem impressionado, tendo confirmado a excelente impressão que tenho do trabalho de Petrenko que, em 2013, em Bayreuth, por ocasião do segundo centenário do nascimento de Wagner, dirigirá uma nova produção da Tetralogia.

Na perspectiva do concerto da próxima semana, em que o mesmo maestro nos dará mais dois excertos da mesma ópera, ou seja, o ‘Idílio de Siegfried’ e Cena final do III Acto, decidi voltar a escrever-vos sobre a génese do ‘Idílio’.

A primeira apresentação da peça aconteceu na escadaria interior da Villa Tribschen, na manhã do dia de Natal de 1870, por ocasião do aniversário de Cosima.

Acordou ela ao som da melodia de abertura e escutou aqueles vinte minutos de extrema beleza enquanto Wagner, o marido, dirigia um pequeno grupo de treze músicos [dois violinos, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, oboe, dois clarinetes, duas trompas, trompete e fagote] , que tinha recrutado em Zürich. Que melhor presente poderia imaginar?

O título original da peça era “Tribschen-Idyl, com a canção dos passarinhos de Fidi e Nascer do Sol cor de laranja”. Está claro que, só pelo título, se percebe tratar-se de uma obra muito pessoal para Wagner.

Descodifiquemos. Tribschen é o nome da villa em Lucerna, na Suiça, onde Wagner vivia exilado com a família. Fidi era o petit nom de Siegfried, filho de Richard Wagner e de Cosima, sua mulher.

“Tribschen-Idyl” é um título certamente suscitado pelo fascínio do lugar. Quem lá vai, percebe logo… Aquilo é lindo de morrer. Vem a propósito lembrar que Wagner escreveu ao Rei Luís II da Baviera “(…) para qualquer lado que me volte, fico no meio de um mundo mágico: não conheço outro lugar mais belo, nada mais acolhedor”

Oito anos mais tarde, com o título “Sigfried Idyl”, Wagner publicaria esta obra depois de ter acrescentado uma série de instrumentos à partitura original. Como é do conhecimento geral, algumas das melodias foram usadas pelo compositor na composição da ópera "Siegfried".

Como nada substitui um testemunho na primeira pessoa, numa tradução para Inglês, eis a conhecidíssima página do diário de Cosima Wagner em que dá conta do episódio:

"(...) Sunday, December 25, 1870 About this day, my children, I can tell you nothing—nothing about my feelings, nothing about my mood, nothing, nothing, nothing. I shall just tell you, dryly and plainly, what happened. When I woke up I heard a sound, it grew even louder, I could no longer imagine myself in a dream, music was sounding, and what music! After it had died away, R. came in to me with the five children and put into my hands the score of his "Symphonic Birthday Greeting." I was in tears, but so, too, was the whole household; R. had set up his orchestra on the stairs and thus consecrated our Tribschen forever! The Tribschen Idyll—thus the work is called. — At midday Dr. Sulzer arrived, surely the most important of R.'s friends! After breakfast the orchestra again assembled, and now once again the Idyll was heard in the lower apartment, moving us all profoundly (Countess B. was also there, on my invitation); after it the Lohengrin wedding procession, Beethoven's Septet, and, to end with, once more the work of which I shall never hear enough! — Now at last I understood all R.'s working in secret, also dear Richter's trumpet (he blazed out the Siegfried theme splendidly and had learned the trumpet especially to do it), which had won him many admonishments from me. "Now let me die," I exclaimed to R. "It would be easier to die for me than to live for me," he replied. — In the evening R. reads his Meistersinger to Dr. Sulzer, who did not know it; and I take as much delight in it as if it were something completely new. This makes R. say, "I wanted to read Sulzer Die Ms, and it turned into a dialogue between us two." (C. Wagner 312)"

Aqui tendes uma belíssima leitura de Sir Georg Solti dirigindo a Filarmónica de Viena. Boa audição!


 http://youtu.be/oFtpLhfKJ